A Lei de bases da habitação e a entrega da casa ao banco

  • Marisa Silva Monteiro
  • 25 Setembro 2019

A Lei de Bases da Habitação, publicada em DR, densifica o direito constitucional a habitação condigna e intervém no quadro do crédito à habitação. Mas trará novidades relativamente ao Código Civil?

Publicada em Diário da República a 3 de setembro, a Lei de Bases da Habitação (LBH) densifica o direito constitucional a habitação condigna e intervém também no quadro do crédito à habitação. Mas trará novidades relativamente ao Código Civil? Eis a questão.

Quanto à possibilidade da entrega da casa ao banco (dação em cumprimento), a LBH admite o mecanismo, desde que contratualmente estabelecido, ficando a entidade bancária obrigada a prestar tal informação ao cliente antes da concessão do empréstimo e com a determinação de que a dação extinguirá a dívida independentemente do valor atribuído ao imóvel.

Aqui a novidade é pouca ou nenhuma. O Código Civil já permite que o devedor se exonere prestando coisa diversa daquela a que estava obrigado, se o credor der o seu assentimento.

Se virmos o copo meio cheio, diremos que a LBH consagra expressamente a possibilidade de acordo a priori sobre a aceitação do credor relativamente à entrega da casa como forma de extinguir toda a dívida. Mas o certo é que não deixa de ser necessário o credor aceitar, como o Código Civil exige; portanto, reiteramos que a novidade é pouca ou nenhuma.

É nossa firme convicção que a intervenção da LBH em matéria de crédito à habitação se justifica pelo uso insuficiente (para não dizer desconhecimento) das ferramentas que o Código Civil disponibiliza para agilizar a satisfação dos créditos e para salvaguardar o devedor (que o legislador civil desde sempre olhou como a parte mais frágil da relação creditícia).

A LBH prevê ainda um estatuto próprio para os devedores em situação económica difícil, consagrando que se lhes possa aplicar um regime de proteção que inclua a possibilidade de reestruturação da dívida, dação em cumprimento ou medidas substitutivas da execução hipotecária (venda judicial), mas a formulação é genérica e redundante, sobretudo diante dos regimes especiais já existentes, como o PARI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento) e o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento).

Quanto à posição dos fiadores, a LBH proíbe os bancos de lhes fixarem condições mais onerosas do que as estabelecidas para os devedores e determina ainda que os bancos não podem negar aos fiadores o direito de cumprir e pagar a dívida nas mesmas condições que os devedores principais.

Ora, sendo certo que também aqui não há grande novidade perante as normas do Código Civil, sempre se dirá da importância de realçar os direitos de defesa que assistem aos fiadores e os limites de atuação dos credores.

A fiança, na verdade, pode representar um problema social sério no contexto do crédito à habitação, porque os fiadores muitas vezes não têm consciência da amplitude das suas responsabilidades quando aceitam garantir o cumprimento das obrigações dos devedores e não conhecem outrossim os seus direitos.

Por isso, sublinhamos que os fiadores ficam expressamente salvaguardados nos contratos de crédito à habitação celebrados a partir de 1 de outubro, com a LBH a garantir-lhes os mesmos direitos e condições de pagamento da dívida que os bancos concederem aos devedores seus afiançados.

*Marisa Silva Monteiro é advogada-consultora da sociedade José Pedro Aguiar-Branco Advogados.

  • Marisa Silva Monteiro
  • Advogada e of counsel da JPAB - José Pedro Aguiar-Branco Advogados

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