Eles quase nem precisam de procurar. É o emprego que vai ao encontro dos profissionais de tecnologia
É a principal diferença entre recrutar perfis tech e profissionais de qualquer outra área. No recrutamento em IT são os empregadores que procuram e os candidatos que decidem.
Procurar emprego é, normalmente, uma tarefa árdua. Requer uma procura exaustiva de ofertas de trabalho, o envio de currículo e, em alguns casos, a submissão de candidaturas espontâneas. Mas nem todos os profissionais conhecem estes procedimentos. A alguns, o emprego cai-lhes aos pés… e também aos pontapés.
Muitos especialistas na área da tecnologia são abordados todos os dias por empregadores que lhes apresentam novas oportunidades de trabalho. Esta é, aliás, a principal diferença entre recrutar perfis tech e qualquer outro perfil.
“A abordagem junto destes profissionais deve ser muito mais proativa e sempre acompanhada de todos os detalhes técnicos e funcionais do desafio. No final do dia é o candidato que vai ditar a sua opção“, afirma Vasco Teixeira, gestor na Michael Page Information Technology, ao ECO. É devido à escassez de talento tech que quem possui este tipo de conhecimentos tem vindo a deter um crescente poder de decisão.
“Pôr um anúncio de emprego é obrigatório mas não chega. Não podemos estar à espera dos candidatos que estão a procurar ativamente emprego. É preciso chegar às pessoas que não estão a procurar emprego mas que, se forem confrontadas com algo que, por algum motivo, lhes desperte interesse, poderão estar abertas a mudar”, refere Duarte Fernandes, executive partner da Kwan, especializada em recrutamento IT.
Isto pode levar a uma saturação do mercado e dos candidatos, havendo frequentemente queixas de que as mensagens recebidas são inúmeras e muitas vezes impessoais.
“Se numa área financeira ou de marketing, as candidaturas abundam, em IT [tecnologias da informação], o consultor tem a maioria das vezes de abordar diretamente os candidatos, muitas vezes sem resposta. Isto pode levar a uma saturação do mercado e dos candidatos, havendo frequentemente queixas de que as mensagens recebidas são inúmeras e, muitas vezes, impessoais”, diz Tatiana Silva, consultora sénior na Michael Page Information Technology.
Uma caixa de mensagens entupida de propostas por abrir
Pedro Domingues é programador, tem 34 anos e acumula dez de experiência. “Só esta semana já recebi perto de dez propostas de trabalho”, conta. “Normalmente é sempre através do LinkedIn, mas desta vez até me adicionaram diretamente no Skype, nem sei como”, continua.
“Eu trabalho numa área em que há mais procura do que mão-de-obra e as recrutadoras devem sofrer uma grande pressão para contratar, mas não pode valer tudo”, refere o programador, acrescentando que são inúmeras as vezes que as mensagens parecem disparadas para toda a gente, sem qualquer adaptação. “É chapa cinco para todos. Já aconteceu trocarem-me o nome, várias pessoas da mesma empresa abordarem-me no mesmo dia, enviarem-me propostas que não são adequadas (normalmente são sempre inferiores à minha atual posição)”, conta.
A insistente abordagem, as mensagens desadequadas e a falta de detalhes técnicos são, também, alguns dos fatores que levam Francisco Campos, administrador de sistemas Linux, a optar, na grande maioria das vezes, por não participar sequer no processo de recrutamento. “A maioria das vezes não quero estar a perder tempo a ir a uma entrevista para uma vaga sobre a qual não me dão, antecipadamente, os detalhes da função”, explica.
Francisco Campos, de 25 anos e com três de experiência, é abordado por empregadoras cerca de três vezes por semana, também quase sempre através do LinkedIn. Ainda assim, confessa que muitas vezes não chega sequer a responder às propostas que lhe fazem. “Acontece muito fazerem ofertas superiores, em termos de salário, mas nem são exatamente na minha área”, refere.
Também Pedro Domingues acaba, na maior parte das vezes, por nem sequer responder. “Só respondo quando me dizem que fui referenciado por outra pessoa ou quando conheço alguém dessa empresa que me possa ter recomendado”, afirma.
Como atrair e reter o talento? Juntar os euros aos benefícios extra
Para atrair e reter estes profissionais, as empregadoras têm vindo a recorrer, muitas vezes, ao aumento dos salários. No ano passado, verificou-se mesmo uma subida de cerca de 10% no salário médio anual dos profissionais deste setor. De acordo com a análise da Landing.jobs, o montante auferido por alguns destes especialistas no final do ano pode mesmo chegar a alcançar os 95 mil euros.
Mas, apesar da tendência de aumento salarial, Duarte Fernandes salienta que, em Portugal, os profissionais são ainda mais baratos do que na maioria dos países da Europa. “Ainda não pagamos o que paga a Suíça, o Reino Unido, a Holanda, a Alemanha… E os nossos profissionais são muitos competentes e altamente qualificados”.
Mas, não só de euros é feito o incentivo. Tatiana Silva salienta, também, que as empresas têm vindo a apostar cada vez mais noutros tipo de benefícios, sejam eles cheques de formação, cheques para creche, viatura própria ou seguros de capitalização, por exemplo.
Iniciar um novo projeto não faz parte dos planos de Pedro Domingues que, neste momento, além de considerar que é difícil outra empresa conseguir sequer igualar o seu atual salário, tem outro tipo de vantagens que privilegia. “Trabalho perto de casa, a dez minutos de carro, não apanho trânsito nenhum e trabalho onde e às horas que quero”, conta o programador.
Perante a diferença entre a procura e a mão-de-obra, ao qual se junta a crescente atração de investimento, “corremos o risco de colapsar”, considera Duarte Fernandes. “Por um lado, continuamos (e bem) a atrair investimento estrangeiro e nacional nesta área, mas, por outro, continuamos sem talento suficiente para suprir as necessidades de talento que esse investimento traz”, explica.
Como é que isto se revolve? Na opinião do executive partner da Kwan, “há aqui uma oportunidade de tornar Portugal no Silicon Valley europeu”, mas é preciso adotar duas estratégias: uma a longo prazo e outra a curto prazo.
De miúdos a graúdos, todos podem ser convertidos à tecnologia
Em primeiro lugar, como estratégia a longo prazo, Duarte Fernandes fala em reformar o ensino, sobretudo a matemática. “Existem milhares de estudantes do secundário que fogem das matemáticas, e consequentemente dos cursos de tecnologia, pelo simples facto de a matemática ser ensinada de uma forma completamente desfasada daquilo que é a utilização profissional dos conhecimentos matemáticos”, afirma.
Por outro lado, ainda dentro do ensino, o especialista em recrutamento IT refere que fazem falta estratégias públicas e incentivos para a requalificação profissional. Com cursos em Lisboa, Porto, Fundão e Ilha Terceira, a Academia de Código é, precisamente, uma hipótese de requalificação para os milhares de portugueses em situação de desemprego e, em particular, para os jovens com licenciaturas sem saída, ainda que o canudo não seja um requisito obrigatório para entrar.
Nestes bootcamps, tanto entra um advogado como um calceteiro ou um professor. Os únicos requisitos são ter mais de 18 anos, saber inglês e ter disponibilidade total para aprender código em 14 semanas. “São três meses e meio que mudam completamente a vida das pessoas”, afirma Catarina Campino, head of detail na Academia de Código.
O balanço “tem vindo a ser maravilhoso”: a taxa de empregabilidade ronda os 96%, o salário médio de entrada no mercado de trabalho anda pelos 1.100 euros líquidos.
Mas a conversão à tecnologia não é só feita através pelos graúdos. Este ano, a startup portuguesa Academia de Código decidiu escalar o conceito por detrás da Academia de Código_Júnior e apresentou uma nova marca: a Ubbu. A missão é ensinar às crianças as bases necessárias para que possam prosseguir uma carreira na área da tecnologia e do desenvolvimento de software.
“Descomplicar a importação de talento estrangeiro”
Se, a longo prazo, a estratégia passa pela educação, a curto prazo o plano é “descomplicar a importação de talento estrangeiro”, diz Duarte Fernandes. O mercado internacional surge, assim, como uma possível solução ao problema, com os candidatos estrangeiros a suprimirem a atual falta de candidatos portugueses.
"Estamos cada vez mais num mercado aberto e Portugal é, aos dias de hoje, um destino escolhido por muitos profissionais que atuam nesta área.”
“Estamos cada vez mais num mercado aberto e Portugal é, aos dias de hoje, um destino escolhido por muitos profissionais que atuam nesta área. [Recorrer a candidatos estrangeiros] é a realidade sempre que as organizações têm abertura para incorporar profissionais estrangeiros”, conta o gestor na Michael Page Information Technology.
Aliás, de acordo com a consultora sénior da Michael Page Information Technology, é o aumento da imigração de candidatos brasileiro que tem sido, sobretudo, “uma mais-valia para a área de IT”.
Ainda assim, Duarte Fernandes considera que não chega. É preciso “acelerar e desburocratizar os processos de entrar e vistos de residência/trabalho. Existe imenso talento em países externos à União Europeia, mas as empresas não arriscam contratar sem que a legalização esteja concluída. Algo que pode levar meses e quando as necessidades de contratação são sempre para ontem“, refere.
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