Proposta do Governo será discutida na AR. Se aprovada, cria nova autoridade de resolução e reforça poderes do CNSF. Os supervisores vão partilhar mais funções e ver as estruturas aproximarem-se.
“O reforço da coordenação entre as autoridades de supervisão é a principal marca da presente proposta de lei“. A reforma da supervisão financeira desenhada pelo Governo chegou ao Parlamento e traz uma série de mudanças para a banca, mercados financeiros e seguros. Além de mudanças no funcionamento dos atuais reguladores, os poderes do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros são reforçados e é criada uma nova autoridade de resolução.
A coordenação entre a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), o Banco de Portugal (BdP), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) — “sem qualquer tutela ou subordinação hierárquica” apesar das “profundas ligações” entre setores — foi a “principal falha” em Portugal, segundo explica o Governo com base nas conclusões das Comissões Parlamentares que analisaram as situações ocorridas no setor bancário em Portugal.
“É hoje consensual que a insuficiência dos mecanismos de articulação e troca de informações entre as autoridades de supervisão teve um contributo decisivo para a ocorrência daqueles casos“, acusa. Se a crise global motivou reformas nos mecanismos de supervisão a nível europeu, Portugal ficou à margem destas mudanças até agora. E mesmo assim, a proposta do Governo (que ainda tem de ser discutida e aprovada pelo Parlamento, bem como homologada pelo Presidente da República) chega mais de três anos depois de ter sido anunciada.
A base é uma reorganização de funções: a resolução passa para uma entidade distinta do supervisor bancário e o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) — que já existia mas tinha poderes limitados — ganha poderes reforçados de coordenação. O CNSF passa também a ser a autoridade macroprudencial. “A presente proposta de lei vai mais longe do que a reorganização de funções e, à semelhança do que existe a nível europeu, cria o Sistema Nacional de Supervisão Financeira (SNSF)”, explica o Governo, acrescentando que é ainda implementado o Comité Nacional para a Estabilidade Financeira (CNEF).
Configuração do novo Sistema Nacional de Supervisão Financeira
Fonte: ECO (informações da proposta de lei)
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Super-regulador entra em funções
O CNSF, criado em 2000, não foi eficaz na coordenação dos supervisores até porque tem atualmente funções meramente consultivas para o BdP, de acordo com o Executivo. Para colmatar este problema, terá agora poderes reforçados para “assegurar uma resposta coerente e articulada a problemas transversais”. A missão do conselho é “assegurar a coordenação entre as autoridades de supervisão e contribuir para a manutenção e reforço da estabilidade financeira, sem prejuízo da independência e das atribuições das autoridades de supervisão”.
Será composto por sete membros: dois representantes de cada um dos supervisores — BdP, CMVM e ASF — e um administrador executivo, nomeado pelo Governo. Os supervisores vão partilhar a presidência deste órgão de forma rotativa por períodos de um ano e reunir-se, pelo menos, uma vez por mês. Poderá haver ainda reuniões extraordinárias para discutir matérias macroprudenciais ou a pedido de, pelo menos, dois dos seus membros, por outras razões. A lei prevê ainda que tenha “pessoal próprio, em permanência e exclusividade, podendo ainda, em situações excecionais, de aumento extraordinário de atividade, dispor de pessoal cedido temporariamente pelas autoridades de supervisão”.
O financiamento é uma das grandes questões em aberto em relação ao super-regulador. Os estatutos definem que o conselho “é financiado exclusivamente por receitas próprias” e que pode aplicar taxas, sendo que o Ministério das Finanças explicou ao ECO que existem “várias soluções de financiamento, entre as quais o pagamento de contribuições pelos supervisores financeiros” e que, caso decidam reforçar os custos para os supervisionados, “as taxas só podem ser fixadas por unanimidade de todos os membros do CNSF”.
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CNSF torna-se autoridade macroprudencial
O CNSF torna-se também a autoridade macroprudencial. Até aqui, esta responsabilidade estava no Banco de Portugal e, como explicou o ministro das Finanças Mário Centeno aquando da aprovação do documento em Conselho de Ministros, o supervisor da banca não perde esta função, mas passa a partilhá-la com a CMVM e a ASF.
“A presente proposta de lei atribui ao CNSF a função de autoridade macroprudencial nacional, permitindo-lhe ter uma visão transversal do setor financeiro, por forma a melhor detetar e prevenir riscos sistémicos, e maior independência na prossecução do objetivo da estabilidade financeira”, explica a proposta. “É ainda estabelecido o regime substantivo para a definição e implementação da política macroprudencial, atualmente inexistente, que define o quadro de atuação do CNSF”, acrescenta.
O Banco de Portugal mantém, no entanto, um papel primordial neste segmento face aos restantes supervisores. O banco central preside sempre às reuniões sobre este tema, enquanto o governador representa a autoridade macroprudencial junto de outras entidades, organismos e fóruns nacionais e internacionais em matéria macroprudencial, competindo-lhe, designadamente, a participação com direito de voto no Conselho Geral do Comité Europeu do Risco Sistémico. A proposta refere ainda a possibilidade de o CNSF delegar funções nos supervisores.
Neste caso, a maior dúvida prende-se com os recursos humanos. Atualmente as funções relacionadas com estabilidade financeira, política macroprudencial e regulatória estão agregadas no Departamento de Estabilidade Financeira do BdP, que é dirigido por Ana Cristina Leal. Não se sabe ainda se esta equipa se irá manter com outras funções, se irá ser criada um nova equipa dentro do pessoal permanente do CNSF ou se haverá algum tipo de transição.
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É criada a Autoridade de Resolução
Além de passar a partilhar a supervisão macroprudencial, o Banco de Portugal irá perder as funções de autoridade de resolução bancária. O Governo lembra que as instituições europeias recomendam “uma adequada segregação” entre supervisão bancária e resolução bancária, “uma vez que existem potenciais conflitos de interesses entre ambas, em particular no que respeita à criação e gestão de bancos de transição”.
É assim criada a Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia (ARSG), “uma autoridade de resolução com natureza executiva, mantendo-se a vertente preventiva no quadro do supervisor competente, embora com garantias de autonomia orgânica”.
A entidade ficará apta a receber as funções de resolução que venham a ser criadas pelos setores segurador e do mercado de capitais, bem como a liquidação de entidades financeiras e a gestão dos sistemas de garantia que podem ser acionados conjuntamente numa medida de resolução. O Fundo de Resolução e o Fundo de Garantia de Depósitos (ambos na alçada do BdP) e o Sistema de Indemnização dos Investidores (gerido pela CMVM) passam para a ARSG.
Tal como é prática nas entidades que agora integram o Sistema Nacional de Supervisão Financeira, a ARSG conta com um conselho de administração, um conselho de auditoria, um conselho consultivo e uma comissão de ética. O administrador que preside é o membro do conselho de administração do Banco de Portugal com o pelouro da resolução, enquanto os quatro outros elementos são escolhidos, cada um, pela ASF, BdP, CMVM e CNSF.
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Mais proximidade nos cargos de topo dos supervisores
Os cargos de topo dos supervisores também vão sofrer alterações. O Governo quer equiparar as estruturas dos três supervisores e reduzir o número de cargos nos vários conselhos. Na administração, o BdP passa a ter um máximo de seis elementos (face aos anteriores oito). Quanto aos salários, é criada uma nova Comissão de Avaliação e Remunerações (em substituição das comissões que cada supervisor tem internamente), que e irá funcionar junto ao Ministério das Finanças.
Esta comissão será presidida por uma pessoa escolhida pelo Governo e contar com quatro outros membros, escolhidos cada um pela ASF, BdP, CMVM e CNSF, que não podem ter um vínculo com os supervisores pelo que é sugerido que sejam “escolhidos, preferencialmente, de entre anteriores membros do órgão de administração da respetiva entidade”. Pelo menos a cada seis anos, as Finanças vão pedir à comissão que reavalie os salários. As alterações só poderão entrar em vigor no mandato seguinte e caso a revisão resulte numa alteração maior que 3% face aos salários de qualquer um dos membros do órgão de administração, terá de ser validada pelo ministro das Finanças.
Esta comissão terá ainda um papel na escolha do governador e dos membros do conselho de administração do BdP. Estes são designados pelo Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças. Antes de tomar a decisão, o ministério vai receber um parecer da Assembleia da República e outro da comissão de avaliação e remunerações sobre a adequação da pessoa proposta para o cargo. O mandato do governador do BdP passa de cinco para sete anos, mas sem renovação.
O regime de incompatibilidades vai ainda mudar. O novo período de nojo para os administradores determina que, à entrada, não possam deliberar sobre entidades com as quais tiveram vínculos laborais nos três anos antes. À saída, este período é de dois anos e é alargado ao BdP. Durante o mandato, os administradores (e os cônjuges) passam a estar limitados nos investimentos que fazem: não podem ter participações ou instrumentos financeiros e pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros (PRIIPs) relacionados com empresas, grupos de empresas ou outros destinatários dos poderes do banco. Quem os tenha no momento da nomeação, terá de vender.
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Estado e supervisores aproximam-se em situações de crise
Criado em 2007, o Comité Nacional para a Estabilidade Financeira (CNEF) “nunca teve consagração legal e, apesar de todos os problemas ocorridos no setor bancário em Portugal, não teve um funcionamento regular”. É efetivamente implementado se a proposta de lei for aprovada e ganhará um papel na gestão de crises financeiras e de articulação entre a supervisão financeira e a política económica e orçamental do Estado.
Este comité é presidido pelo ministro das Finanças e composto por um Secretário de Estado designado, pelo presidente da ASF, governador do BdP, presidente da CMVM, administrador executivo do CNSF e presidente da ARSG. Irá reunir-se uma vez por semestre e extraordinariamente quando chamado pelo ministro das Finanças.
São previstas 14 competências para o CNEF, entre as quais acompanhar a situação e evolução do setor financeiro e dos mercados de instrumentos financeiros, bem como as perspetivas para a estabilidade financeira nacional e internacional. Em situações de crise financeira, o comité vai ainda avaliar “o risco sistémico” e “pronunciar-se sobre quaisquer medidas de gestão da crise que tenham impacto efetivo ou potencial nas finanças públicas”.
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