Quando a pretensão tributária da AT está condenada ao insucesso

  • Solange Nóbrega
  • 18 Novembro 2019

Leia aqui o artigo de opinião da advogada associada da sociedade Morais Leitão, Solange Nóbrega, sobre a pretensão tributária da Autoridade Tributária (AT).

A elevada acumulação de pendências nos tribunais fiscais e a consequente morosidade na resolução definitiva dos litígios entre os contribuintes e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) motivou no passado recente a instituição de um conjunto de medidas cujo propósito é precisamente proceder à recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais. Tais medidas foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o qual entrou em vigor no dia 16 de outubro de 2018.

Embora uma parte substancial do trabalho de recuperação de pendências não possa deixar de depender, em grande medida, da diligência das equipas de magistrados judiciais constituídas para este efeito, o legislador reconheceu que a própria AT tem igualmente uma missão (e um dever) importante na resolução deste problema que assombra o nosso sistema fiscal.

É que, na origem do litígio entre os contribuintes e a AT em muitos dos processos atualmente pendentes, está apenas em causa uma interpretação jurídica da lei fiscal que os tribunais já resolveram em sentido favorável ao contribuinte em três ou mais decisões (a lei fala em “jurisprudência reiterada”). Ora, quando um grupo representativo de magistrados dos nossos tribunais superiores já reconheceu merecimento à tese de um contribuinte e rejeitou a pretensão tributária da AT, torna-se muito provável – ou até mesmo certo – que nenhum coletivo que se venha a formar para apreciar uma questão idêntica inverterá o rumo jurisprudencial já reiterado. Trata-se, portanto, de processos judiciais nos quais a pretensão tributária da AT está condenada ao insucesso.

Foi precisamente com o desígnio de eliminar estas pendências supérfluas e dilatórias, que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 instituiu a obrigação, a cargo da AT, de, até 31 de dezembro de 2019, avaliar a revogação ou anulação dos atos administrativos em matéria tributária e rever os atos tributários que sejam objeto de processos tributários pendentes de decisão final ou recurso nos tribunais administrativos e fiscais, incluindo nos tribunais superiores, devendo para o efeito atender à existência de jurisprudência reiterada quanto à matéria objeto do processo em sentido favorável ao contribuinte (um outro fator que deverá ser atendido é o da mudança do próprio entendimento dos serviços da AT em sentido favorável ao contribuinte).

Além de dar corpo ao princípio de que justiça é também celeridade, esta é uma medida de boa gestão do erário público. Isto é, se o contribuinte tiver pago o imposto de €100.000, liquidado adicionalmente pela AT com base numa interpretação que não tem sido a acolhida pela jurisprudência, enquanto o processo estiver pendente vencem-se juros indemnizatórios a favor do contribuinte à taxa de 4% ao ano, ou seja, o contribuinte receberá €4.000 a título de juros por cada ano em que processo continue pendente no tribunal, pese embora estar a pretensão da AT votada ao insucesso

Sem menosprezo pelo mérito desta medida, e apesar de ainda estar a decorrer o prazo para a AT proceder à aquela avaliação (até ao final do corrente ano), reduzindo, por essa via, as pendências judiciais fiscais, talvez a sua eficácia pudesse ser potenciada, por exemplo, com um agravamento significativo das custas judiciais a cargo da AT quando o tribunal constate que a AT não revogou ou anulou o ato tributário objeto do processo judicial nos termos preconizados pelo Decreto-Lei n.º 81/2018.

*Solange Nóbrega é advogada associada da Morais Leitão.

  • Solange Nóbrega
  • Associada principal da Morais Leitão

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