Têxtil é um dos setores mais afetados pelo Brexit. Guerra comercial ensombra ainda mais o futuro

Exportações de têxtil e vestuário alcançam recordes em 2018, mas este ano a tendência de crescimento já se inverteu. Brexit e guerra comercial entre os EUA e China estão a criar clima de incerteza.

As exportações de têxteis e vestuário atingiram um volume recorde de 5.314 milhões de euros em 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas, a incerteza que se vive devido ao Brexit e à guerra comercial entre a China e os Estados podem afetar exportações de têxtil e vestuário em Portugal.

Os dados das exportações relativos aos primeiros sete meses do ano dão já sinais de abrandamento. De janeiro a julho, Portugal exportou 3.207 milhões de euros, ou seja, uma redução de 0,9% face ao período homólogo. E foi no segmento dos têxteis lar que a quebra foi mais significativa (-3,3%).

O presidente da Associação Nacional das Indústrias do Vestuário e Confeção (Anivec), César Araújo, reconhece que “poderá haver uma pequena redução nas exportações de têxtil e vestuário” e salienta que a queda está relacionada com o sentimento de instabilidade que se vive na Europa.O Brexit e a guerra comercial entre os EUA e a China estão a provocar um sentimento de instabilidade na Europa e no mundo e este sentimento negativo poderá afetar o consumidor final”, destaca.

Um estudo publicado pelo CESifo, uma rede de investigação ligada ao Ifo alemão, sediada em Munique, revela que perante um cenário de hard Brexit o setor têxtil seria o mais afetado em Portugal. A economia portuguesa perderia 1,2% e o emprego recuaria 0,7%, o equivalente a mais de 29 mil postos de trabalho, sublinha o estudo referido por Marques Mendes no seu comentário semanal na Sic. Esta conclusão vai ao encontro de um outro estudo da CIP, que também apontava o setor têxtil como um dos que mais riscos enfrenta com a saída do Reino Unido na União Europeia.

O diretor geral da Associação Têxteis de Portugal (ATP), Paulo Vaz, concorda que a indústria já sente essa instabilidade desde o referendo e explica o porquê. “Primeiro porque a desvalorização da libra prejudica imediatamente as exportações para aquele país, depois porque a incerteza face ao futuro determina quebras de consumo interno”, refere. Relativamente à guerra comercial entre as duas potências mundiais, Paulo Vaz salienta que “criam alta instabilidade e incerteza, provocando o arrefecimento das economias à escala global, com prejuízo do consumo privado. É o que está a suceder”.

Está a criar-se uma situação de tempestade perfeita que deve preocupar-nos de forma séria, obrigando-nos a tomar medidas, nomeadamente intensificar as iniciativas nos mercados externos, em feiras e missões.

Paulo Vaz

Diretor geral da Associação Têxteis de Portugal (ATP)

Aliás, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou, esta quinta-feira, que a guerra comercial entre os EUA e a China deixou de ser uma ameaça e está já a “abrandar” o dinamismo da economia mundial, que evolui a um ritmo “relativamente lento”. Nas suas últimas estimativas sobre o possível impacto das tarifas impostas mutuamente entre as duas maiores economias mundiais, o FMI calculou que a guerra comercial poderia reduzir o PIB mundial em cerca de 0,8% em 2020 e levar ainda a mais perdas nos anos seguintes.

Os têxteis já estão a sofrer com esse abrandamento. “Pessoalmente acho que este ano não vai ser tão bom como os anteriores. Os primeiros cinco meses do ano pareciam apontar nesse sentido, mas o mês de junho foi mau e inverteu a tendência positiva. Vamos ver como será a reentrada após férias”, destaca ao ECO Paulo Vaz.

O mês de junho trouxe uma queda acentuada nas exportações da indústria têxtil e vestuário. Em comparação com junho do ano passado, as empresas portuguesas da indústria têxtil e vestuário venderam menos 60,6 milhões de euros, baixando o total exportado para 415,9 milhões de euros. Ou seja, uma quebra homóloga de 12,6%. É verdade que, em julho, Portugal exportou 531,4 milhões de euros de têxteis e vestuário, um valor mensal que não era conseguido desde julho de 2002, mas o resultado não foi suficiente para compensar os resultados negativos do mês anterior.

Apesar da quebra, as exportações do têxtil e vestuário continuam a ser o principal foco de muitas empresas. De acordo com o INE, Portugal ocupa o 23.º lugar no ranking dos principais exportadores mundiais de vestuário, que é liderado pela China.

A Riopele é uma das empresas que tem contribuído para o crescimento das exportações deste setor. A propósito da incerteza que se faz sentir na Europa e no mundo, José Oliveira, presidente do conselho de administração da Riopele considera que “está a ser criado um clima especialmente adverso e pouco propício ao investimento e ao consumo”. No entanto, o responsável por uma das mais antigas empresas de têxteis portuguesas e que exporta 98% do que produz acredita que o “diferendo comercial entre os EUA e a China será entretanto resolvido para o bem da economia global.”

Espanha é o principal destino dos têxteis e vestuário

Apesar desta instabilidade vivida na Europa, Espanha continua a liderar o ranking dos principais destinos das exportações nacionais de têxtil e vestuário. Segundo o estudo Comércio Internacional de Têxteis e Vestuário 2008-2018, estas exportações cresceram 2,7% e as importações 2,1%, em relação ao ano anterior. O que representa um saldo positivo de 31 milhões de euros. O setor do vestuário (60%) tem um peso superior ao têxtil (40%) no que respeita à exportação, de acordo com o mesmo estudo.

Países como a Espanha e a França estão no top três dos principais destinos das exportações portuguesas de têxteis e vestuário, mas é o país vizinho quem lidera. O presidente da Anivec frisa que “Espanha é o parceiro de excelência” e que é necessário “apostar em novos mercados, mas nunca descurar a Europa, porque é e sempre foi o principal mercado” das exportações nacionais.

O diretor geral da ATP, Paulo Vaz, acrescenta que Espanha representa 30,4% da quota total, seguido de França (13,5%) e Alemanha (8,5%). Todavia, as exportações de têxtil e vestuário para o mercado espanhol sofreram uma quebra de 3,9% (ou 68 milhões de euros), para perto de 1.700 milhões de euros, no final de 2017.

Destino das exportações de vestuário 2017 – 2018.

O presidente do conselho de administração da Riopele garante que a “empresa não sentiu essa quebra do mercado espanhol“. Mas o diretor geral da ATP confirma que não foi esse o caso para muitas empresas nacionais e justifica o motivo. A razão da quebra de Espanha tem sido o desinvestimento da Inditex em produzir em Portugal, especialmente encomendas de preço mais baixo. Portugal para os produtos mais básicos é caro e a Inditex tem desviado produção para a Turquia e Marrocos”.

Espanha, França e Alemanha no top 4 das exportações de têxteis e vestuário

Em Portugal os principais destinos das exportações de têxteis são Espanha (19,4%), França (11,6%) e os EUA (9,8%). Seguido da Alemanha (8,6%) e do Reino Unido (6,6 %) que no ano 2000 ocupava a primeira posição do ranking.

Destino das exportações de têxteis 2017 – 2018.

Já na exportação de vestuário os principais destinos são também Espanha (que representa uma quota de 40,2%), seguido de França (13,2%), Alemanha (8,3%), Reino Unido (8,2%) e Itália (6,8%). Os EUA surgem na sétima posição (3,6%). César Araújo refere que os EUA são um mercado importante para Portugal, mas destaca que a “instabilidade política que se vive na América é uma preocupação para a indústria”.

Itália passou de primeiro lugar para sexto, no período de 2008-2018, no que respeita à exportação de têxteis. Para José Oliveira, “na última década, o mercado italiano sofreu muito, em parte, consequência do modelo produtivo e de negócio instalado em Itália, que funciona bem dentro do mercado interno, mas não é competitivo, flexível e rápido para a situação atual das exportações”.

O setor dos têxteis representa 2% das empresas nacionais, mas empregam 5% dos trabalhadores, segundo dados do Banco de Portugal. Segundo o estudo divulgado pelo gabinete de estratégia e estudos do ministério da economia, em 2018, nas exportações de têxteis foram os componentes têxteis-lar (32,2%), seguidos dos outros têxteis (30,1%), tecidos (24,9%) e fibras e fios (12,9%), que tiveram mais saída.

No que diz respeito às importações, Espanha (18,2%), Itália (13,3%) e Índia (9,9%) são os principais mercados de importação dos têxteis. No vestuário Espanha (52,8%), Itália (9,4%) e França (9,1%) são os principais mercados.

A indústria têxtil e vestuário esteve para morrer ao olhos do Governo. A verdade é que está de pé e só não somos mais fortes porque o poder político nunca acreditou no setor.

César Araújo

Presidente da Associação Nacional das Indústrias do Vestuário e Confeção (Anivec)

O presidente da Anivec lamenta a falta de apoio por parte do Governo e alerta para uma grande falha no setor têxtil e vestuário. “Um dos nossos maiores problemas é falta de recursos humanos qualificados”, destaca. Alerta que cabe ao Governo apoiar o setor e lamenta que “o poder politico nunca tenha acreditado no setor, não tenha incentivado os jovens a enveredarem por esta indústria”. Por isso, “hoje, a falta de recursos humanos é uma das maiores dificuldades”.

Calculados os números, Portugal tem uma balança comercial positiva no setor dos têxteis e do vestuário. O que significa que o valor das exportações é superior ao das importações. O setor representa desde 2012 um saldo positivo da ordem dos mil milhões de euros. Só no setor do vestuário, entre 2012 e 2018 a balança comercial rondou os mil milhões de euros, segundo o estudo Comércio Internacional de Têxteis e Vestuário 2008-2018.

Em contrapartida, o setor dos têxteis teve uma balança comercial deficitária entre 2008 e 2011, conquistando um saldo ligeiramente positivo a partir de 2012. Desde a entrada da China na Organização Mundial do Comércio com a consequente liberalização das trocas comerciais neste setor, Portugal enfrentou uma quebra nas exportações e muitas empresas nacionais acabaram por fechar portas. Mas, esta indústria tradicional não morreu e reagiu. Tem vindo a apostar na qualidade, na inovação e no design deixando o segmento em que a concorrência se faz pelo preço para apostar em produtos com maior valor acrescentado.

César Araújo confirma que Portugal tem vindo a fazer uma aposta na inovação e no design e afirma que “Portugal tem umas das melhores cadeias de abastecimento de valor de produtos acrescentados no mundo”. Considera que o caminho é reinventar a indústria, apostando na sustentabilidade das empresas, certificações, evolução na cadeia de valor e uma forte aposta no retalho. “É um caminho difícil mas temos de começar a dar esse passo. Temos de nos afirmar como um país de moda e não só como um país industrial”, conclui.

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