Comissária Europeia para o Emprego: Portugal está a ir na “direção certa” com mudanças na lei laboral

Na opinião da Comissária Europeia para o Emprego, as mudanças à Lei Laboral que estão a ser discutidas no Parlamento são um passo na direção certa para evitar o abuso dos contratos temporários.

É um dos grandes dossiês que o Executivo de António Costa prometeu fechar antes do final desta legislatura e que, a poucos meses desse prazo, permanece em aberto. Apesar de estarem paradas na especialidade desde o verão do ano passado, as mudanças à Lei Laboral conquistam elogios da Comissária Europeia para o Emprego, Assuntos Sociais, Competências e Mobilidade Laboral.

Em entrevista com o ECO, Marianne Thyssen considera que as medidas que estão a ser discutidas são um passo na “direção certa” no sentido de evitar o uso abusivo dos contratos temporários e de mitigar a segmentação do mercado de trabalho. A responsável deixa, contudo, um aviso: É preciso assegurar a flexibilidade exigida nos tempos que correm.

A 4ª Conferência dos Ministros do Emprego e do Trabalho da União para o Mediterrâneo trouxe Marianne Thyssen a Lisboa e o ECO aproveitou para a questionar sobre a realidade portuguesa, o uso dos fundos comunitários à escala do emprego nacional e o pacote de alterações à Lei Laboral atualmente em discussão no Parlamento. Isto dois dias antes do fim do prazo para os deputados apresentarem propostas de alteração às medidas que desceram à Comissão em julho de 2018.

Em média, temos uma taxa de desemprego de 6,5% na Europa e de 6,3%, em Portugal. Portanto, Portugal está a ir mais rapidamente na direção certa do que alguns dos outros Estados-membros.

Marianne Thyssen

Comissária Europeia para o Emprego, Assuntos Sociais, Competências e Mobilidade Laboral

Que a avaliação que faz do mercado de trabalho português?

Há cada vez mais pessoas empregadas e o desemprego está a decrescer. A média comunitária está também a recuar, mas Portugal está mesmo abaixo. Em média, temos uma taxa de desemprego de 6,5% na Europa e de 6,3%, em Portugal. Portanto, Portugal está a ir mais rapidamente na direção certa do que alguns dos outros Estados-membros. Se olharmos para o desemprego jovem, reparamos que a taxa portuguesa é mais alta que a europeia, mas se compararmos os pontos de partida — porque Portugal foi afetado gravemente pela crise financeira — podemos ver que há um rápido progresso. Portugal deve continuar nesse caminho e ficar feliz com a evolução.

Na sua opinião, esse recuo foi feito de forma sustentável ou será facilmente ameaçado, por exemplo, pela desaceleração da economia?

Viemos de uma crise profunda em toda a Europa e nunca tivemos tantas pessoas empregadas, como agora. A taxa de emprego na Europa é muito elevada e a taxa de desemprego está tão baixa como estava em 2000. São os melhores dados desde que começamos a registar as estatísticas a nível europeu. Tivemos, claro, anos de crescimento económico e agora há sinais de desaceleração. Não acho que vamos perder empregos, mas temos de fazer o que podemos para nos assegurar que continuamos a ter crescimento que resulte no aumento efetivo do número de postos de trabalho. A melhor coisa que se pode fazer é agir a nível social: Investir nas competências das pessoas. É sempre bom ter educação superior, mas o conteúdo desses programas de formação tem de ser relevante para o mercado de trabalho. Além disso, em toda a Europa, precisamos de mais pessoas a escolher a formação vocacional. Temos de mostrar mais respeito por estas opções e dizer às pessoas que esta também é uma boa educação e que pode dar um bom emprego. Dizer que não é só com um curso universitário que conseguimos um bom trabalho, que há outras possibilidades.

O Parlamento português está a discutir atualmente mudanças à Lei Laboral. Qual é a posição da Comissão Europeia sobre as propostas que estão em cima da mesa?

O que sei é que há leis em preparação para reduzir a segmentação do mercado de trabalho. De um lado, temos trabalhadores com bons contratos, sem termo e a tempo inteiro; do outro, temos trabalhadores que saltam de contrato temporário em contrato temporário. Sei que o Governo português estava a verificar se há um uso abusivo desses contratos temporários e quer ter melhores regras para assegurar que não há margem para que os trabalhadores saltem de contrato em contrato temporário. Portugal está a ir na direção certa, mas claro que não podemos eliminar a flexibilidade, porque o novo mundo do trabalho exige cada vez mais flexibilidade. Temos de fazê-lo de forma equilibrada.

 

A Comissária Europeia para o Emprego Marianne Thyssen em entrevista ao ECO - 03ABR19
A Comissária esteve em Lisboa para a 4ª Conferência dos Ministros do Emprego e do Trabalho da União para o Mediterrâneo.Hugo Amaral/ECO

Sobre a flexibilidade, disse previamente que tal pode também resultar em incerteza para os trabalhadores. Como se evita que a flexibilidade tenha esse efeito? É possível fazê-lo?

Temos de aprender a viver com a incerteza. Sabemos que os trabalhadores de hoje vão ter de mudar mais vezes de empregos durante as suas vidas do que antes. No tempo dos meus pais, havia empregos para a vida. Agora a previsão é que as pessoas terão até dez empregos durante toda a sua vida. Precisamos de garantir que há serviços que acompanham as pessoas nessa trajetória. É muito importante que as pessoas saibam que não estão sozinhas. Além disso, é importante apostar na aprendizagem ao longo da vida. E, nos contratos muito flexíveis, há nova legislação comunitária que dá direito aos trabalhadores a mais previsibilidade e mais transparência no seu trabalho. Por exemplo, o empregador tem de dizer ao trabalhador, desde o início, em que períodos pode ser chamado para ir trabalhar. As pessoas têm de ser capazes de conciliar a sua vida profissional e privada e até com outro trabalho.

Nesse quadro, qual deve ser a prioridade dos Estados-membros: Investir em programas que desenvolvam as competências dos trabalhadores ou reforçar a proteção social?

Precisamos de tudo. A prioridade é empregar as pessoas, dar acesso a formação e ao desenvolvimento de qualificações. Em segundo lugar, é preciso garantir boas condições de trabalho. Por fim, é reforçar a segurança social, a proteção social, os serviços sociais. Qual é a prioridade? Precisamos de tudo, temos de olhar para todas as dimensões. Os sistemas de proteção social em muitos Estados-membros estão construídos com base em contratos sem termo e não estão preparados para que os trabalhadores saltem de emprego em emprego.

A Comissária Europeia para o Emprego Marianne Thyssen em entrevista ao ECO - 03ABR19
A Comissária diz que viu exemplos “muito bons” do uso do Fundo Social Europeu em Portugal.Hugo Amaral/ECO

Sobre as competências dos trabalhadores e sobre o Fundo Social Europeu, Portugal está a usar esse dinheiro de forma eficiente?

O Fundo Social Europeu é responsável pela gestão [desse dinheiro] e por isso faz parcerias e acordos com os Estados-membros sobre em que equipas se devem concentrar os fundos comunitários. Tanto quanto sei, não há queixas sobre a forma como Portugal está a usar esses fundos. No que diz respeito ao futuro, o que propusemos ao Parlamento Europeu foi que, nas próximas perspetivas financeiras, se liguem os relatórios dos Estados-membros com as recomendações dadas a esses países e com o uso dos fundos. Nas recomendações específicas para cada país, temos um novo anexo no qual apontamos as prioridades de investimento. Quando negociarmos com os Estados-membros em que equipas se devem usar estes fundos, estas recomendações e prioridades de investimento serão tidas em conta.

Quais seriam essas prioridades de investimento no caso português?

Teria de verificar essa matéria no dossiê, portanto não consigo adiantar quais são as prioridades para Portugal. Mas diria o investimento nas competências dos trabalhadores e na educação. Verificamos que a produtividade poderia ser reforçada, o que está ligado a esta questão das competências. Visitei vários dos projetos em curso em Portugal. Estive em Lisboa e perto do Porto e vi exemplos muito bons do uso do Fundo Social Europeu.

Os trabalhadores portugueses ainda ganham menos que a média comunitária. A competitividade dos trabalhadores portugueses ainda está fortemente ligada ao facto de serem mal remunerados?

Não se esqueça que acabamos de sair de uma crise, portanto era preciso atrair investimento. Dizemos aos Estados-membros que, se tiverem margem para aumentar salários, aumentem. Somos a favor de um salário mínimo, mas claro, como em Portugal, o seu crescimento tem de ser avaliado e pedimos a Portugal que monitorize de modo a que não tenha um impacto negativo na taxa de emprego. Até agora, não teve. Até agora, tudo bem, mas é preciso aumentar os salários passos a passo.

Portanto, há margem em Portugal para aumentar salários?

Se disser que sim, muitas pessoas vão ficar felizes; se disser que não… Não posso responder de modo geral. Temos de olhar para o setor, para a produtividade do setor e para os fatores que os empregadores tomam em conta para avaliar contratações e investimentos.

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