Grandes empresas da bolsa reforçam liderança feminina, mas quatro ainda não cumprem mínimos

Lei que obriga à maior representação de mulheres nos cargos de topo está em vigor há ano e meio. Empresas do PSI-20 estão a cumprir, mas não todas. E duas arriscam mesmo sanções da CMVM.

Ano e meio após a entrada em vigor do regime da representação equilibrada entre mulheres e homens em cargos de topo, ainda há quatro empresas cotadas no PSI-20 que não cumprem o limite mínimo de 20%. Destas, apenas duas estão em risco de incumprimento da lei, o que poderá levar o regulador a avançar com coimas. No próximo ano, o mínimo sobe para 33,3% obrigando praticamente todas as grandes empresas a novas mudanças.

EDP, Ibersol, Altri e F. Ramada são as quatro cotadas do PSI-20 que não têm mulheres suficientes. A lei determina que haja, pelo menos, 20% do género sub-representado nos órgãos tanto de administração como de fiscalização (medidos separadamente) e aplica-se a membros eleitos em assembleias gerais (AG) de acionistas, desde 2018.

Destas quatro, as duas últimas têm justificações que lhes permite afastar o risco de incumprimento da lei. “Como a Ramada e a Altri tiveram assembleias-gerais eletivas em 2017 e só vão ter outra vez em 2020, e a legislação entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2018, cumprem as regras. A partir de 2020 [quando o limite mínimo aumenta] continuarão a cumprir as regras”, afirmou fonte oficial das duas empresas ao ECO.

O diploma pretende ser gradual e prevê exatamente que a proporção seja aplicada apenas após a primeira assembleia-geral de acionistas em que sejam eleitos membros dos órgãos sociais.

A perceção que tenho é que a generalidade dos emitentes tem estado, nas AG, a proceder a alterações para se ajustarem à lei em causa“, afirmou Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado (AEM). “Estamos num processo evolutivo muito positivo, mas estamos num momento de transição e é natural que se vejam resultados mais concretos ao longo do tempo”.

Fonte: Relatórios e Contas de 2018 | Nota: Empresas apresentadas por ordem alfabética

CMVM vai aplicar sanções. Ibersol está na linha da frente

A EDP e a Ibersol (que não responderam às questões colocadas pelo ECO) são, assim, as cotadas em risco de sanções por parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). No caso da elétrica, tem 22,2% de mulheres no conselho de administração, mas no conselho geral e de supervisão tem apenas 19%. Na gestora de restaurantes de fast food, a situação é contrária: apesar de ter 25% de mulheres na fiscalização, não há qualquer presença feminina na administração.

O supervisor dos mercados avisou, numa circular enviada aos emitentes no início do ano, que iria começar a aplicar sanções, depois de ter emitido apenas recomendações no ano passado.

“Não tenho conhecimento de nenhum caso em concreto de aplicação de contraordenações, apesar de a lei já estar plenamente em vigor desde janeiro de 2018”, referiu Margarida Vila Franca, sócia da CMS Rui Pena & Arnaut, especializada em direito societário. “Penso que, em geral, está a ser observada pelo menos a quota de 20%”, afirmou, lembrando que “a lei dá oportunidade de sanação da situação”.

Entre a identificação do incumprimento e a aplicação de sanções poderá demorar um ano e meio. É que a CMVM tem de declarar o incumprimento e o caráter provisório do ato de designação, dando um prazo de 90 dias para a regularização. Caso se mantenha, é aplicável uma repreensão registada. Ou seja, o regulador fará uma comunicação pública em que identifica as empresas que estão em situação de incumprimento.

Começa então novo prazo de 90 dias em que a empresa pode contestar. Se o incumprimento se mantiver por mais 360 dias a contar da repreensão, será aplicável uma sanção pecuniária compulsória, sendo que o valor da multa (por cada semestre de incumprimento) será menos de um mês de remunerações do órgão de administração ou de fiscalização em questão.

Em 36 presidentes, apenas dois são mulheres

Apesar de quase todas as empresas estarem a retificar a situação, mantêm-se próximas do limite mínimo. De um total de 295 cargos nos órgãos de administração e fiscalização das cotadas do PSI-20, há apenas 79 mulheres. Ou seja, 26,8%. As restantes 216 posições são ocupadas por homens.

"Estamos num processo evolutivo muito positivo, mas estamos num momento de transição e é natural que se vejam resultados mais concretos ao longo do tempo.”

Abel Sequeira Ferreira

Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado

A liderar um dos dois órgãos das várias empresas, o que perfaz um total de 36 presidentes, o número de mulheres cai para duas: Paula Amorim, na presidência do conselho de administração da Galp Energia, e Maria José da Fonseca, na presidência do conselho fiscal da Sonae.

Cláudia Azevedo lidera a comissão executiva da Sonae, mas “a comissão executiva é constituída por administradores, ou seja, funciona como delegação de poderes pelo que entendo que a lei não se aplica à comissão executiva”, clarificou Vila Franca. Nos órgãos sociais, que também não são abrangidos pela lei, as comissões internas, o cenário é ainda mais masculino.

Em janeiro do próximo ano, o limite mínimo definido pelo regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das cotadas sobe dos atuais 20% para 33,3% e só duas empresas já estão prontas para este novo patamar: a Sonae Capital e a Corticeira Amorim.

Emitentes consideram que autorregulação é mais eficaz

A janela temporal para a adaptação das empresas poderia ter sido mais alargada, mas a realidade é que este tema tem estado na agenda há vários anos. Começou a ser falado há mais de uma década portanto penso que não será um problema“, sublinha Margarida Vila Franca.

A advogada especializada em direito societário acrescentou ainda considerar que “lei veio burocratizar demasiado” porque “além das quotas, há toda uma burocracia e deveres de reporte associados que deveriam ser repensados porque representam um custo acrescido e dificultam a vida destas empresas”.

Abel Sequeira Ferreira, da AEM, não é tão crítico quanto à lei, que diz ser positiva, mas lembra que a associação sempre defendeu a existência de compromissos voluntários. “A autorregulação poderia ter conseguido resultados mais rápidos, que foi o que tentámos com o governo anterior, mas nunca encontrámos abertura para que fossem feitos acordos, que iriam implicar trabalho do Governo junto dos acionistas”, afirmou o representante dos emitentes.

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