Cargos internacionais escapam aos limites das subvenções vitalícias. Guterres acumula com salário da ONU

O ex-primeiro-ministro recebe uma subvenção mensal de 4.138,77 euros paga pelo Estado português porque a lei das subvenções não prevê a suspensão do pagamento para cargos internacionais.

O ex-primeiro-ministro António Guterres recebe todos os meses do Estado português uma subvenção vitalícia de 4.138,77 euros brutos que acumula com o salário de secretário-geral da ONU porque “a legislação em vigor não determina a suspensão da subvenção mensal vitalícia pela remuneração auferida em organismos internacionais”, disse ao ECO fonte oficial do Ministério da Segurança Social que tem a tutela da Caixa Geral de Aposentações (CGA), o organismo que atribui e paga as subvenções vitalícias aos ex-titulares de cargos políticos.

A lei prevê o pagamento de uma subvenção mensal vitalícia a antigos políticos. Mas determina também que o pagamento desta subvenção é suspenso quando os ex-políticos desempenham funções políticas ou públicas, ou que tem uma redução total ou parcial quando a pessoa em causa exerce uma atividade privada remunerada. Neste último caso, a percentagem do corte é determinada em função dessa remuneração auferida no setor privado. Outra hipótese prevista na lei é que o beneficiário peça por iniciativa própria a suspensão do pagamento.

António Guterres assumiu em janeiro de 2017 o cargo de Secretário-Geral da ONU, passando a auferir um salário anual superior a 206 mil euros. Mas a lista publicada na segunda-feira com os 318 ex-políticos que recebem uma subvenção vitalícia mensal mostra que António Guterres tem a sua subvenção ativa.

O ECO questionou os gabinetes do primeiro-ministro, do ministro da Segurança Social e do ministro das Finanças – que assinaram a 25 de julho o decreto-lei que define os critérios para a publicação da lista dos beneficiários – para perceber os motivos pelos quais o antigo chefe do Governo não viu a sua subvenção suspensa tendo em conta que exerce um cargo público (secretário-geral da ONU).

O ministério de Vieira da Silva explicou que o exercício de cargos internacionais não consta da lista dos que dão origem à suspensão do pagamento da subvenção.

O que diz a lei sobre isto?

“De acordo com a informação prestada pela CGA, a resposta a esta questão encontra-se regulada na Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, que foi alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro”, diz o ministério na resposta enviada.

A tutela explica que “de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º desta Lei, “o exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por (…) beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da (…) subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções“. Acrescenta ainda que, segundo o “n.º 2 do mesmo artigo 9.º, “o disposto no número anterior abrange, nomeadamente:

  • a) O exercício dos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membro do Governo, Deputado à Assembleia da República, juiz do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Representante da República, membro dos Governos Regionais, deputado às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, deputado ao Parlamento Europeu, embaixador, eleito local em regime de tempo inteiro, gestor público ou dirigente de instituto público autónomo;
  • b) O exercício de funções a qualquer título em serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o setor empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas;”

Além disso, o ministério destaca quem aos olhos da Lei n.º 52-A/2005 é considerado titular de cargos políticos, recordando que o artigo 10.º os lista:

  • a) Os deputados à Assembleia da República;
  • b) Os membros do Governo;
  • c) Os Representantes da República;
  • d) O Provedor de Justiça;
  • e) Os governadores e vice-governadores civis;
  • f) Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;
  • g) Os deputados ao Parlamento Europeu;
  • h) Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira;
  • i) Os membros dos Governos Regionais;
  • j) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas”.

Beneficiários podem pedir suspensão do pagamento por sua iniciativa

Antes de ser secretário-geral da ONU, António Guterres desempenhou outro cargo internacional. Entre 20 de fevereiro de 2005 e 31 de dezembro de 2015, o antigo primeiro-ministro foi Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

Na anterior lista dos beneficiários de subvenções mensais vitalícias publicada em 2016, Guterres surgia na lista de beneficiários com subvenção ativa mas com uma redução parcial, não sendo o montante dessa redução conhecido.

Ao ECO, o ministério da Segurança Social adianta que “a CGA não presta informação sobre a situação concreta de cada beneficiário”, mas acrescenta que “são públicos os cargos que o Eng.º António Guterres desempenhou em instituições nacionais nesse período, nomeadamente na Fundação Calouste Gulbenkian, e que podem ter determinado a redução parcial da subvenção nesse período”.

Questionado sobre se António Guterres contactou a CGA ou a CGA o contactou a ele no âmbito da atribuição desta subvenção, o ministério explica que a CGA não pode prestar informações sobre beneficiários, remetendo esclarecimentos para o próprio.

O ECO tentou falar com a assessoria de António Guterres, mas não obteve resposta.

A mesma lei que não determina a suspensão da subvenção para quem ocupa cargos internacionais prevê a possibilidade de um pedido de suspensão do pagamento da subvenção pelo próprio beneficiário, iniciativas seguidas por dois beneficiários – Marques Mendes e Faria de Oliveira. António Guterres não recorreu a este mecanismo, visto que a lista da CGA diz que a subvenção está ativa.

Esta situação cria uma diferença de tratamento face a outros ex-políticos. Por exemplo, o deputado do PS Jorge Lacão tem suspensa a sua subvenção no valor de 2.635,62 euros por auferir o salário de deputado na Assembleia da República.

António Guterres entrou na Assembleia da República em 1976, tendo sido deputado durante vários anos. Entre 1995 e 2002 ocupou o cargo de primeiro-ministro, tendo abandonado a função em abril desse ano. Três anos depois foi nomeado para o cargo de Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, lugar que ocupou até 2015. É, desde janeiro de 2017, Secretário-Geral da ONU.

António Guterres é apenas um entre 318 ex-políticos, entre antigos primeiros-ministros, ex-deputados, líderes partidários, autarcas e juízes do Tribunal Constitucional a receberem uma subvenção que não está indexada aos descontos efetuados durante a carreira contributiva. A lista voltou a ser publicada esta segunda-feira no site da Caixa Geral de Aposentações, depois de ter ter sido suspensa com a entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de dados.

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