Magistrados brasileiros repudiam declarações de Bolsonaro a favor do trabalho infantil
Na passada quinta-feira, o chefe de Estado do Brasil usou a história pessoal da sua infância para argumentar que o trabalho não prejudica as crianças. Magistrados brasileiros repudiam declarações.
A Associação brasileira dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) repudiou na sexta-feira as declarações do Presidente da República, Jair Bolsonaro, em que defendeu o trabalho infantil, afirmando que o governante “desconhece a realidade de dois milhões” de menores.
Na passada quinta-feira, numa transmissão em direto na sua página do Facebook, o chefe de Estado do Brasil usou a história pessoal da sua infância para argumentar que o trabalho não prejudica as crianças.
“Posso confessar agora, se bem que naquele tempo não era crime. (…) Eu, com nove, dez anos de idade, quebrava milho na plantação e quatro, cinco dias depois, com sol, ia colher o milho. (…) Não fui prejudicado em nada. Quando alguma criança de nove, dez anos, vai trabalhar em algum lugar, está cheio de gente falando que é trabalho escravo, trabalho infantil”, afirmou Bolsonaro.
“Agora, quando estão a fumar um paralelepípedo de crack (tipo de droga), ninguém fala nada. Então, o trabalho não atrapalha a vida de ninguém. Fique tranquilo que não vou apresentar aqui nenhum projeto para descriminalizar o trabalho infantil, porque eu seria massacrado. Mas quero dizer que eu, meus irmãos, com essa idade, trabalhávamos no campo. Trabalho duro”, acrescentou o chefe de Estado, frisando que “o trabalho dignifica”.
Fique tranquilo que não vou apresentar aqui nenhum projeto para descriminalizar o trabalho infantil, porque eu seria massacrado. Mas quero dizer que eu, meus irmãos, com essa idade, trabalhávamos no campo. Trabalho duro.
No entanto, as declarações do governante não foram bem vistas pelos magistrados do trabalho que, através da Anamatra, reforçaram a mensagem de que a infância “é para estudar e brincar”.
“Insiste o Presidente da República em condenar a infância e a adolescência brasileiras ao surrado argumento do ‘ou trabalha, ou vai roubar’. Demonstra, assim, desconhecer por completo a realidade de mais de dois milhões de crianças massacradas pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais, dos mais de duzentos óbitos e dos mais de 40 mil crianças e jovens que sofreram mutilações e deformações decorrentes de acidentes de trabalho entre 2007 e 2017”, argumentou a associação.
A associação de magistrados mencionou ainda os traumas psicológicos dos menores, advindos “do amadurecimento precoce, do enfraquecimento dos laços familiares e do prejuízo ao desenvolvimento da escolaridade, e, consequentemente, das oportunidades”.
A Anamatra defendeu que Governo brasileiro desenvolva políticas públicas de reinserção dos “45 milhões de adultos desempregados e subutilizados ao mercado de trabalho”.
Insiste o Presidente da República em condenar a infância e a adolescência brasileiras ao surrado argumento do ‘ou trabalha, ou vai roubar’.
Também o Ministério Público do Trabalho do Brasil partilhou na quinta-feira, no Twitter, uma série de mensagens contra o trabalho infantil, através da campanha “Bom Trabalho Pra Você”, em defesa do trabalho digno no país sul-americano.
“Lugar de criança é na escola. O trabalho infantil, proibido pela legislação brasileira, prejudica o desenvolvimento psicológico e físico da criança. (…) O trabalho infantil também perpetua o ciclo da pobreza: quanto mais precoce é a entrada no mercado de trabalho, menor é a renda obtida ao longo da vida adulta”, escreveu o Ministério Público do Trabalho.
Após a repercussão negativa dos seus comentários, Jair Bolsonaro usou as redes sociais para responsabilizar a esquerda pela polémica.
“A esquerda está a atacar-me por defender que os nossos filhos sejam educados para desenvolver a cultura do trabalho desde cedo. Se eu estivesse defendendo sexualização e uso de drogas, estariam a idolatrar-me. Essa é a verdade”, afirmou o chefe de Estado.
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“Não devemos confundir o incentivo ao trabalho e à disciplina com exploração, abuso e abandono da escola. São coisas completamente distintas e todos sabemos disso”, acrescentou Bolsonaro.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), em 2016, 1,8 milhões de crianças e adolescentes, com idades entre os 5 e 17 anos, trabalhavam no Brasil com carga horária média semanal de 25,3 horas, a maioria em situação ilegal.
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