Oh Nyepi Day!

A religião é tão importante que consegue fechar a ilha inteira. Hoje está tudo fechado. Ninguém pode sair de casa, a polícia patrulha a ruas. É o Nyepi, o Dia do Silêncio.

Como qualquer povo que viva numa ilha com dois vulcões, os balineses são muito supersticiosos. Se juntarmos a isso, chuvadas tropicais que duram dias, cheias, terramotos e um ou outro tsunami, percebemos logo por que, diariamente, deixam oferendas aos deuses. Eu própria dou por mim, todas as noites, a rezar ao Monte Agung para que não dê às minhas férias a imortalidade petrea de Pompeia. Prefiro postais feios!

É fácil dizer há quantos dias alguém está em Bali pelo rasto de oferendas destruídas. Dizer que há oferendas aos pontapés é a apoteose desta expressão! As oferendas são pequenas caixinhas feitas de folha, na qual se faz uma salada de flores, folhas, arroz e tudo o que se quiser oferecer. Há quem ponha o cigarrinho, o rebuçadinho, o pacote de bolachas e até o copinho de plástico com molho de soja. Suja que se farta pois, em vez dos deuses, o banquete vai para os macacos, as rolas e os cães. No fim do dia está tudo devorado e espezinhado por turistas distraídos: Bali ensina-nos a ter um olho no chão e outro no vulcão.

Para perceberem o fervor religioso desta ilha em específico, convido-vos a reler a crónica que escrevi sobre o Hinduísmo. Ao contrário do resto da Indonésia — que é maioritariamente muçulmana –, Bali vive uma religião bem mais colorida, onde não faltam lendas e monstros hindus, uns toques de budismo e crenças indígenas locais.

Quando o viajante chega a Ubud, acha que Donald Guesthouse é um templo (apesar do nome) e, só entrando pela porta esculpida, percebe o conceito de Pekaragan: o condomínio típico, composto por cinco elementos: a porta, a área para dormir, uma área para cozinhar, uma área para o banho, um celeiro elevado e uma zona de oração, tudo isto num pátio a céu aberto. É tudo tão trabalhado que leva tempo a distinguir a casa do templo, e esta confusão é só por si, muito bonita.

A religião é tão importante que consegue fechar a ilha inteira. Hoje está tudo fechado: o aeroporto está fechado, as lojas, os restaurantes, os hospitais, a televisão, a eletricidade, a internet. Ninguém pode sair de casa, a polícia patrulha a ruas. É o Nyepi, o Dia do Silêncio.

A coisa começa três dias antes com o Melasti, o trânsito pára para dar espaço aos peregrinos vestidos de branco que levam as efígies religiosas à praia, para a cerimónia de purificação (um pouco como se faz no Myanmar, quando se dá banho ao Buda, no dia da semana em que nascemos. Eu por exemplo, lavo o Buda às quartas). Depois vem a entusiasmante noite de passagem de ano, aqui o calendário é lunar, e o Nyepi calha sempre em noite de Lua Nova e pode ver-se o maior céu estrelado de sempre (lembrem-se que hoje não há eletricidade), o problema é que está a chover há oito horas, por isso as estrelas aderiram à greve.

Mami Pereira em Bali.Mami Pereira

Mas ontem Bali enxotava demónios das suas casas e lojas, batia em potes e panelas para os afastar. Aterrorizados, os desgraçados não tiveram outra hipótese senão ir enfiar-se nos Ogoh-ogoh, esculturas de demónios com seis metros de altura, que andam pelas ruas a assustar a multidão e, como em qualquer bela história religiosa, vão acabar na fogueira ao soar das doze. O problema é que agora os espíritos, furiosos com tal churrascada, estão todos à solta e é por isso que a população se vai esconder dentro de casa, durante 24 horas de silêncio, do género “não está cá ninguém.”

Há quatro proibições neste dia. Não se pode trabalhar (não tenho problemas com esta), não se pode sair de casa (temos piscina, também não há senão), não se pode fazer fogo (que é como quem diz eletricidade, já carregámos tudo ontem) e não se pode fazer festa (uma tristeza). Há quem passe o dia em retiro e jejum e há quem aproveite para comer chocolates e ver Netflix.

De qualquer maneira, tanto eu como Bali já estamos loucas para poder viver sem restrições outra vez, só por isso já vale a pena entrar no ano novo.

Venha esse 1941!

“Crónicas asiáticas” são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. O ECO publica as melhores histórias da viagem à Ásia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui. Leia ou releia também as “Crónicas africanas” e as “Crónicas indianas”.

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