A receita da AEP? Exportações e investimento
A 3.ª edição da conferência internacional Business On the Way, organizada pela AEP, decorreu em Leça da Palmeira e teve como principal mote para debate “Os atuais desafios da globalização”.
É “unânime que a economia portuguesa precisa de continuar a crescer”. Mas isso não significa, assinala Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, que o ritmo possa abrandar. Pelo contrário, considerando a situação de “uma economia com um elevado grau de abertura ao exterior – como é o caso da portuguesa”, sublinhou o responsável na 3.ª edição da conferência internacional Business On the Way, organizada pela AEP, decorreu em Leça da Palmeira e teve como principal mote para debate “Os atuais desafios da globalização”.
“Só assim será possível corrigir a divergência acumulada face ao nível de desenvolvimento médio europeu”, revelando que Portugal mantém nível relativo de PIB per capita, em paridade de poder de compra, em torno dos 77% da média europeia. “O aumento das exportações, a par do investimento, sobretudo empresarial privado, devem constituir os drivers do crescimento económico”.
O presidente da AEP diz, no entanto, que há sinais inequívocos de que Portugal tem vindo a percorrer o rumo certo. “Inegavelmente, a economia portuguesa está mais aberta ao exterior”, disse num auditório repleto. Este maior grau de abertura resultou, segundo o dirigente, em grande parte do aumento da intensidade exportadora, que subiu, desde 2010, 14 pontos percentuais – de 30% para 44%.
"O aumento das exportações, a par do investimento, sobretudo empresarial privado, devem constituir os drivers do crescimento económico”.”
Contudo, há também sinais inequívocos de que é necessário fazer “mais, muito mais”. Luís Miguel Ribeiro mencionou a necessidade de continuar a diversificar mercados, atendendo a que 70% das empresas exportadoras fazem-no para apenas um mercado. “Neste processo de diversificação devem relevar destinos para onde as empresas portuguesas têm maiores facilidades de penetração devido a laços históricos, à língua, à proximidade geográfica ou cultural mas, também, para outros mercados onde exista um forte potencial, pela sua dimensão e dinamismo”. E, aqui, salientou o mercado asiático.
A AEP está muito atenta às oportunidades nesta geografia, “tendo apresentado recentemente uma candidatura, ao Portugal 2020, que visa reforçar a diversificação das exportações portuguesas para a China, Japão e Coreia do Sul”.
Alargar a base exportadora
“Temos mais de um terço do valor global das exportações portuguesas de bens concentrado em apenas 0,1% do número total de empresas exportadoras”, disse o responsável da AEP. A questão do equilíbrio do saldo externo foi também abordada, na medida em que começa a ficar em risco aquilo que o dirigente considera constituir como uma das principais alterações estruturais da economia portuguesa no período mais recente. “Por isso, é importante exportar com mais valor acrescentado. A redução de conteúdos importados passa muito por promover, valorizar e apoiar a oferta nacional”.
Todos estes desafios, diz Luís Miguel Ribeiro, sendo intrínsecos à estratégia de crescimento do país, não podem estar desligados do contexto da globalização crescente dos mercados, que aporta vantagens e oportunidades e, simultaneamente, ameaças e riscos. Nomeadamente o abrandamento da atividade económica nos principais mercados de exportação. O Brexit, a intensificação de políticas protecionistas a nível global, o agravamento de tensões geopolíticas, a questão ambiental e climática – promovendo uma economia hipocarbónica e uma rápida transição do modelo linear para o modelo circular – as cadeias de valor globais, a revolução tecnológica, com especial destaque para a digitalização dos negócios e os “ciber riscos” foram outros fatores mencionados pelo presidente. “Todos estes desafios são, naturalmente, potenciados pelo perfil da estrutura empresarial portuguesa, fortemente concentrada em empresas de muito reduzida dimensão”.
Acreditando que a AEP é atualmente um dos mais relevantes operadores privados de apoio ao processo de internacionalização das empresas portuguesas, Luís Miguel Ribeiro diz que o Programa BOW – Business On the Way, e outras iniciativas, “têm dado um enorme contributo, ajudando a estimular uma forte presença das empresas portuguesas nos mercados internacionais e, desse modo, a aumentar a intensidade exportadora”.
Paradigma do investimento alterou-se
Luís Castro Henriques, presidente da Aicep, abordou no evento “as vantagens competitivas de Portugal nos mercados externos”, num momento em que o comércio mundial passou por um período de acentuado crescimento e várias disrupções “que vão continuar a moldar a economia global até 2025”.
Entre as tendências que vão ter impacto internacional estão a “desaceleração do crescimento com o surgimento de novos movimentos protecionistas”, assim como a crescente importância no comércio do next shoring, “um fenómeno que veio para chegar”, com o aumento da regionalização e simplificação da cadeia de valor global e integração vertical. Outro aspeto mencionado por Luís Castro Henriques foi o aumento de peso do comércio sul-sul, sendo a “inovação o principal motor do crescimento do comércio, apoiada pela expansão do e-commerce”.
Para Luís Castro Henriques, “ao longo das últimas três décadas o paradigma do investimento e de exportação em Portugal alterou-se significativamente”, tendo a base exportadora sido alargada “com uma importância crescente na economia nacional e na criação de emprego”. Segundo dados fornecidos pelo dirigente, hoje as exportadoras representam 35% do peso no volume de negócios total e 23% do emprego.
“O crescimento do peso das exportações mais elevado que a variação no peso do número de trabalhadores sugere um aumento da produtividade”. Já o número de empresas com perfil exportador “aumentou, em 2017, 4,4% face a 2016, e 49% relativamente a 2010, para um total de 24,8 mil sociedades”. No entanto, diz Luís Castro Henriques que, apesar do crescimento registado, as empresas com perfil exportador apenas representam 6,3% das sociedades não financeiras portuguesas.
Na sua caracterização do mercado nacional, Luís Castro Henriques admite que Portugal diversificou a base de clientes, assim como alterou o mix de produtos exportados. Assim, diz o dirigente que passamos de ter produtos de baixo custo e baixo valor acrescentado, caracterizado por uma reduzida componente tecnológica e por serem de mão-de-obra intensiva, para uma base exportadora mais alargada e uma maior diversificação de mercados, para além de um aumento da qualidade dos produtos e melhoria da reputação dos setores tradicionais, em que o têxtil é um claro exemplo.
O resultado parece à vista, com a imprensa internacional a destacar o Made In Portugal. “A qualidade e inovação dos produtos portugueses é cada vez mais percecionada no estrangeiro”, diz o dirigente. Hoje a Aicep desenvolve um conjunto de serviços e produtos customizados e de elevado valor acrescentado para apoiar a capacitação das empresas sobre e-commerce e internacionalização.
A maturidade de Portugal na internacionalização
Catarina Dantas Machado, conselheira económica da Comissão Europeia, Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade e Pedro Vieira, fundador e CCO da Market Access, debateram no evento o “Estado de maturidade do tecido empresarial português para a internacionalização”.
Quanto à competitividade do tecido empresarial português, Catarina Dantas Machado assume que houve, de facto, uma evolução favorável no que diz respeito ao aumento do peso das exportações no PIB das empresas portuguesas. Mas, mais importante do que isso, são os valores da dinâmica na conquista da quota de mercado das exportações portuguesas no mercado internacional. “Nos últimos três anos, notámos que Portugal tem vindo a aumentar sucessivamente essa quota. Em 2015, variou positivamente 1,7% e, em 2017, já estávamos em 14,6% de variação positiva. Isto não é só bom em si como é bom em termos comparativos, a nível europeu”.
Para a conselheira, também é importante ver que a exportação por si só, devia ser vista de uma forma mais instrumental, sendo que a ideia é trazer valor à economia. “É criar bons empregos, criar aumento do rendimento per capita. E, aí, a dinâmica não tem sido favorável”, até porque o rendimento per capita “está estagnado há 15 anos”. Catarina Dantas Machado considera ainda que, como desígnio estratégico, seria favorável focar o discurso naquilo que é o aumento da produtividade das exportações e o conteúdo de valor acrescentado que as mesmas têm.
Pedro Braz Teixeira, que vê o copo “meio vazio”, diz que Portugal tem a característica de quase metade do emprego estar nas microempresas e não nas “grandes e fantásticas organizações” que, no seu entender, são muito importantes. No debate, o diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade mencionou o risco que a subida do salário mínimo tem nestas empresas e o seu impacto na internacionalização, sustentando a sua ideia no facto de, nos últimos anos o salário mínimo ter subido 14% em termos acumulados quando, no conjunto da economia, a produtividade ter subido apenas 1,7%. “Uma disparidade total”, mencionou. “O que estamos a fazer em termos de produtividade é fraco. As empresas portuguesas não só já não têm folga como revelam sinais de stress dos aumentos anteriores”.
Pedro Braz Teixeira considera esta situação bastante preocupante, tendo sugerido nas negociações de concertação social que as empresas exigissem duas cláusulas de salvaguarda. “Por um lado, interromper a subida extraordinária do salário mínimo se a taxa de desemprego subir acima dos 7%, por outro, um apoio ao emprego no interior, já que é aí que é mais difícil absorver essa subida”.
Pedro Vieira, fundador e CCO da Market Access, deu o exemplo da sua empresa que, apesar de apoiar outras estruturas empresariais na sua internacionalização, tem o seu próprio processo de internacionalização. “Em mercados como o espanhol e brasileiro, o nosso estado de notoriedade é muito elevado”. O problema depende assim do mercado para o qual se exporte, diz Pedro Vieira. “Para os países da Zona Euro estamos preparados, a moeda é a mesma, não há problemas com as taxas de câmbio. Mas se pensarmos num mercado como o japonês ou o chinês, são muito poucas as empresas com notoriedade”.
As ameaças ao mundo global
As ameaças ao mundo global foram temas abordados por Phil Darby, CEO da The Full Effect Company, Gilberto Lima, presidente do Instituto Illuminante de Inovação Tecnológica e Impacto Social, e Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição.
Neste painel ficou patente que a cooperação parece ser a chave para combater a mudança “que já está neste momento a acontecer”, potenciada pelas novas tecnologias e digitalização, disse Phil Darby. Aliás, o CEO não concorda que se use a palavra “crise” pois esta não é mais do que uma “reação à mudança”. O executivo sugere que se avance com o negócio, arranjando alternativas para lidar com os problemas que vão aparecendo. “A maioria das ‘transformações falha porque se continua a fazer a mesma coisa, da mesma forma, não há uma adaptação à mudança”.
Já Gilberto Lima preferiu enfatizar a questão da disrupção, indo ao encontro da opinião de Phil Darby na necessidade de colaboração. “Países com menor porte têm uma imensa vantagem de ter essa capacidade. Israel é um excelente exemplo de um país que cria as suas startups que se tornam depois empresas globais”. O fenómeno que potencia o crescimento é a “globalocalização”, entendida como a capacidade de as empresas se tornarem globais, não perdendo o rosto local. “Isso é possível através de parcerias sustentadas no tempo e na criação de confiança. Aqui não interessa o tamanho, mas a velocidade de a cultura se adaptar rapidamente”.
Gonçalo Lobo Xavier não se mostra muito entusiasta da crise, mas admite que é muito difícil, no contexto europeu alterar culturas. “É difícil fazer com que os alemães gastem dinheiro. E eles têm muito dinheiro nas contas, mas não querem gastá-lo, não querem investir. Claro que isto não explica tudo mas é um ponto de partida”.
O presidente da APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, mostrou-se preocupado com a situação asiática e com a forma como o negócio está a ser ali realizado. “Todos os dias há milhões de novos consumidores na China a influenciarem todo o mundo. Vejo muita gente inteligente a fazer novos negócios internacionais, mas para os portugueses acredito que o negócio esteja ao virar da esquina”.
Gerar valor e estratégia para a internacionalização
Celeste Hagatong, presidente da COSEC, Frederico Vaz, CTO da A-to-Be, powered by Brisa, Nuno Rangel, CEO da Rangel Logistics Solutions e Amílcar Monteiro, administrador delegado da IP Engenharia, formaram o último painel do dia, subordinado ao tema “Gerar valor e estratégia para a internacionalização”.
A presidente da COSEC realçou aos presentes que esta empresa especializada é responsável por seguro de crédito e seguro de caução sobre exportações na ordem dos 20 mil milhões de euros, dos quais 50% são sobre o mercado interno e outros 50% sobre o mercado externo. “Este foi o valor mais alto de sempre que atingimos, o que quer dizer que, de acordo com a procura que temos, vamos aumentando a nossa atividade”. Também os seguros de crédito com garantia de risco estão a registar os valores mais altos. “Há 10 anos tínhamos 500 milhões de responsabilidades e atualmente temos mil milhões”, disse. Algo muito importante, porque tem sido, no entender de Celeste Hagatong, muito importante para as exportações de muitos produtos se manterem em mercados dos Países Oficiais de Língua Portuguesa, nomeadamente Angola.
Frederico Vaz, CTO da A-to-Be, empresa que atua na gestão de ativos, e na aquisição de ativos em países como a República Checa, Holanda, Brasil, Índia ou Estados Unidos, explica que, “com esta gestão de ativos, aproveitamos para exportar conhecimento, pessoas e aplicar nessas geografias”. Tudo isto levou basicamente a que as entidades externas começassem a melhor conhecer Portugal e as empresas portuguesas. Além disso, disse Frederico Vaz que todo este processo de internacionalização só foi possível graças ao que de resto já havia sido comentado em outros painéis: parceiros.
A Rangel começou a sua atividade nos anos 80, com apenas uma atividade: a aduaneira. Mas com os desafios da economia portuguesa e dos clientes foram sendo criadas várias soluções, desde marítimo a operações logísticas. “Isto foi aparecendo de forma natural. Portugal recuperou de uma fase difícil e muito devido às exportações”, disse Nuno Rangel. A empresa leva mercadorias para 204 países, claro que países como França, Espanha, Alemanha, Estados Unidos ou China está sempre presente, mas Nuno Rangel lembra que, em 2018, países como a Serra Leoa, Guatemala, ou a Síria começaram a fazer parte do portefólio da empresa. “Para acrescentar valor, temos especialistas por modo aduaneiro e também por região do mundo ou mesmo país. Ultimamente temos apostado em especialização por indústrias”.
A terminar, Amílcar Monteiro, administrador delegado da IP Engenharia, lembrou na sua intervenção a importância dos serviços que muitas vezes originam todo um conjunto de negócios a jusante, sustentando o facto de o projeto Faixa e Rota, ou Belt & Road, ser considerado incontornável em Portugal.
Investimento privado é determinante na economia
Augusto Santos Silva, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, fechou o encontro, salientando as responsabilidades do Governo do ponto de vista das políticas públicas, mas também da concertação entre as autoridades, os serviços e os instrumentos públicos e privados. “Os últimos valores referidos a 30 setembro sobre as exportações portuguesas indicam um crescimento, embora o ritmo tenha abrandado em relação a anos anteriores”.
Augusto Santos Silva falou aos presentes no ganho de quotas de mercado, para além do desenvolvimento do modelo de crescimento económico assente sobretudo na contribuição do investimento privado e exportações, “embora tenha também sido alavancado por um progresso da procura interna e do investimento público.” No entanto, destacou o peso do investimento privado das exportações tem sido “determinante no crescimento da economia portuguesa”.
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