Alguém tem que ceder: será Merkel ou Macron?

Pressionados pelo tempo, mas não mais próximos, os líderes europeus vão tentar novamente um acordo para escolher os próximos líderes da UE. Alguém tem que ceder: será Merkel ou Macron?

O primeiro embate não teve vencedores anunciados, apenas um derrotado: o alemão Manfred Weber, o candidato da família política europeia que teve mais votos, o Partido Popular Europeu (PPE). Uma semana depois, os líderes europeus vão voltar a reunir-se em Bruxelas para tentar um acordo sobre quem será o próximo presidente da Comissão Europeia, mas o caminho não se advinha fácil. Quem ganhará o embate, Emmanuel Macron ou Angela Merkel?

Longe vão os tempos em que Alemanha e França se reuniam para decidir previamente os destinos da Europa, em particular da Zona Euro. Agora em campos opostos, o presidente francês Emmanuel Macron manifestou de forma inequívoca que não aceitará — juntamente com os chefes de governo liberais e socialistas — que o alemão Manfred Weber seja o próximo presidente da Comissão Europeia.

A chanceler alemã, Angela Merkel, não cedeu e juntou os restantes chefes de governo de centro-direita e bloqueou as duas opções dos liberais e dos socialistas, a dinamarquesa Margrethe Vestager e o holandês Frans Timmermans. No final, disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk (também ele de saída no final do ano), foi houve maioria em torno de qualquer um destes candidatos.

Agora, os líderes europeus vão voltar a reunir-se para tentar novamente chegar a um consenso sobre um nome a apresentar ao Parlamento Europeu, que tem de aprovar por maioria absoluta o novo presidente da Comissão Europeia, mas desta vez com a pressão do tempo. O novo Parlamento Europeu começa os trabalhos na terça-feira e na quarta-feira já vai nomear o primeiro dos altos cargos que está vago, o presidente do Parlamento Europeu, que se diz em Bruxelas que pode ser um prémio de consolação para um dos dois principais candidatos: Manfred Weber ou Frans Timmermans.

Emmanuel Macron e Angela Merkel, num encontro bilateral com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk (ao centro).

Antes de entrar em funções em novembro, tanto o presidente como os comissários designados pelos Estados-membros têm de ser aprovados pelo Parlamento Europeu. Já o presidente do Banco Central Europeu tem de ser aprovado pelos líderes, que escolhem o nome e o passam ao Eurogrupo que propõe formalmente o nome, apesar de não ser quem faz esta escolha.

No entanto, a divisão entre os dois principais blocos — PPE e o grupo formado entre liberais e socialistas — não diminuiu. Angela Merkel, que não se vai recandidatar nas próximas legislativas e já disse que não quer um cargo na Europa, enfrenta oposição interna na Alemanha, onde é acusada de ceder à aliança entre Macron e Pedro Sanchéz, que negoceia pelos socialistas juntamente com António Costa, que, alegadamente, quer gerir os destinos da Europa deixando a Alemanha de fora.

Emmanuel Macron, Pedro Sanchéz, Donald Tusk e Angela Merkel conversam durante a última reunião do Conselho Europeu, na qual os líderes não chegaram a acordo.

Emmanuel Macron não só demonstrou a sua forte oposição ao alemão Manfred Weber como potencial sucessor de Jean-Claude Juncker na Comissão Europeia, como se atirou a outro alemão, Jens Weidmann, como possível sucessor de Mario Draghi na presidência do BCE.

O volte face de Jens Weidmann na sua posição irredutível contra as medidas não convencionais de política monetária adotadas por Mario Draghi durante a crise do euro, com reconhecido sucesso, não chegaram para convencer o presidente francês que ainda esta semana deixou um recado claro ao alemão. Segundo Emmanuel Macron, a escolha para a sucessão de Draghi não é um concurso de beleza e Mario Draghi é um dos grandes estadistas europeus das últimas décadas.

“Estou mesmo muito, muito feliz, que membros que se opuseram de forma tão veemente à decisão de Mario Draghi e até tomaram ações legais contra o programa do OMT [programa de compra de dívida pública no mercado secundário] que foi criado estão a converter-se, ainda que a converter-se tardiamente. Penso que demonstra que há algo de bom em todos nós…e reforça o meu otimismo na natureza humana”, disse o presidente francês em Bruxelas.

A garantia é que não há acordo que não passe tanto por Angela Merkel e por Emmanuel Macron, até porque um acordo no Conselho Europeu tem de ser sempre conseguido no mínimo por uma maioria reforçada, ou seja, 72% dos países que representem pelo menos 65% da população. Qualquer um destes grupos invalida o outro caso fosse forçada uma votação. Só o PPE tem atualmente sete membros no Conselho, mais a Hungria de Viktor Órban (suspenso do partido mas alinhado com o PPE, apesar de ser contra Manfred Weber) e a líder interina do governo austríaco, que também vota pelo PPE. Ou seja, nove países, que representam 27,23% da população.

Já os liberais, que nesta altura têm oito assentos no Conselho Europeu, mais a França de Emmanuel Macron, irão em breve perder a Dinamarca para os socialistas, depois de as eleições terem dado a vitória a Mette Frederiksen. Para já, ainda será o liberal Lars Løkke Rasmussen a votar a escolha do novo presidente da Comissão Europeia.

Os liberais Emmanuel Macron (França), Charles Michel (Bélgica), Mark Rutte (Holanda) e Xavier Bettel (Luxemburgo).

Entre os socialistas, o líder do bloco é o espanhol Pedro Sanchéz, que juntamente com António Costa, tem sido a equipa negocial da família política do S&D neste processo. São apenas cinco países, por isso só mesmo juntamente com os liberais é que podem influenciar o resultado final, já que para uma maioria seriam precisos sempre pelo menos 20 países. Ora, sem liberais ou sem os líderes dos países de centro direita, dificilmente será escolhido um nome.

Mesmo isto teria de ter em conta quatro países que nesta altura não estão alinhados com nenhum destes grupos. A Lituânia, liderada pela independente Dalia Grybauskaitė, até vota tradicionalmente ao lado de Angela Merkel, mas a Polónia, a Itália e o Reino Unido entram num grupo à parte e obrigam a que os líderes dos dois maiores grupos cheguem a um acordo.

Resta ainda a Grécia de Alexis Tsipras, que tem estado alinhada com os socialistas, mas com as eleições uma semana depois do Conselho Europeu deste domingo e Tsipras muito longe da vitória nas sondagens, não tem tido a atenção da esquerda que tinha antes de convocar um novo voto.

Alexis Tsipras, primeiro-ministro da Grécia.

Depois da cimeira da semana passada, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, espera ver novos nomes em cima da mesa, mas há muito em jogo.

Os fatores que afetam esta decisão:

  1. Os resultados das eleições europeias: O Partido Popular Europeu (PPE), a família política onde se integram os partidos de centro-direito da Europa, venceu, mas perdeu deputados, tal como o o grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D). Juntos, já não têm maioria no Parlamento, o que obriga a um acordo com os liberais do ALDE e os Verdes. Isso obriga a um novo equílibrio de forças e, claro, a mais cedências nos cargos de topo da Europa onde quase todos são membros do PPE, e apenas um dos socialistas. Liberais, para já, não há nenhum.
  2. A composição do Conselho Europeu: Se é verdade que o PPE e o S&D foram ainda assim os partidos mais votados, mais uma vez, também o é quem lidera nos governos europeus e não se reflete da mesma forma. Entre os 28 Estados-membros, o PPE ainda é quem tem maioria no Conselho Europeu e os liberais são a segunda força com mais lugares no Conselho Europeu. Já socialistas, há apenas cinco governos: Portugal, Espanha, Suécia, Eslováquia e Malta. De fora ficam os não alinhados, países grandes como o Reino Unido, a Itália e a Polónia.
  3. Os outros ‘tronos’ na contenda: Se a presidência da Comissão Europeia é nesta altura o cargo de que mais se fala, a verdade é que não é o único na disputa e pode até não ser o mais importante. O calendário ditou que até ao final do ano, para além da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, os líderes tenham que decidir também quem será o próximo presidente do Conselho Europeu e o presidente do Banco Central Europeu. Este último é um dos grandes prémios.
  4. A saúde do eixo franco-alemão: Angela Merkel está de saída (mas não é para já) e Emmanuel Macron está a tentar marcar posição, mas não teve um grande resultado nas europeias. Merkel já admitiu que os líderes das duas maiores economias do euro não estão tão alinhados como já estiveram no passado. Macron tem feito a sua própria campanha: não apoia explicitamente Michel Barnier — que está a fazer campanha mas não é oficialmente candidato –, está completamente contra a eleição de Manfred Weber e até já lançou o seu governador do banco central de França para a disputa pelo BCE, sem assumir publicamente nenhum deles. Em Bruxelas, acredita-se que a solução pode passar por colocar Margrethe Vestager na Comissão Europeia e ambos deixarem o cargo de presidente do BCE para o finlandês Erkki Liikanen (mais alinhado com as posições alemãs).
  5. Os equilíbrios regionais: Se Manfred Weber chegasse à presidência da Comissão Europeia, a presidência do BCE teria de recair noutro candidato menos alinhado com Berlim. Nem Jens Weidman, governador do Bundesbank, nem Erkki Likkanen ou Olli Rehn (os dois finlandeses na disputa) devem ficar com o cargo. Esta configuração poderia levar Emmanuel Macron a exigir o cargo para o francês François Villeroy de Galhau, colocando-se outro problema: França e Alemanha teriam os dois cargos mais importantes da União Europeia. Entre os escolhidos para os restantes cargos terá também de se ter em conta os países de leste que exigem mais poder de decisão na União Europeia.
  6. Igualdade de género: Atualmente não há uma única mulher na presidência de qualquer uma das principais instituições da União Europeia e a pressão para a situação mudar é grande. Margrethe Vestager é uma das soluções apontadas para a Comissão Europeia e vista com bons olhos pela Alemanha e, em parte, também pela França. A italiana Federica Mogherini é a atual alta representante para a política externa da União Europeia, mas não vai ficar na nova Comissão devido à mudança de governo em Itália. Mas há dois nomes falados em Bruxelas que poderiam cumprir estes dois últimos requisitos, ambos para a presidência do Conselho Europeu. O primeiro deles é a búlgara Kristalina Georgieva, a candidata de última hora de Angela Merkel à presidência das Nações Unidas, e atual CEO do Banco Mundial, que foi vice-presidente da Comissão Europeia entre 2014 e 2016. O segundo é o de Dalia Grybauskaitė, presidente da Lituânia desde 2009, que foi comissária europeia entre 2004 e 2009, durante o primeiro mandato de Durão Barroso. Há outros nomes, menos plausíveis, como o de Christine Lagarde, que não parece interessada em deixar a liderança do FMI.
  7. Tetris a la commission européenne: Depois do jogo de xadrez para escolher os líderes, tendo em conta as nacionalidades, as famílias políticas europeias no Conselho Europeu, os resultados das eleições para o Parlamento Europeu e a igualdade de género, começa todo um outro processo, também ele complexo. Escolhidos os líderes, em especial o da Comissão Europeia, é altura de escolher quem serão os países cujos comissários terão as pastas mais importantes, como as vice-presidências, a pasta dos Assuntos Económicos, do Mercado Único, a Agricultura, entre muitos outros. Cada país vai indicar um candidato ao futuro presidente da Comissão Europeia e negociar a pasta que quer, sendo que uma coisa influencia a outra. Já há alguns comissários que se sabe que não vão regressar na próxima comissão, como o francês Pierre Moscovici, o espanhol Miguel Cañete, o finlandês Jyrki Katainen, o português Carlos Moedas, o luxemburguês Jean-Claude Juncker, a italiana Federica Mogherini e o estónio Andrus Ansip. Mas também já há nomes garantidos. Pela Dinamarca, Margrethe Vestager, pela Finlândia Jutta Urpilainen e pela Letónia Valdis Dombrovskis.

As equipas que estão a negociar:

As diferentes famílias políticas têm vindo a negociar nas últimas semanas, embora sem sucesso, devido à maioria qualificada reforçada que é necessária no Conselho Europeu para escolher o próximo presidente da Comissão Europeia, com o presidente do Conselho Europeu a fazer a ponte entre os vários grupos de líderes, as famílias políticas no Parlamento Europeu e os lideres dos maiores países da União Europeia.

  • PPE (centro-direita): Andrej Plenković (Croácia) e krišjānis kariņš (Letónia)
  • S&D (socialistas): Pedro Sanchéz (Espanha) e António Costa (Portugal).
  • ALDE (Liberais): Mark Rutte (Holanda) e Charles Michel (Bélgica).

Parte destas negociações é também o chamado grupo de Visegrado, que inclui a Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia, para tentar refletir os equilíbrios regionais, já que os países mais a leste têm exigido maior representação nos altos cargos da União Europeia. Mas a negociação com este grupo também tem as suas dificuldades.

O grupo de Visegrado: (da esquerda para a direita) Peter Pellegrini, primeiro-ministro da Eslováquia; Andrej BABIS, primeiro-ministro da República Checa; Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polónia; e Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria.
  • O partido de Victor Órban, que lidera a Hungria, está suspenso do PPE e mantém vários diferendos sobre o respeito do enquadramento legal europeu (e já disse que considera Manfred Weber um candidato fraco).
  • O partido do primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, está no grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, uma família de centro-direita, mas mais à direita que o PPE e eurocético. Mateusz Morawiecki votou pela Polónia contra a reeleição de Donald Tusk, seu compatriota, enquanto líder do Conselho Europeu.
  • Na República Checa, o bilionário tornado primeiro-ministro populista Andrej Babiš, da família política dos liberais, está envolvido num esquema de corrupção — cujo combate foi a sua principal bandeira na campanha eleitoral — sobre a atribuição de fundos europeus a uma empresa que fundou, além de ser acusado de afastar os responsáveis pela investigação.
  • Na Eslováquia, o primeiro-ministro Peter Pellegrini está integrado no grupo dos socialistas, mas o seu país tem sido significativamente mais conservador que os restantes governos da mesma família política europeia, especialmente nas decisões tomadas no Eurogrupo relativamente aos países resgatados, como foi o caso da Grécia. Pellegrini já tinha experiência governativa, mas só assumiu a liderança do governo eslovaco em 2018.

Para além de consultar este grupo, os negociadores terão ainda mais países na lista que prometem ser tudo menos fáceis. O primeiro deles é a Itália, cujo governo eurocético saiu reforçado das eleições europeias e que exige ter um comissário importante — com a pasta dos Assuntos Económicos ou da Concorrência. A Itália é a terceira maior economia da zona euro e o quarto país (se incluirmos o Reino Unido) com a mais população da União Europeia, cerca de 12%.

No caso da Grécia, o único representante da esquerda unitária, a posição é simples: Manfred Weber não. Alexis Tsipras irá servir, enquanto for primeiro-ministro, de representante do grupo mais à esquerda no Parlamento e o seu candidato é o socialista Timmermans. Apesar de ter tido contactos com António Costa e Pedro Sanchéz antes das eleições, depois de se saber do resultado eleitoral e do pedido de eleições antecipadas na Grécia, esses contactos diminuíram substancialmente.

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