Marido de vice-governadora estava na La Seda quando CGD entrou no capital da empresa
Vice-governadora não pediu escusa em relação à CGD alegando que marido tinha saído da La Seda antes do primeiro empréstimo. Mas relação entre banco português e empresa espanhola começou antes disso.
Fernando Freire de Sousa, marido de Elisa Ferreira, vice-governadora do Banco de Portugal, era vice-presidente da La Seda Barcelona quando, em 2006, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) começou a sua aventura com o grupo espanhol na Artlant, em Sines, e que veio a custar mais de 250 milhões de euros ao banco público.
Esta segunda-feira, Elisa Ferreira considerou não existirem incompatibilidades entre as decisões que o supervisor pode vir a tomar sobre as conclusões da auditoria da EY à CGD, e o facto de o seu marido ter sido administrador nesse grupo que gerou milhares de perdas ao banco público.
Uma das justificações da vice-governadora para recusar pedido de escusa no dossiê da auditoria teve a ver com timings: quando a CGD contratualizou o primeiro crédito com a La Seda, em 7 de maio de 2008, já Fernando Freire de Sousa tinha deixado de exercer funções tanto na La Seda como na Artlant.
Só que a relação entre a CGD e o grupo espanhol vem de antes, de 2006, quando o Fernando Freire de Sousa era um dos braços-direitos do Rafael Español na La Seda, segundo revela a auditoria da EY aos atos de gestão da CGD entre 2000 e 2015.
Após os esclarecimentos desta segunda-feira, o ECO voltou a questionar Elisa Ferreira. E reafirmou o que tinha dito antes: “A vice-governadora do Banco de Portugal reitera a sua posição de que não existem razões que possam influenciar, ou que possam dar a aparência de influenciar, a sua atuação em matéria de supervisão da CGD”, afirmou Elisa Ferreira. Nessa nota, também argumenta que o Banco de Portugal tem como missão supervisionar bancos e não empresas.
A hipótese de haver mais conflitos de interesse dentro do Banco de Portugal, além daquele que resultou no pedido de escusa de Carlos Costa, foi levantada na semana passada pelo PSD, pela voz do deputado Duarte Pacheco, que não se referiu diretamente ao caso da vice-governado, cujo marido passou pela administração da La Seda entre 2004 e 2008.
Fernando Freire de Sousa é atualmente presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte. Embora tenha passado pela gestão da La Seda Barcelona durante quatro anos, essa experiência profissional não consta no curriculum vitae com que se apresenta naquele organismo.
Diz genericamente que “foi administrador de várias empresas e grupos empresariais”, destacando: presidente da comissão de vencimentos da Zon (2008 e 2013), presidente do conselho de administração do Fundo para a Internacionalização das Empresas Portuguesas (1997-2003), membro do conselho de administração da Espaço Atlântico – Formação Financeira (1990-1996), membro do conselho de administração da Fundação Berardo (2010-2011).
A EY não consegue enquadrar a decisão de entrar no capital da La Seda à luz da estratégia da CGD em 2006, era Carlos Santos Ferreira o presidente do banco público. Mas o investimento realizado em ações do grupo espanhol veio a resultar em menos-valias de 53 milhões de euros. “A decisão de investimento visava influenciar a localização de um investimento em Portugal, não sendo percetível o enquadramento no plano estratégico da CGD”, notam os auditores.
Quanto aos empréstimos à Artlant, que foram crescendo dos 40 milhões iniciais para uma exposição creditícia de 351 milhões de euros no final de 2015, geraram perdas de 211 milhões de euros para CGD. A Artlant era o maior devedor da CGD no final de 2015. O que correu mal?
De projeto PIN aos tailandeses
Quando a CGD foi ao aumento de capital da La Seda, em 2006, investindo cerca de 34 milhões de euros em ações da empresa, o objetivo já estava traçado: influenciar as decisões do conselho de administração da empresa espanhola (onde já lá sentava Fernando Freire de Sousa) para trazer para Portugal um importante investimento de 400 milhões para a criação de uma unidade de produção de PTA, utilizado no fabrico de vestuário, garrafas plásticas ou peças para automóveis e que iria fornecer a casa-mãe.
Ao banco caberia assegurar o financiamento (project finance com outros bancos) para um investimento que o Governo de José Sócrates classificou de Projeto de Interesse Nacional (PIN) e até apoiou com 140 milhões de euros em subsídios diretos e benefícios fiscais. Mas a iniciativa público-privada foi desastrosa desde o início e veio a complicar-se ainda mais ao longo do tempo.
Aos sucessivos atrasos na construção da fábrica portuguesa juntou-se a crise financeira e económica que atirou a La Seda, que seria a principal cliente da Artlant, para um processo de reestruturação em 2009. Entretanto, já a CGD tinha feito vários empréstimos ponte à empresa para que as obras na unidade de Sines pudessem avançar. Na versão preliminar do relatório da EY, são identificados três empréstimos ponte (brigde loans) à Artlant, o último dos quais aprovado em 29 de janeiro de 2010 no valor de 112,9 milhões de euros, poucos dias depois de ter sido assinado um contrato de empréstimo (facility agreement) no montante global de 381 milhões de euros.
No âmbito da reestruturação em 2010, a La Seda faz novo aumento de capital que reforça a posição acionista da CGD na La Seda para quase 15%, em parte devido à conversão de créditos em capital. Apesar das tentativas de recuperar a empresa, as dificuldades mantiveram-se e é pedida a proteção contra credores em 2013.
Em 2014, foi a Artlant a entrar em processo especial de revitalização face “à situação económica difícil”: não tinha dinheiro para relançar a produção da sua unidade industrial assim como não tinha dinheiro para “suportar os custos inerentes ao fornecimento de utilidades aos preços até à data contratados”, lê-se no relatório preliminar da auditoria da EY. Culpa-se o preço da matéria-prima (o petróleo) como um dos fatores de pressão. O PER viria a ser homologado em janeiro de 2015, mas não foi avante.
Em junho de 2017, quando foi declarada a insolvência da Artlant, Paulo Macedo garantia que a exposição do banco público era “zero”, assegurando que todo o crédito concedido à empresa estava provisionado.
No final desse ano, os ativos da Artlant (equipamentos, direitos de superfície e contratos de trabalho) foram vendidos ao grupo tailandês Indorama Ventures no decurso do processo de insolvência. Embora não tenham sido revelados valores da transação, a EY faz a conta às perdas para a CGD com a aventura no projeto: mais de 250 milhões.
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