Barragem do Fridão vira “jogo de xadrez” entre Governo e EDP. Ambos sabem que não é boa opção, mas ambos têm 218 milhões em risco

Concessão foi suspensa para reavaliação há três anos. Entretanto, nem EDP, nem Governo, o consideram relevante. Mas se for o Executivo a desistir, perde 218 milhões. Se for a EDP, perde a elétrica.

O ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE) e a EDP estão a digladiar-se num autêntico “jogo de xadrez” à conta da barragem do Fridão, barragem essa que o ministro anunciou esta semana que não iria ser construída. “A decisão relativamente à barragem do Fridão está tomada. Ela não irá ser construída”, afirmou João Pedro Matos Fernandes, na Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação.

Mas quem é que tomou tal decisão? É aqui que reside a questão dos “218 milhões de euros”. Este é o valor do xeque-mate neste jogo.

No entender do Governo, o ónus do recuo no projeto está na própria EDP, que em duas missivas enviadas ao executivo referiu que a evolução do setor energético nos últimos anos tornam “muito menos premente” avançar com esta barragem, até porque a mesma implica custos parafiscais e administrativos que impactam na capacidade financeira da elétrica. Mas apesar de o Governo não querer construir a barragem, também não o assumiu diretamente perante a empresa, isto quando a decisão compete oficialmente ao Executivo.

É que no entender da EDP, não tendo ainda recebido qualquer resposta oficial de que o projeto é para ser travado, a situação atual é clara: Ou o Governo esclarece “com caráter de urgência o sentido da decisão tomada, atento o facto de o prazo de decisão (…) terminar no dia 18 de abril de 2019”, ou a EDP não se sentirá “impedida de avançar” com a barragem. Neste caso, lembra a elétrica numa carta para o ministério enviada a 17 de abril último, “o contrato de concessão deve ser assinado no prazo de dois meses”.

Apesar do aparente ultimato presente na carta, certo é que fonte oficial da elétrica apontou esta quinta-feira ao ECO que “neste momento, a EDP aguarda que o Estado português esclareça qual a sua decisão relativamente a este projeto”, assegurando que “a EDP respeitará naturalmente qualquer decisão, desde que esta seja tomada nos termos dos contratos e demais acordos em vigor”.

Mas para se perceber melhor como é que as peças ficaram assim colocadas no jogo de xadrez do Fridão, é preciso recuar alguns anos. Mas basta recuar de forma sintetizada.

Todas as cartas e toda a história

Esta concessão — Aproveitamento Hidroelétrico (AH) do Fridão — foi ganha em 2008 pela EDP, tendo a elétrica avançado com 218 milhões de euros para garantir a mesma — a assinatura do contrato chegou a estar agendada para setembro de 2015. Porém, e pouco depois da tomada de posse do governo liderado por António Costa, e por decisão do novo Executivo, a concessão acabou por ser suspensa para reavaliação.

Na altura, o adiamento foi tomado por questões de interesse público: era preciso considerar a evolução da potência instalada e da procura de energia desde 2008, já que entre esse ano e 2016, a AH Fridão já não seria um projeto tão vital a nível energético que valesse a pena os impactes ambientais dele resultantes. Uma visão e interpretação comum tanto ao Governo como à EDP.

A suspensão durou três anos — foi “decretada” até esta quinta-feira, 18 de abril de 2019. Com o passar dos anos, as razões para a suspensão apenas se reforçaram. A própria EDP o reconhece numa das duas cartas citadas pelo ministro esta semana no Parlamento, datada de julho de 2018.

Nesta missiva, a EDP aponta o aumento substancial do parque eletroprodutor renovável, o reforço de interligações com França e da oferta de renováveis em Espanha e, por fim, o não crescimento da procura como razões para a concessão ter perdido algum interesse. Em síntese, “o aumento do parque eletroprodutor renovável e a previsível duradoura estagnação da procura” tornam o AH Fridão “menos necessário e menos justificável”, já que o seu “impacto ambiental é considerável”, lê-se na carta.

Mas as razões não terminam por aqui, diz a elétrica na mesma carta, onde explica que também “os encargos parafiscais e administrativos que foram entretanto impostos sobre os centros eletroprodutores ordinários ou sobre o AH Fridão desde 2016″ tornam o projeto menos interessante, já que estes novos custos impactam significativamente a capacidade financeira da EDP Produção e o perfil de risco de novos investimentos em nova capacidade de geração”.

Por tudo isto, a EDP aponta ao MATE que entende que a implementação do AH Fridão deve ser analisada em conjunto com o Governo de modo a encontrar-se uma solução “que se conforme melhor com o contexto atual”. E assegura que a proposta é feita “de boa-fé, a mesma boa-fé que tem pautado a atuação da EDP Produção”, como prova a aceitação da suspensão do projeto em 2016.

Mais tarde, já em fevereiro deste ano, e numa nova carta ao MATE, a EDP volta a recordar que “o contexto atual do setor energético”, torna “muito menos premente a instalação da capacidade do AH Fridão”, facto pelo qual a empresa manifesta estar disponível “para analisar em conjunto com o Governo, a viabilidade de possíveis alternativas que se adequem à melhor defesa dos interesses públicos e privados em presença”.

Na altura, e segundo se lê na mesma carta, a EDP saudava a intenção do Governo em “aprofundar a solução” proposta pela empresa liderada por António Mexia, de se avançar com um projeto de menor dimensão e com menos impactos, propondo inclusive a criação de “um grupo de trabalho com as entidades” que o MATE considerasse mais relevantes.

Mas aparentemente foi a assunção por parte da EDP do menor interesse da barragem e também do facto de esta ser agora “muito menos premente”, que foi aproveitado pelo Governo para declarar que a barragem não avançaria e que não teria de pagar compensação nenhuma à elétrica. É isso que se interpreta da carta enviada pelo MATE à EDP antes de o ministro ir fazer o anúncio ao Parlamento.

"Ao contrário do que também decorre do V. Ofício, nas cartas pela empresa enviadas a V. Excelência a que aí se alude (…), nunca a EDP manifestou qualquer pretensão de não prosseguir com a construção do AH Fridão.”

EDP

Nesta carta, o ministro do Ambiente diz à EDP que tendo em conta que a elétrica nas cartas que enviou “fundamenta não ter interesse próprio” em que o AH Fridão avance, então “não encontra o Estado nenhuma razão que iniba a intenção de V. Exªs em não prosseguir com a construção do AH Fridão”. Ou seja, se acham que não vale a pena construir, então não se constrói por decisão vossa. Mas não foi isso que a EDP disse, esclarece a empresa na já citada carta da elétrica de 19 de abril.

“Ao contrário do que também decorre do V. Ofício, nas cartas pela empresa enviadas a V. Excelência a que aí se alude (…), nunca a EDP manifestou qualquer pretensão de não prosseguir com a construção do AH Fridão”, esclarece a empresa, apontando um pouco mais à frente que “limitou-se a propor alternativas ao cenário base”. Assim, clarifica, a EDP “continua inteiramente disponível para, no cumprimento das regras contratuais acordadas com o governo, prosseguir com a implementação do AH do Fridão”.

A elétrica lembra por fim que com base no acordo que permitiu a suspensão do AH Fridão em 2016, compete ao Executivo tomar uma decisão definitiva sobre o futuro da mesma, e não a si, solicitando então que o ministro “esclareça com caráter de urgência” o que vai acontecer com a barragem do Fridão, sublinhando que “não abdicará, em nenhum momento, dos seus direitos, nem dos mecanismos de que dispõe, legal e contratualmente, para a defesa dos mesmos”.

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