Gaspar “não queria que nada pusesse em causa a privatização” da EDP, diz Álvaro Santos Pereira
O antigo ministro da Economia quis introduzir uma contribuição sobre o setor elétrico logo em 2012, mas foi travado pelo então ministro das Finanças, que não quis prejudicar a privatização da EDP.
A necessidade de cortar as rendas excessivas pagas pelo Estado aos produtores de eletricidade foi uma prioridade imediatamente identificada por Álvaro Santos Pereira, antigo ministro da Economia do Governo de Pedro Passos Coelho, mal assumiu este cargo, em 2011. A “melhor solução” que a sua equipa encontrou foi a introdução de uma contribuição adicional sobre o setor energético mas, em pleno processo de privatização da EDP, ao mesmo tempo que Portugal estava prestes a ser intervencionado pela troika, a ideia foi rejeitada pelo então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que “não queria que nada pusesse em causa a privatização” da EDP. “A haver cortes, teriam de ser feitos de outra maneira”.
A história, que vai ao encontro daquela que já foi contada pelo antigo secretário de Estado Henrique Gomes, é agora recordada por Álvaro Santos Pereira, que está a ser ouvido, esta quinta-feira, na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade.
“Se há algo que me orgulho de ter feito durante o período em que servi o país como ministro da Economia foi a luta contra os lobbies e os interesses instalados. Não há muitos exemplos de ministérios da Economia tão independentes. A defesa intransigente dos valores que fiz motivaram os ataques de que fui alvo. Os lobbies nunca tiveram a minha simpatia e ficaram a saber que o tempo das rendas excessivas tinha acabado“, começou por dizer o antigo ministro.
Na sua intervenção inicial, onde afirmou que “se há setor que foi protegido durante muito tempo foi o da energia”, recordou que foi logo na primeira semana do seu mandato, em julho de 2011, que recebeu da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) dados que o deixaram “alerta” relativamente ao rumo do setor elétrico. “Se nada fosse feito, em 1 de janeiro de 2012, o preço da eletricidade iria aumentar perto de 30% para as famílias e mais de 50% para as empresas”. Isto devido “às elevadas rendas que os produtores energéticos recebiam nesse setor tão protegido”.
Assim, a equipa do Ministério da Economia começou a desenhar soluções. “Era preciso cortar nos rendimentos excessivos” e, para isso, “a melhor solução” que encontraram foi a introdução de uma contribuição adicional sobre o setor energético. “Fazia todo o sentido. Esperávamos arrecadar receitas entre os 220 e 230 milhões de euros, até 2020, provenientes de todos os produtores elétricos, num total de 2.100 milhões de euros de receitas. Eram 2.100 milhões de rendas excessivas que seriam eliminadas entre 2012 e 2020”, contou Álvaro Santos Pereira.
A equipa do Ministério chegou a iniciar conversações com os produtores, mas encontrou oposição interna. “Infelizmente, o ministro das Finanças não concordou, porque não queria que nada pusesse em causa a privatização”, afirmou o antigo governante. Numa reunião que decorreu no outono de 2011, na qual participaram Henrique Gomes e Carlos Moedas, a posição das Finanças foi deixada clara: “A haver cortes, teriam de ser feitos de outra maneira”.
“A contribuição sobre o setor ficava pelo caminho, bem como a nossa estratégia inicial de cortes de rendas excessivas“, disse.
Foi nessa altura que Henrique Gomes considerou não ter condições para continuar no Governo, acabando mesmo por sair. Álvaro Santos Pereira nega, assim, que esta demissão tenha sido motivada por pressões do lado das produtoras de eletricidade, ainda que admita que houve quem tenha “comemorado” a saída de Henrique Gomes.
“A única divergência de Henrique Gomes que existia comigo era tática. Quando perdemos a batalha internamente por causa da contribuição, tínhamos de cortar de outra maneira. O Henrique Gomes continuou a pensar que a contribuição era a solução, mas, acima de tudo, que tinha de vir para a praça pública. Eu aconselhei-o a ter um pouco de calma, porque conseguiríamos fazer as coisas no bastidores, como acabámos por conseguir, quer através do corte da garantia de potência, quer através do cálculo dos CMEC [custos de manutenção do equilíbrio contratual].
“Quem andou a celebrar a saída do Henrique Gomes, saiu-lhes o tiro pela culatra. Perceberam logo que não haveria mudança na política“, concluiu sobre este assunto.
Esta versão dos factos apresenta, contudo, algumas contradições face ao que foi contado por Henrique Gomes, que já foi ouvido nesta comissão de inquérito.
Durante a sua audição, o antigo secretário de Estado da Energia, que assumiu este cargo durante apenas nove meses, afirmou que “de cada vez que se falava em rendas excessivas, o ministro [Álvaro Santos Pereira] ficava muito atrapalhado”, chegando mesmo a dizer-lhe que estava “proibido de falar em rendas excessivas” e a controlar os seus discursos. Confrontado com estas declarações, esta tarde, Álvaro Santos Pereira fugiu a comentar diretamente as acusações, insistindo que a única divergência entre os dois governantes era “tática”.
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