Washington, Bruxelas, Lisboa. Qual será o próximo código postal de Mário Centeno?

Europa quer escolher candidato esta semana e Mário Centeno continua na lista. Sem candidatos óbvios, alinhamento político e xadrez diplomático pode dar a Centeno lugar em Washington... ou Bruxelas.

Sem um nome óbvio em cima da mesa, os países da União Europeia querem fechar até sexta-feira o seu candidato para a liderança do Fundo Monetário Internacional e Mário Centeno continua entre os cinco potenciais candidatos. França e a Alemanha continuam sem fazer as suas escolhas, apesar das movimentações de França por Kristalina Georgieva e (inicialmente) da Alemanha por Jeroen Dijsselbloem. António Costa quer a continuação de Centeno e o ministro das Finanças está na expectativa, mas há mais hipóteses além do FMI.

Em dezembro de 2017, Mário Centeno beneficiou de um alinhamento perfeito das estrelas que o colocou na linha da frente para suceder ao holandês Jeroen Dijsselbloem na presidência do Eurogrupo. O ministro das Finanças português era pouco conhecido entre os seus pares, que o descreviam como pouco interventivo nas reuniões do Eurogrupo, mas a inexistência de socialistas em altos cargos europeus, o afastamento do principal candidato ao lugar — o italiano Pier-Carlo Padoan devido às eleições italianas — e a impossibilidade de o comissário europeu dos Assuntos Económicos assumir o chamado ‘double hat‘ criaram as condições perfeitas para Mário Centeno ser eleito.

O acordo para o apoio ao espanhol Luis De Guindos na corrida à vice-presidência do Banco Central Europeu e para a eleição do holandês Hans Vijlbrief como presidente do Eurogroup Working Group — o influente grupo dos números dois dos ministros das Finanças do euro que preparam as reuniões do Eurogrupo — fecharam a corrida a seu favor.

Ano e meio depois, o ministro das Finanças português pode beneficiar de um contexto semelhante para ser eleito diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, sucedendo a Christine Lagarde que será a próxima presidente do Banco Central Europeu.

O cenário — mais complexo, embora não impossível — deixa ainda em aberto uma outra possibilidade para que Mário Centeno continue a sua carreira fora de Portugal: a pasta de comissário europeu dos Assuntos Económicos, uma das mais importantes na hierarquia da Comissão Europeia, possivelmente até acumulando com uma das vice-presidências da Comissão Europeia ainda por distribuir.

Para já, tal como durante a corrida ao Eurogrupo, Mário Centeno está na expectativa e não abre o jogo sobre o seu futuro, tal como não o fez das vezes que o primeiro-ministro, António Costa, o tentou segurar publicamente como seu ministro das Finanças na próxima legislatura.

Mister Centeno goes to Washington

A primeira (e mais importante) corrida que Mário Centeno tem que vencer para ser eleito o próximo diretor-geral do FMI é a da escolha do candidato da União Europeia. O processo está a ser gerido pelo ministro das Finanças de França, Bruno Le Maire, que tem estado em contactos com as suas contrapartes europeias. O objetivo europeu é a união em torno de um candidato até ao final desta semana, antecipando-se assim à oposição esperada dos países emergentes, nomeadamente da China e dos países da América Central e do Sul, que há muito reclamam maior representação no Fundo.

Sem um claro favorito na corrida, o governo francês tem mantido contactos com os países europeus para testar as várias hipóteses em cima da mesa, havendo até alguma confusão sobre quem tem mais hipóteses de suceder a Christine Lagarde. Para já, confirmados, estão cinco nomes na shortlist que os franceses estão a testar com os restantes países:

  • Kristalina Georgieva: a búlgara é atualmente diretora do Banco Mundial e há muito que a Angela Merkel a tenta colocar num cargo de destaque mundial. A antiga comissária europeia foi candidata de última hora contra António Guterres na corrida à liderança da ONU (a Alemanha retirou o apoio a Guterres, obrigando o então ministro dos Negócios Estrangeiros alemão a viajar a Portugal para tentar reparar os danos causados já depois da eleição do português) e voltou a ser mencionada como potencial candidata para um cargo de topo da Europa. Das duas vezes falhou. Agora, o seu nome volta a surgir como uma forte hipótese, mas ainda sem qualquer país de relevo a apoiá-la. Além disso, para ser nomeada seria necessário alterar os estatutos do FMI, já que ultrapassa a idade limite prevista para poder ser diretora-geral. Os seus maiores trunfos são a experiência acumulada nas diversas funções, o perfil académico e ainda não haver qualquer cargo europeu atribuído a um país da Europa Central e de Leste.
  • Olli Rehn: o atual governador do Banco da Finlândia tem um vasto passado na política europeia, mas nem todo ele de boa memória. Foi comissário dos Assuntos Económicos durante a segunda Comissão Barroso, sendo o principal porta-voz da União Europeia nos resgates à Grécia, Portugal e Irlanda, e com isso também o porta-voz de uma política económica mais ortodoxa ainda hoje criticada por muitos países europeus, e já rejeitada pelo próprio FMI. A Finlândia avançou com o seu nome para presidente do BCE mas foi ultrapassado. Agora é avançado como potencial sucessor de Christine Lagarde, mas não reúne muito apoio. Tem o apoio dos países bálticos e de alguns países da Europa Central e de Leste e beneficia de não haver qualquer nórdico num cargo de topo na Europa.
  • Jeroen Dijsselbloem: o holandês é outra das caras da austeridade e é conhecido em Portugal pelos piores motivos: os comentários que fez sobre os países do sul da Europa. O antigo ministro das Finanças holandês foi sempre apoiado no Eurogrupo pelo influente Wolfgang Schäuble, que lhe abriu as portas da Europa quando era um desconhecido, e que pode ajudar a garantir o apoio alemão, mas que dificilmente lhe valerá o apoio de uma parte importante dos países europeus desalinhados com a política orçamental que a Alemanha quis impor aos países mais fragilizados. Depois de dois mandatos à frente do Eurogrupo, sofreu uma pesada derrota eleitoral e afastou-se da política holandesa. Tem o apoio da Holanda, Bélgica e Luxemburgo, mas enfrenta muita resistência entre os países do sul. Terá tido a simpatia da Alemanha numa fase inicial, mas não deverá passar disso devido aos anticorpos criados enquanto foi presidente do Eurogrupo.
  • Nadia Calviño: a ministra das Finanças espanhola era uma das apostas do primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchéz para um cargo de topo na Europa, mas nunca foi a primeira escolha. Pedro Sanchéz gastou as fichas todas na escolha de Josep Borrell para Alto Representante para a Política Externa da União Europeia e até uma pasta reforçada com a política de desenvolvimento de África e a ajuda humanitária. A sua segunda hipótese era a nomeação de Nadia Calviño para a presidência do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento. Agora, já afastado do Governo e com pouca experiência de governação, Nadia Calviño está na shortlist, mas sem Espanha ter grande margem de manobra para exigir mais (ainda tem Luís de Guindos como vice-presidente do BCE), especialmente numa altura em que a incerteza sobre o futuro político de Pedro Sanchéz é elevada.

Mário Centeno tem a seu favor a experiência de quase quatro anos como ministro das Finanças em Portugal, o perfil académico e, mais importante, o último ano e meio como presidente do Eurogrupo, mas a escolha não será feita só com base no mérito e no perfil. O xadrez político vai exigir um equilíbrio de forças, especialmente entre a Alemanha e a França (ambos já com cargos no topo da hierarquia europeia), e ainda a representatividade de outras regiões, como as nações mais jovens do euro.

O ministro das Finanças português terá ainda contra si um português: António Guterres. O antigo primeiro-ministro socialista é secretário-geral das Nações Unidas desde 2017, resultado de uma das mais importantes vitórias da diplomacia portuguesa. Mas essa vitória coloca Mário Centeno em dificuldades nesta corrida. Se é verdade que o FMI é uma instituição de Bretton Woods, em nada ligada às Nações Unidas, também o é que há muitas regiões do globo a pedir mais representação nas instituições internacionais, e Portugal, apesar de ser um dos países menos expressivos da União Europeia, tem tido nas últimas décadas cargos importantes nas principais organizações mundiais.

Os países do leste da Europa querem um cargo de destaque e não têm nenhum. Os países emergentes querem quebrar o acordo de cavalheiros entre os Estados Unidos e a Europa que permitiram a nomeação de um norte-americano para a presidência do Banco Mundial e de um europeu (mais frequentemente um francês) para a liderança do FMI.

Monsieur Centeno va a Bruxelles

Não é a sua primeira escolha, nem António Costa o quer perder do Governo, mas num cenário de desencontro de vontades entre Mário Centeno e António Costa, o ministro das Finanças português pode ter uma porta aberta para sair do Governo como uma vitória para António Costa, assumindo uma das pastas mais importantes na Comissão Europeia: os Assuntos Económicos.

A pasta tem sido do francês Pierre Moscovici, que não vai continuar na próxima Comissão, e tem a seu cargo as reformas do euro, assim como a aplicação das regras orçamentais europeias, regras essas que Mário Centeno tem questionado repetidamente desde que chegou ao Governo, chegando mesmo a juntar-se a um grupo de países a pedir a sua reformulação.

Segundo o primeiro-ministro espanhol, um dos acordos laterais que permitiram a escolha de Ursula von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia é que a pasta seja entregue a um socialista. Dos sete países com governos socialistas, apenas cinco fazem parte da zona euro (um critério importante para a escolha). Destes cinco, apenas um apresentou um nome com experiência e perfil para assumir a pasta, a Finlândia.

Jutta Urpilainen, ex-ministra das Finanças da Finlândia e futura comissária europeia pela Finlândia

No entanto, Jutta Urpilainen, ex-ministra das Finanças, pode enfrentar resistência na sua nomeação, não só porque outro finlandês teve a pasta na anterior Comissão, o último mandato de Durão Barroso (precisamente Olli Rehn), mas também pelas posições críticas aos resgates durante a altura mais crítica da crise na Europa.

Quando assumiu o cargo de ministra das Finanças da Finlândia no verão de 2011, Jutta Urpilainen foi uma das responsáveis que exigiu mais garantias aos países resgatados em troca da participação do seu país aos resgates, tendo mesmo afirmado a sua oposição ao empréstimo da União Europeia a Portugal durante a campanha eleitoral de 2011, na qual era a candidata pelos socialistas.

A vontade de António Costa (e de Ursula von der Leyen)

O Governo português já admitiu que está a trabalhar para que Mário Centeno seja escolhido para a liderança do Fundo Monetário Internacional, mas sobre o seu futuro comissário europeu ainda nada disse. Portugal é um de nove países (excluindo o Reino Unido) que ainda não formalizou publicamente quem quer que seja o seu comissário a partir de novembro.

Também esta escolha será influenciada pelo intenso jogo de xadrez diplomático em curso. Portugal é um de sete países na União Europeia que nunca escolheu uma mulher para comissária europeia, sendo que destes sete apenas Portugal e a Croácia ainda não fizeram as suas escolhas públicas (Finlândia, Estónia e Malta nomearam mulheres).

Além deste facto histórico, Ursula von der Leyen garantiu que está pronta a rejeitar nomes para conseguir uma Comissão Europeia paritária e, até agora, entre os 18 escolhidos há 11 homens e sete mulheres. Tal como foi pedido pela futura presidente da Comissão Europeia, como pela equipa que está a gerir a transição, Portugal teve de indicar dois nomes, um homem e uma mulher, mas não tornou nenhum destes nomes públicos.

Até 26 de agosto, todos os países terão de indicar os seus candidatos. E António Costa tem capital de queixa na Europa: esteve envolvido nas negociações sobre a futura Comissão, mas não conseguiu nenhuma das suas pretensões e na anterior Comissão, Portugal teve uma das pastas politicamente mais fracas.

Com Pedro Marques descartado para já, resta saber se Portugal vai nomear uma mulher — possivelmente Francisca Van Dunem ou Maria Manuel Leitão Marques — ou se António Costa aceita perder Mário Centeno para a Comissão Europeia.

Caso se mantenha como ministro das Finanças, Mário Centeno ainda terá pela frente mais seis meses de mandato como presidente do Eurogrupo, que pode ser renovado por mais dois anos e meio — António Costa tentou garantir a renovação um ano antes, mas não conseguiu — que poderá vir a acumular com a liderança do ECOFIN entre janeiro e junho de 2021, quando Portugal voltar a ter a presidência da União Europeia.

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