Supervisores atacam custos acrescidos do novo super-regulador
Na reforma da supervisão financeira, o financiamento sempre foi o ponto de discórdia entre supervisores e Governo. Conhecidos os pareces, soam os alertas sobre os custos.
A reforma da supervisão financeira tem as suas valias. Os reguladores elogiam muitas das alterações que foram propostas pelo Governo, mas há pontos de discórdia. Um dos principais é o do financiamento do super-regulador. Os pareceres do Banco de Portugal (BdP) e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) criticam os custos que, dizem, serão maiores do que os atuais. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), por seu lado, não quer ter de decidir sobre novas taxas.
A base da reforma é o reforço dos poderes do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), que terá pessoal em permanência e exclusividade e cuja administração irá contar com dois elementos de cada supervisor e um administrador executivo. As três entidades vão ter de financiar as atividades, sendo que o projeto de lei prevê a possibilidade de serem cobradas taxas.
“O Banco de Portugal não identifica qualquer necessidade de imposição de taxas de supervisão no âmbito da sua atividade” e “entende que não lhe deve ser atribuída a missão de liquidar e cobrar taxas em nome e por conta de entidades nacionais“, refere o parecer enviado pela instituição liderada por Carlos Costa ao Governo. “Esta tarefa não é típica ou atipicamente atribuída aos bancos centrais e constituiria, assim, uma forma de financiamento monetário”.
Esta opção [de aumento das taxas aos supervisionados], prevista no projeto, induz custos financeiros especialmente impactantes no sistema financeiro e nos seus participantes, o que não é adequado, em especial no atual momento do mercado e do sistema financeiro em geral.
Já a CMVM identifica como um dos aspetos que suscita “maior preocupação crítica”, o acréscimo de custos a serem suportados pelo universo das entidades supervisionadas do sistema financeiro. Defende, por isso, que o CNSF não deve dispor de autonomia financeira, quadro de pessoal próprio – incluindo um administrador externo remunerado e dirigentes –, meios materiais próprios nem do poder de fixar e cobrar taxas.
“Esta opção, prevista no projeto, induz custos financeiros especialmente impactantes no sistema financeiro e nos seus participantes, o que não é adequado, em especial no atual momento do mercado e do sistema financeiro em geral. A opção geraria também custos indiretos relevantes para os supervisores financeiros existentes, na medida em que intensificaria e aumentaria o grau de complexidade de interações e processos”, sublinha o regulador liderado por Gabriela Figueiredo Dias.
A CMVM é clara quanto a esta questão: não quer aplicar mais taxas aos supervisionados. O regulador dos seguros, por seu lado, defende que é “muito relevante que seja a fonte legal a determinar o elenco das taxas (incidência objetiva e subjetiva) devidas à ASF, de modo a não se gerar instabilidade ou incerteza jurídica em torno destas receitas próprias”.
Taxas? Há alternativas, mas…
O BdP não é completamente contra a hipótese de serem aplicadas taxas, mas quer esta seja a última escolha por considerar que são “desnecessárias e lesivas da eficiência e competitividade do sistema financeiro”. Pede, por isso, que sejam exploradas outras opções primeiras, apontando para um modelo de contribuições dos diversos supervisores.
Assim, poderiam tirar parte do seu orçamento para alocar ao CNSF, como as Finanças prevêem que seja possível. A questão é que, entre os três, apenas o BdP — que recebe dividendos do Banco Central Europeu — tem receitas provenientes de outra fonte que não sejam taxas cobradas aos supervisionados.
“O Banco de Portugal concorda com o princípio proposto de que o financiamento do CNSF advenha em exclusivo de receitas próprias, sem prejuízo do previsto quanto à utilização de bens de domínio público ou de verbas que dependam de dotações do Orçamento do Estado”, explica o supervisor da banca.
Mas as contribuições têm outro problema. “De notar, no entanto, a este respeito [financiamento do CNSF], que, do ponto de vista da proibição de financiamento monetário, o BCE já se referiu à possibilidade de requalificação de uma determinada função desempenhada por um banco central como função governamental, quando esta deixa de ser prosseguida por este diretamente (como ocorreria, neste caso, com a função de autoridade macroprudencial nacional)”, diz.
Com a reforma, a autoridade macroprudencial deixa de ser o Banco de Portugal e passa a ser o Conselho, ou seja, a função passa a ser partilhada. A instituição defende que, face a esta mudança, não poderá contribuir para o financiamento do CNSF porque é visto, à luz das regras europeias, como financiamento monetário, o que é proibido.
Autoridade de Resolução em aberto
O acréscimo de custos referido pela CMVM não decorre apenas do CNSF, mas também da criação da nova Autoridade de Resolução e Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia (ARSG) “ser dotada de autonomia financeira e ter despesas próprias cujo modo financiamento carece de clarificação”. Já o BdP e a ASF criticam a falta de definição sobre como é que esta entidade será financiada.
“Não resulta claro como vai ser financiado o funcionamento da ARSG”, diz o regulador dos seguros. O da banca pede, igualmente, que o financiamento desta nova entidade seja “esclarecido, quer na componente da resolução (considerando especialmente a atribuição de competências na fase preventiva com os custos que tal implica), quer na de administração dos diversos fundos de garantia”. E acrescenta: “qualquer que seja a solução, os custos não deverão ser suportados por entidades supervisionadas não relevantes”.
A proposta prevê ainda contribuições para a Autoridade da Concorrência. Neste caso, também há consenso: ninguém quer pagar. A CMVM questiona a questão já que AdC “nem sequer se situa no perímetro do Sistema Nacional de Supervisão Financeira”, enquanto a “ASF continua a não considerar adequado o princípio de financiamento por esta via, pelos motivos que reiteradamente já expôs ao legislador”. O BdP volta a refugiar-se no BCE, dizendo apenas que não lhe é possível fazê-lo devido às regras europeias.
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