As dez dúvidas que o governador do Banco de Portugal ainda não esclareceu

O governador do Banco de Portugal tem sido um dos principais alvos políticos e mediáticos, pela sua atuação enquanto administrador da CGD. Esta terça-feira, terá oportunidade de se explicar.

Passado pouco mais de duas semanas desde que o relatório final da auditoria feita pela EY à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre os anos de 2000 e 2015 foi divulgado pelo próprio banco público, Carlos Costa volta a aparecer no espaço público. O governador do Banco de Portugal tem sido um dos principais alvos políticos e mediáticos das últimas semanas, pela sua atuação enquanto administrador não executivo da Caixa, altura em que terá participado em reuniões onde foi dado aval a várias das operações de crédito ruinosas visadas na auditoria da EY. A sua exoneração volta a estar em cima da mesa e o seu nome está na linha da frente para ser ouvido na terceira comissão parlamentar de inquérito desta legislatura que tem a Caixa como objeto.

Até agora, Carlos Costa pouco tem dito sobre as várias incógnitas que se levantam, esclarecendo apenas que pediu escusa das decisões do Banco de Portugal relativas à CGD, que decorram da auditoria feita pela EY, e que, enquanto foi administrador do banco público, não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna.

Esta terça-feira, o governador terá oportunidade de esclarecer várias questões, quando participar no Via Bolsa, evento promovido pela Euronext que contará com a presença da comunicação social, e quando for entrevistado pela SIC, esta noite. Estas são dez das principais questões a esclarecer.

  • Quem são os gestores da CGD que estarão sujeitos ao exame de idoneidade aplicado pelo Banco de Portugal?

O Banco de Portugal está a avaliar a idoneidade de antigos e atuais gestores da Caixa que tenham feito parte dos conselhos de administração durante o período analisado pelo EY e que, ainda hoje, mantenham funções de gestão em instituições bancárias. Mas o regulador não esclareceu, para já, quem são os responsáveis que estão a ser examinados. O Jornal Económico começou por avançar, no início deste mês, que o Banco de Portugal estaria a avaliar a idoneidade de nove dos 44 gestores que passaram pelo banco público entre 2000 e 2015. Já este sábado, o Expresso deu conta de que seriam, afinal, sete os antigos administradores que estão a ser analisados pelo Banco de Portugal, que irá depois decidir se abre um processo de reavaliação da sua idoneidade. Entre eles, está António de Sousa, antigo governador do Banco de Portugal e presidente da Caixa entre 2000 e 2004. Os restantes, ainda segundo o semanário, encontram-se atualmente no Novo Banco, BCP, Finantia, CGD, EuroBic e ECS.

  • Porque é que o governador não será sujeito a este exame?

O Banco de Portugal está a analisar a atuação de antigos gestores da Caixa que se mantenham em funções da banca, mas o próprio governador escapa a este exame. Isto porque a legislação não permite que o Banco de Portugal se supervisione a si a próprio, no que toca a questões de avaliação de idoneidade. Isto apesar de, durante o período em que Carlos Costa foi administrador não executivo da Caixa, entre abril de 2004 e setembro de 2006, o banco público ter aprovado vários dos créditos visados na auditoria da EY que vieram a revelar-se ruinosos.

  • Em que reuniões do Conselho Alargado de Crédito esteve presente enquanto administrador da CGD?

Carlos Costa participou, enquanto administrador da Caixa, entre abril de 2004 e setembro de 2006, em reuniões do Conselho Alargado de Crédito que trataram algumas das operações de financiamento que vieram a gerar perdas de milhões para o banco público. As atas a que a revista Sábado teve acesso dão conta disso mesmo e o governador do Banco de Portugal não o nega. Mas Carlos Costa ainda não esclareceu quais as reuniões exatas em que esteve presente. Segundo a revista, o então administrador do banco público esteve presente em, pelo menos, quatro reuniões do Conselho Alargado de Crédito nas quais foram aprovados empréstimos a grande devedores, incluindo aquelas onde se aprovaram os créditos à Metalgest, Investifino e Vale do Lobo. No primeiro esclarecimento que prestou a este respeito, o agora governador do Banco de Portugal disse apenas estar disponível para prestar todos os esclarecimentos sobre “os termos da sua participação nos órgãos colegiais que aprovaram as operações que são objeto da auditoria da EY à CGD”. No mais recente esclarecimento, já disse que “o financiamento da CGD a Vale do Lobo teve a aprovação final numa reunião do Conselho Alargado de Crédito que não contou com a presença do governador”. Não fez ainda qualquer referência às outras operações em que poderá ter estado envolvido.

  • Qual foi a sua intervenção nessas reuniões?

Carlos Costa não nega ter participado em reuniões do Conselho Alargado de Crédito da CGD, mas não esclarece qual foi a sua participação nas mesmas. O mais próximo que esteve de explicar a sua intervenção nestas reuniões foi quando negou responsabilidades na área do crédito: “Entre abril de 2004 e setembro de 2006, o governador exerceu funções de administrador da CGD, tendo sido responsável pelas áreas de marketing e internacional da instituição. Durante todo o período em que exerceu funções de administrador na CGD, o governador não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”.

  • Em que operações visadas na auditoria da EY teve intervenção, enquanto administrador da CGD?

Fica por saber, então, quais as operações, de crédito ou de investimento, que são analisadas na auditoria da EY e em que Carlos Costa teve intervenção enquanto foi administrador da CGD, no Conselho Alargado de Crédito ou noutro âmbito.

  • O que vai expor ao Conselho de Ética do Banco de Portugal e ao BCE?

Neste cenário em que se colocam em causa as condições que Carlos Costa ainda terá, ou não, para manter o cargo no regulador da banca, o governador pediu para ser ouvido pelo Conselho de Ética do Banco de Portugal e pelo Comité de Ética do Banco Central Europeu (BCE), segundo avançou o Expresso este sábado. Carlos Costa já terá preparado a defesa sobre o seu alegado envolvimento, enquanto administrador da CGD, em algumas das operações que resultaram em perdas de milhões para o público, incluindo a Metalgest, Vale do Lobo e Investifino. Resta tornar estas explicações públicas. E, sobre este ponto, importa também notar que a Comissão de Ética a quem o governador vai prestar esclarecimentos foi escolhida por ele próprio, como determina o Regulamento da Comissão de Ética e dos Deveres Gerais de Conduta dos Trabalhadores do Banco de Portugal. Nesta comissão estão Vítor Pessoa, que foi administrador do Banco de Portugal no início do mandato de Carlos Costa, Vasco Pereira, que já foi diretor do departamento de supervisão ainda durante o mandato do atual governador, e José Pereira, que já esteve à frente do mesmo departamento, também durante o mandato de Carlos Costa.

  • Porque é que só pediu escusa de decisões relativas à CGD mais de quatro meses depois de o relatório da auditoria da EY ter sido concluído?

Primeiro, Carlos Costa anunciou que pediu para não participar nas decisões do Banco de Portugal decorrentes das conclusões da auditoria feita pela EY, um pedido que foi aceite pelo Conselho de Administração do regulador. Mais tarde, esclareceu que este pedido de escusa foi feito no dia 6 de novembro de 2018, tendo sido aceite nesse mesmo dia. Significa isto que o pedido de escusa só foi feito cerca de quatro meses e meio depois de o relatório final da auditoria da EY ter sido concluído, a 26 de junho de 2018.

  • Considera que continua a cumprir os requisitos necessários ao exercício das suas funções, ou que cometeu alguma falta grave que justifique a sua exoneração?

O governador do Banco de Portugal é inamovível e só há duas situações em que pode ser exonerado: se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. Os requisitos que têm de preencher antes de poderem ser nomeados são: comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária. Já o conceito de “falta grave” não está definido com clareza nos estatutos do BCE. Em várias opiniões emitidas relativas ao quadro legal de países da Zona Euro, o regulador europeu classifica de “falta grave” as decisões ou omissões que violem a lei, um conceito relativamente aberto. Noutros casos, é mais específico. No que toca aos requisitos de reporte relativos às estatísticas de balanço, por exemplo, o BCE define como “falta grave” as situações de incumprimento sistemático dos padrões mínimos para as revisões; reporte incorreto com intenção fraudulenta; reporte sistemático de dados incorretos; flagrante falta de cooperação com o banco central competente e/ou com o BCE.

No ano passado, pouco depois de ter recebido a auditoria da EY, o Banco de Portugal acabou por não dar parecer de idoneidade a Norberto Rosa, antigo administrador da Caixa que era candidato a administrador não executivo do BCP, e a Pedro Cardoso, outro antigo administrador do banco público que era candidato a administrador do Bison Bank, em ambos os casos devido às participações destes antigos gestores nos conselhos de crédito da Caixa. É neste contexto, e considerando as situações em que o governador pode ser exonerado, que se levantam várias questões. Se Carlos Costa também participou em conselhos de crédito da Caixa no período analisado pela EY, por que razão não estão o seu nome e a sua idoneidade a serem avaliados? Do mesmo modo, o governador pode garantir que continua a cumprir os requisitos que lhe são exigidos ou que não cometeu qualquer falta grave?

  • Houve falhas por parte do Banco de Portugal, durante o seu mandato, na supervisão à CGD?

Não está apenas em causa a atuação de Carlos Costa como administrador da Caixa, mas, também, como governador do Banco de Portugal. Carlos Costa é governador desde 2010, período que já é abrangido análise feita pela EY (2000 a 2015). Ao longo desses anos, o supervisor não quis envolver-se no processo de realização de uma auditoria à Caixa, que acabou por ser pedida pelo Estado, ao contrário do que fez com o Banco Espírito Santo (BES), caso em que pediu uma auditoria à consultora Deloitte. Isto apesar de, neste período o banco público ter tido de ser recapitalizado por duas vezes: uma em 2012, com uma injeção de 1.650 milhões de euros, e outra em 2016, de cerca de cinco mil milhões de euros. Em qualquer um dos casos, não se conhecem análises de supervisão do Banco de Portugal que tenham determinado as razões que levaram a essas necessidades de capital.

  • Admite sair do Banco de Portugal pelo próprio pé?

Pela segunda vez no seu mandato, vai ser votado um projeto que pede a exoneração do governador do Banco de Portugal. O projeto volta a ser apresentado pelo Bloco de Esquerda, que argumenta que “sem a possibilidade de aferir a sua idoneidade face ao comprovado envolvimento na Caixa Geral de Depósitos, Carlos Costa não cumpre as condições de escrutínio e isenção para o desempenho das funções de governador do Banco de Portugal”.

Mais: não é a primeira vez que a possibilidade de Carlos Costa ter cometido alguma falta grave enquanto governador é levantada, ainda que esta nunca lhe tenha sido apontada oficialmente. “É uma falha grave que nós reputamos de falha grave de transmissão de informação”, disse, em abril de 2017, o ministro das Finanças, Mário Centeno, em entrevista à RTP, referindo-se ao facto de o Banco de Portugal ter omitido que tinha pedido ao BCE para limitar o financiamento ao Banif. O Governo nunca retirou, contudo, consequências destas falhas graves. “Esperarei que a comissão de inquérito identifique todas as situações envolvidas nesta matéria”, ressalvou o ministro das Finanças, afastando, então, a exoneração do governador.

A hipotética exoneração do governador poderia, por outro lado, não ter qualquer efeito prático, já que o processo de exoneração é demorado e o mandato do governador termina em julho de 2020.

Resta saber, então, se Carlos Costa admite, perante as falhas de supervisão que lhe são apontadas já desde o colapso do BES, em 2014, renunciar ao mandato.

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