Pedro Melo e a saída da PLMJ: “Senti que o meu caminho já não era ali”
Depois de 17 anos na PLMJ, Pedro Melo rumou à Miranda em 2019. Este é um novo capítulo na sua carreira. À Advocatus conta como o Colégio Militar, o contencioso e o desporto são fulcrais na sua vida.
Autor de mais de dez livros e de outras dezenas de artigos, Pedro Melo é atualmente uma das referências da área do direito público e regulatório em Portugal. Com mais de 20 anos de experiência, dos quais 17 na PLMJ, dez deles como sócio, integra desde o início de fevereiro a Miranda & Associados. Uma transferência de peso no mercado da advocacia, logo a abrir 2019. “A Miranda é a sociedade de advogados portuguesa mais internacional. Trata-se de um dado de facto indisputável. Ninguém, seriamente, pode negar esta realidade”, justifica o novo sócio deste escritório.
À Advocatus, revela que o percurso na PLMJ é um capítulo que se encerra agora e é com naturalidade que encara a mudança. “Nunca me neguei a dar o meu contributo ao escritório e fi-lo muitas vezes. Cumpri a minha obrigação de sócio, como os demais. Mas chegou um momento em que senti que o meu caminho já não era ali e decidi virar a página. Foi um ciclo que se fechou. Acontece muito nos dias que correm. Felizmente, sempre tive opções. Na advocacia e fora dela”, explica o jurista, que afirma que nunca foi de olhar para trás.
“Digo muitas vezes: o passado é tão forte que nem Deus o pode alterar. Não vale a pena olhar para trás. É o que é. Ficou lá. Estou completamente de olhos postos no meu futuro e no futuro desta firma”. Sobre os clientes que seguem consigo, não revela, mas mostra-se “muito satisfeito” com as manifestações de confiança que recebeu por parte deles.
Além do dia-a-dia no escritório, Pedro Melo divide ainda o seu tempo entre as aulas que dá na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e o tempo em casa, com os três filhos. Mas não tenciona parar por aqui.
“Ando sempre a pensar em inúmeras coisas que tenho para fazer ou que quero fazer: no trabalho que tenho entre mãos, naquele que queria ter, num artigo que tenho para escrever, numa aula que tenho que dar, numa conferência que se aproxima e que ainda não está preparada…”, revela. É por essa razão que evita olhar para trás. “Se a tudo isto juntar a minha família, com três filhos ainda pequenos… Acredite que me falta mesmo tempo para pensar no passado. É raríssimo”, acrescenta o advogado.
"Nunca me neguei a dar o meu contributo ao escritório e fi-lo muitas vezes. Cumpri a minha obrigação de sócio, como os demais. Mas chegou um momento em que senti que o meu caminho já não era ali e decidi virar a página. Foi um ciclo que se fechou.”
A decisão de ir para a Miranda prendeu-se muito com a internacionalidade do escritório, presente em mais de dez jurisdições, mas o ambiente também foi crucial para a mudança. “Há aqui um bom clima. As pessoas dão-se bem, os sócios são coesos e saudavelmente ambiciosos. Isso agrada-me muito. Foi assim que fui educado”, conta o advogado, que não fez ainda um mês na casa. “Fui muito bem recebido. Parece que já cá estou há um ano”.
O seu trabalho tem passado, grandemente, pela assessoria jurídica a projetos de infraestruturas em diversos domínios, como o rodoviário, o portuário, o aeroportuário e o ferroviário. Áreas a que acrescem os transportes públicos e a área do direito da energia.
Contudo, nos últimos tempos, os novos projetos têm ficado para trás. “Tenho trabalhado sobretudo em renegociações de contratos de concessão, em contratos de empreitada, em pedidos de reequilíbrio financeiro e em contencioso, fundamentalmente, contencioso arbitral”, conta. Em Portugal, o mercado está muito saturado, explica, “e não é crível que nos próximos anos venhamos a ter muitos mais projetos desta natureza, na área do direito público”.
O Colégio Militar como herança
A influência militar esteve desde muito cedo presente na vida de Pedro Melo. “Passei muitas horas da minha infância e juventude em unidades militares”, conta. Principalmente da parte do pai, antigo oficial de cavalaria. Isso permitiu-lhe conhecer a vida militar “por dentro”. “Uma sorte incomensurável”, classifica o jurista, que seguiu para estudar no Colégio Militar e em cuja carreira pensou que seguiria no futuro, durante muitos anos.
“O Colégio Militar foi do melhor que me aconteceu na vida; o que pode parecer um paradoxo porque nos anos 80 aquilo era muito duro. Depois, toda aquela azáfama, inúmeras atividades diárias, intelectuais, desportivas e de formação militar, revelou-se extraordinária. Esculpiu-me o espírito. Marcou-me”, diz Pedro Melo, num tom saudosista, sobre uma casa que foi decisiva no resto da sua vida porque, de resto, foi através dela que conheceu a sua mulher.
"O Colégio Militar foi do melhor que me aconteceu na vida; o que pode parecer um paradoxo porque nos anos 80 aquilo era muito duro. Esculpiu-me o espírito. Marcou-me.”
“Comecei a fazer esgrima no Colégio Militar tive a felicidade de poder representar o nosso país em diversos campeonatos. Mais: conheci aí a minha mulher! Também ela uma esgrimista. Se não fosse o Colégio Militar… A minha vida teria efetivamente sido outra”.
Direito foi segunda via
A carreira militar sempre foi praticamente certa para Pedro Melo. No entanto, as suas apetências pareciam apontar para outro lado quando chegou a altura de escolher. “Todos os testes psicotécnicos que à data se faziam, bem como vários dos meus professores me diziam que eu deveria ir para Letras ou para Direito”. E a conselho do pai, seguiu para a Faculdade de Direito, “na dita Clássica”, em 1990.
Em 1995, quando acabou o curso, começou a trabalhar na antiga Pena, Machete & Associados (hoje CMS Rui Pena & Arnaut). Daí saiu para a PLMJ, em 2002 ou 2003, não consegue precisar. Foi aí que a sorte lhe “voltou a sorrir”, e onde acabou por ficar grande parte da sua carreira, até 2018, e onde chegou a sócio e a coordenador do da área de prática de direito público.
Antes disso, passou pela área de direito administrativo, mas também penal, laboral, societário e, “sobretudo, muito contencioso”. Hoje em dia também se dedica ao direito do desporto quando pode, sendo árbitro no TAD. No geral, encara o seu percurso com satisfação. “Creio que é sempre assim na nossa vida, ma combinação de contingências e de decisões”. Para o resumir cita o filósofo José Ortega y Gasset. Já ele dizia, “há quase um século, que nós somos nós e as nossas circunstâncias”.
A propósito do ataque pirata de que a PLMJ foi alvo recentemente, Pedro Melo conta como a revelação de e-mails entre alguns advogados do escritório e clientes, e outras informações confidencias, o deixou apreensivo. “Fiquei apreensivo, incrédulo mesmo. Acho que o sentimento foi generalizado, mas rapidamente me apercebi de que este tipo de situações vieram para ficar e que serão inevitáveis. Por muito cuidado que se tenha… E há muitos anos que há esse cuidado, pode acontecer. É um risco atual nas nossas vidas”, comenta, preocupado.
Sobre o facto de o ‘hacker’ em causa se ter escudado no estatuto de ‘whistleblower’ para justifcar as suas ações, isto é, na função de delator que expõe possível atividade criminosa, uma figura prevista na legislação europeia, Pedro Melo não tem dúvidas. “Não me venham com essa conversa dos ‘whistleblowers’, estamos a falar da prática de um crime, logo, de criminosos”, sentencia o jurista.
“Não há que ter contemplações. Se for preciso investigar, investigue-se, mas de acordo com os cânones tradicionais previstos na lei e escrutináveis. Se é preciso melhorá-los, melhore-se; mas não podemos ser condescendentes com estas práticas. Não vale tudo”.
Escritórios no futuro querem-se mais internacionais
Sobre os principais desafios das sociedades de advogados para os próximos tempos, Pedro Melo vai direto ao assunto: “claramente, a internacionalização”. “Há muita concorrência no mercado interno e este não é infinito. Acresce que se torna difícil dar carreiras auspiciosas aos advogados mais novos nas circunstâncias atuais. É difícil gerir estas expectativas”, aponta. Quando agora faz a retrospetiva, e olha para a altura começou a exercer, considera que a prática de advocacia hoje em dia torna-se cada vez mais árdua e exigente.
"Personalidades da advocacia de outrora, pessoas de elevado caráter, rareiam. Nisso, a profissão degradou-se imenso. Há muitos escroques.”
A seu ver, hoje, “há menos tempo para se produzir trabalho com qualidade, o que exige muitas horas roubadas à família. E há menos previsibilidade. Isso gera uma crescente ansiedade nas gerações mais novas”. Soluções? “É preciso estudar e trabalhar mais, não há outra alternativa. O mercado vai encarregar-se de escolher os melhores; não há espaço para gente mediana, muito menos medíocre”, aponta. Algo que pode até nem ser mau, depende da perspetiva “mais ou menos hedonista que se tenha da vida”.
Ainda assim, não deixa de salientar uma certa “vulgaridade” e “videirismo” na advocacia atualmente. “Personalidades da advocacia de outrora, pessoas de elevado caráter, de indiscutível probidade, exemplos para os mais novos, rareiam. Nisso, a profissão degradou-se imenso. Há muitos escroques”, remata.
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