Subida das comissões na banca “suscita naturalmente preocupação”, diz o secretário de Estado da Defesa do Consumidor

No Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, o secretário de Estado da Defesa do Consumidor revela preocupação com o aumento de comissões, tema que tem debatido com o regulador e responsáveis da banca.

A propósito do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, que se comemora nesta sexta-feira, 15 de março, o ECO falou com João Torres, que tutela a recentemente retomada secretaria de Estado da Defesa do Consumidor. Entre os diferentes temas abordados nesta entrevista, o governante fala dos principais objetivos de atuação da sua secretaria, do desenvolvimento da consciência dos consumidores relativamente à defesa dos seus direitos, e da importância do livro de reclamações. Neste âmbito salienta o cariz inovador a nível europeu do livro de reclamações eletrónico, lançado em julho de 2017 e ainda desconhecido pela maioria dos consumidores, segundo demonstrou um estudo encomendado pelo Ministério da Economia.

Recusando fazer uma avaliação sobre o papel das entidades reguladoras, o governante prefere falar nas reuniões que tem desenvolvido com essas entidades. Reuniões que admite também realizar com as entidades responsáveis do setor da banca, onde o tema da subida das comissões bancárias tem sido discutido. Relativamente a este tema, João Torres diz que “suscita naturalmente preocupação”, mas frisa também que o “princípio de liberdade económica que tem de ser respeitado” e que o que é importante é garantir “transparência” nas comissões.

Porquê voltar a recuperar a secretaria de Estado específica para a defesa do consumidor?

Essa é uma matéria que teve origem numa decisão do Sr. Primeiro-ministro e do ministro-adjunto da Economia. Agora, se faz sentido ou não haver um acompanhamento muito próximo da realidade da política pública de defesa do consumidor, a minha resposta é naturalmente que sim. Hoje verificamos que há uma evolução muito rápida dos padrões de consumo, quer a nível nacional quer a nível europeu e, naturalmente, também a nível global. E esta evolução dos padrões de consumo, entre outras tendências que poderia sublinhar, revela-nos que os consumidores, e em particular os consumidores portugueses, estão cada vez mais preocupados com os domínios da sustentabilidade: designadamente da sustentabilidade ambiental. E revelam-nos também essas tendências de evolução dos padrões de consumo, que a incorporação de tecnologias de informação e de comunicação, designadamente no contexto da economia digital, levanta novos desafios à defesa do consumidor muito particularmente no que diz respeito ao comércio eletrónico. E isso significa, naturalmente, que a forma como os agentes políticos, e desde logo o governo, devem acompanhar a política pública de defesa do consumidor deva ser de uma forma muito próxima, muito atenta e correspondente a esta evolução muito rápida da realidade do consumo no nosso país.

Neste sentido, quais são os principais objetivos e iniciativas traçadas pela secretaria de Estado?

Nós queremos criar, e aliás construímos, uma mensagem e um caminho para a política pública de defesa do consumidor. E aquilo que queremos fazer é lançar as bases de futuro da política pública de defesa do consumidor no nosso no nosso país. Nós consideramos que, em traços gerais, os instrumentos e as ferramentas no nosso ordenamento jurídico para proteger os consumidores estão devidamente consagrados, mas sabemos também que há oportunidades de melhoria no que diz respeito ao novo sistema de defesa do consumidor. E eu consideraria desde logo o domínio da acessibilidade, e nesse domínio, dividiria em três os pilares fundamentais.

A incorporação de tecnologias de informação e de comunicação, designadamente no contexto da economia digital, levanta novos desafios à defesa do consumidor muito particularmente no que diz respeito ao comércio eletrónico.

Quais são esses pilares?

O primeiro pilar diz respeito à forma como os cidadãos contactam com a informação sobre os seus direitos enquanto consumidores e a própria legislação em si mesma. Desse ponto de vista queremos valorizar e reforçar o trabalho que a Direção-Geral do Consumidor desempenha neste domínio. É um trabalho notável do meu ponto de vista, mas pode naturalmente ser ainda mais reforçado por forma a que os cidadãos se sintam devidamente esclarecidos sobre as ferramentas e os instrumentos que a lei prevê para consumar a proteção dos consumidores.

Um segundo pilar diz respeito à informação estatística. Dispomos hoje de um instrumento muito em particular que tem uma grande relevância na vida das cidadãs e dos cidadãos portugueses, que é o livro de reclamações, quer em suporte físico quer em suporte eletrónico. Mas concebemos que no futuro é desejável podermos fazer uma melhor análise das estatísticas de reclamação no nosso país para melhor podermos identificar também aquelas que são as áreas em que se verificam melhores reclamações. O livro de reclamações físico tem uma plataforma de análise dessa informação que é o RTIC (Rede Telemática de Informação Comum) que está a ser migrada para a mesma plataforma que está subjacente ao tratamento da informação estatística do livro de reclamações eletrónico e nós ambicionamos que no futuro possamos adicionar outros filtros para melhor traçarmos o retrato do cenário da reclamação no nosso país.

E o terceiro pilar…

Um terceiro pilar associado a essa grande domínio da acessibilidade diz respeito ao acesso aos mecanismos de resolução alternativa de litígios. A dinamização e o aprofundamento da rede de mecanismos de resolução alternativa de litígios que é materializada no terreno pelos nossos centros de arbitragem é um desígnio do programa do Governo e nós queremos naturalmente criar melhores condições para que os centros de arbitragem desenvolvam a sua atividade por forma a que os cidadãos se sintam empoderados para exercer os seus direitos enquanto consumidores.

Como avalia o papel de atuação de associações de defesa do consumidor, e o caso concreto da Deco?

Aos membros do Governo não compete avaliar o trabalho das associações, designadamente das atribuições de defesa do consumidor. Agora, eu olho com muita satisfação para a existência de associações de defesa do consumidor no nosso país, e a Deco não é naturalmente uma exceção. No nosso ordenamento jurídico cada organismo e cada instituição tem o seu papel específico. As associações de defesa do consumidor são muito relevantes. No passado, tiveram um papel histórico da maior importância para nós construirmos o nosso edifício jurídico em matéria de defesa do consumidor, são-no no presente e sê-lo-ão com certeza no futuro. Considero que precisamos de muitas organizações e de fortalecer essas organizações. Elas não substituem o Estado nem substituem o trabalho que é desenvolvido pela Direção-Geral do Consumidor. Muito pelo contrário, eu tenho procurado desenvolver uma relação de grande proximidade com todas as associações do setor. Tenho tido oportunidade, sobretudo durante o mês de março, mas desde que iniciei funções, de dinamizar um diálogo permanente com estes organismos, como estas instituições. Portanto, nós consideramos que o trabalho de simbiose entre as associações que pugnam e dinamizam a política pública de defesa do consumidor no terreno e os agentes políticos é um aspeto muito positivo.

É preciso dinamizar mais campanhas de sensibilização, mais campanhas de informação, para que as cidadãs e cidadãos consumidores tenham plena consciência do livro de reclamações, de quando devem utilizar o livro de reclamações, e qual o impacto concreto nas suas vidas.

Os consumidores portugueses ainda precisam de mais proteção ou sabem fazer valer os seus direitos?

Acho que os portugueses têm uma consciência crescente em relação aos seus direitos no que diz respeito à defesa do consumidor. Mas o trabalho de construção e de implementação de uma política pública é sempre um trabalho inacabado, e isso é um enorme desafio naturalmente em particular para mim no âmbito da defesa do consumidor. Eu diria que os portugueses têm hoje um conhecimento muito alargado de algumas ferramentas e de alguns instrumentos. Julgo que a notoriedade do livro de reclamações e do livro de reclamações eletrónico é muito positiva no nosso país. Mas isso não nos inibe de reconhecer que é preciso dinamizar mais campanhas de sensibilização, mais campanhas de informação, para que as cidadãs e cidadãos consumidores tenham plena consciência do livro de reclamações, de quando devem utilizar o livro de reclamações, e qual o impacto concreto nas suas vidas.

Quais as áreas em que os consumidores apresentam maiores vulnerabilidades?

Não me compete também fazer uma avaliação por intuição dessa realidade. Aquilo que posso transmitir é a distribuição do número de reclamações pelas entidades reguladoras que acompanham os operadores económicos, porque estes dados são dados factuais e devem ser de conhecimento público. No caso do livro de reclamações em suporte ou em formato físico aquilo que nós temos detetado é que as reclamações debruçam-se fundamentalmente ou encaminham-se diretamente para a ASAE, e portanto para a área do comércio e do retalho em geral, sendo naturalmente muito maioritário o número de reclamações que são depois reencaminhadas para a ASAE enquanto entidade reguladora.

"Esperamos que até ao final do primeiro semestre todas as entidades reguladoras tenham aderido ao livro de reclamações eletrónico.”

Qual o balanço que faz das queixas e do livro de reclamações?

Mesmo com o lançamento do livro de reclamações eletrónico [julho de 2017] há uma tendência de crescimento das reclamações do livro físico. E isso naturalmente é um aspeto que de alguma forma associamos a uma crescente confiança do consumidor para com o exercício dos seus direitos, designadamente no que diz respeito ao livro de reclamações físico. O livro de reclamações eletrónico é um projeto pioneiro. É um projeto pioneiro à escala europeia e à escala global. Nós já introduzimos também em janeiro a possibilidade de os cidadãos poderem fazer elogios através do livro de reclamações eletrónico e esperamos que até ao final do presente semestre todas as entidades reguladoras adiram ao livro de reclamações eletrónico. A Direção Geral do Consumidor que é uma entidade reguladora para efeitos de publicidade vai aderir ao livre de reclamações eletrónico entre março e abril, os serviços financeiros vão aderir por exemplo entre o mês de abril e o mês de maio, e esperamos que até ao final do primeiro semestre todas as entidades reguladoras tenham aderido ao livro de reclamações eletrónico.

Como entidade que mais reclamações reúne, qual é a avaliação que faz relativamente à atuação da ASAE?

A ASAE é uma organização de maior relevância para a dinamização da segurança alimentar e naturalmente para a fiscalização da atividade económica do nosso país. É uma organização que tem uma valência extraordinária relacionada com o facto de possuir quadros amplamente e altamente qualificados para consumar no terreno a política pública de defesa do consumidor. Nós julgamos que a ASAE é uma instituição da maior relevância, que queremos também reforçar, como não poderia deixar de ser, e que tem também um impacto muito direto ao nível da dinamização da política pública de defesa do consumidor.

Mas que avaliação faz às recentes polémicas em torno da ASAE, nomeadamente as buscas realizadas pela Polícia Judiciária?

Sobre os casos que hoje [quinta-feira] vêm a público, a única coisa que tenho a referir é que estamos a acompanhar as diligências que os órgãos próprios estão a executar e uma vez concluídas essas diligências teremos oportunidade para nos debruçar sobre as mesmas. Agora, nós não podemos naturalmente deixar de reconhecer o trabalho notável que a ASAE realiza um pouco por todo o país, que é um trabalho que tem um elevado nível de qualificação, um elevado nível de sofisticação e ajuda a que os consumidores se sintam mais protegidos.

A consciência que há hoje sobre o domínio da defesa do consumidor é crescente não só do lado dos consumidores, como também do lado dos operadores económicos.

Segundo a Deco, as telecomunicações continuam a ser a área mais reclamada, seguida da compra e venda e dos serviços financeiros. Os consumidores estão mais desprotegidos nessas áreas? Tem sido feito algo para melhorar?

Volto a insistir que o trabalho de concretização da política pública de defesa do consumidor é por natureza e definição um trabalho permanentemente inacabado. Mas quero dizer também que tenho dialogado com muitos operadores económicos e tenho sentido uma grande abertura dos operadores económicos para ir ao encontro dos anseios e das expectativas dos consumidores. Naturalmente que isso nem sempre acontecerá e que muitas vezes as expectativas dos consumidores são defraudadas. Mas acho que a consciência que há hoje sobre o domínio da defesa do consumidor é crescente não só do lado dos consumidores, como também do lado dos operadores económicos.

A política pública de defesa do consumidor é uma política eminentemente económica e é uma política que pretende criar ou estabelecer relações de transparência e equilíbrio entre os consumidores e os operadores económicos. Acreditamos que há um trabalho que tem que ser naturalmente reforçado e que muitas vezes tem de ter uma dimensão mais pública. Outras vezes tem que ter uma dimensão menos pública. A título de exemplo, tenho dinamizado reuniões com as entidades reguladoras em que tenho apontado um conjunto de questões que merecem a minha sensibilidade e que do meu ponto de vista devem merecer a sensibilidade e a atenção por parte das entidades reguladoras. O trabalho na área da defesa do consumidor tem de ser um trabalho de criação de pontos e de sinergias entre os diferentes agentes e as diferentes instituições que têm responsabilidade nesta matéria.

Qual é a avaliação que faz do papel dos reguladores nas diferentes áreas?

Também acho que não é ao secretário de Estado da Defesa do Consumidor que compete fazer uma avaliação sobre o papel das entidades reguladoras em geral do nosso país. Agora, nós consideramos que o modelo de regulação tem produzido efeitos que consideramos no geral positivos para a proteção dos consumidores no nosso país. Aquilo que estou a procurar fazer, desenvolvendo essas reuniões com as entidades reguladoras, é partilhar informação e conhecimento para melhor podermos materializar no terreno a política pública de defesa do consumidor.

O que tem de haver é um regime de total transparência em relação à cobrança dessas comissões, e disso nós naturalmente não abdicamos.

As comissões são das principais razões de queixa dos consumidores no setor da banca. Os bancos estão a ir longe de mais na sua subida?

Há um aspeto muito relevante que se prende com o facto de a legislação nacional impedir, e bem, a existência de comissões por levantamentos a débito nas redes de caixas ATM. Considero que essa legislação é muito positiva. E portanto, penso que não devo interferir nas políticas de cada entidade ou instituição bancária em relação ao estabelecimento de comissões. Mas posso dizer que essa foi uma matéria sobre a qual já tive oportunidade de dinamizar um diálogo quer com o senhor governador do Banco de Portugal quer com o senhor presidente da Associação Portuguesa de Bancos, como também com a própria SIBS. Essas são matérias que naturalmente merecem a minha preocupação. Agora, parece-me muito particularmente no que diz respeito a essa matéria que há aqui também o princípio de liberdade económica que tem de ser respeitada. A mim cabe sensibilizar os agentes do setor para essas matérias que naturalmente são particularmente sensíveis para o nosso consumidor. O que tem de haver é um regime de total transparência em relação à cobrança dessas comissões, e disso nós naturalmente não abdicamos.

"As famílias continuam a fazer um esforço muito intenso da redução do seu endividamento que não posso deixar de considerar. ”

Mas não deveria ser feito algo para colocar um travão à subida das comissões?

A mim, essa questão suscita naturalmente preocupação. Agora, tenho que respeitar os princípios de liberdade económica de acordo com a legislação em vigor e as diretivas comunitárias que regem ou são transpostas para o nosso ordenamento jurídico. Aquilo que, enquanto secretário de Estado da Defesa do Consumidor, mais me preocupa é que haja total transparência em relação à cobrança dessas taxas. De resto, já tive oportunidade de reunir quer com o governante Portugal quer com o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, quer com a SIBS, e naturalmente essas matérias foram alvo da nossa apreciação em termos que não vou tornar públicos porque há uma dimensão do meu trabalho que é mais visível e há uma dimensão do meu trabalho que até para ser mais eficaz que tem um caráter menos visível e mediático.

O Governador do Banco de Portugal alertou esta semana para a armadilha do endividamento associado ao crédito ao consumo e a certos estratos da população mais frágeis, apelando à atuação das autoridades públicas. O que pode ser feito? É um recado ao governo?

Aquilo que tenho a dizer sobre essa matéria é o que o sr. Ministro-adjunto e da Economia já tem dito sobre essa matéria. Temos ouvido falar designadamente do crescimento dos fluxos do crédito à habitação e ao consumo, mas a verdade é que os fluxos de crédito novo são ainda inferiores à redução do endividamento das famílias. As famílias continuam a fazer um esforço muito intenso da redução do seu endividamento que não posso deixar de considerar. Agora, claro que o domínio da literacia financeira é dos mais relevantes. Ainda mesmo essa semana tive oportunidade de participar numa iniciativa dinamizada pelo fundo para a promoção dos direitos do consumidor da Fundação António Cupertino de Miranda que tem desenvolvido um trabalho muito interessante nesta área focando justamente nos consumidores mais vulneráveis. Não conheço em particular as declarações que o sr. Governador do Banco de Portugal proferiu, por isso não me vou pronunciar.

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