Mais de metade das empresas da bolsa não avalia desempenho dos próprios gestores

Modelo de autorregulação de boas práticas de gestão das cotadas foi, pela primeira vez, alvo de avaliação. Tem nota positiva, com elevados níveis de adoção e acolhimento, mas ainda há pontos em falta.

O desempenho dos administradores das cotadas da bolsa de Lisboa não é alvo de avaliação dentro da empresa, em mais de metade dos casos. Esta é uma das recomendações do novo Código de Governo das Sociedades (CGS), que entrou em vigor no início de 2018. O primeiro relatório anual de monitorização revela níveis elevados de cumprimento, mas ainda há pontos em que as cotadas falham.

“O órgão de administração está habituado a avaliar quem está abaixo. O que se está aqui a pedir é um exercício sério de autoavaliação e não é uma prática que seja corrente nas empresas“, explicou Pedro Maia, presidente da Comissão de Acompanhamento e Monitorização do CGS 2018, em declarações ao ECO. “Esta é uma das matérias que é cultural. Vamos lá chegar sem drama nenhum”.

O primeiro Relatório Anual de Monitorização do Código de Governo das Sociedades indica que o acolhimento da recomendação sobre a autoavaliação anual do desempenho do órgão de administração como um todo é de apenas 50% no total de emitentes e de 56% nas cotadas do PSI-20.

Já a avaliação do desempenho das comissões do órgão de administração — que são compostas por administradores também e é, portanto, uma avaliação igualmente interna, mas dos pares — foi cumprida em apenas 31% dos emitentes e 36% no PSI-20. A avaliação do desempenho de administradores delegados atingiu os 46% no total e 47% no PSI-20.

"O órgão de administração está habituado a avaliar quem está abaixo. O que se está aqui a pedir é um exercício sério de autoavaliação e não é uma prática que seja corrente nas empresas. Esta é uma das matérias que é cultural.”

Pedro Maia

Comissão de Acompanhamento e Monitorização do CGS 2018

Assim, a média de acolhimento das várias sub-recomendações relacionadas ao desempenho ficam abaixo de metade, o que o responsável pela monitorização do código considera estar associado à concentração de capital em Portugal.

Em empresas em que o capital é muito concentrado — como é o caso da larga maioria em Portugal –, implicitamente assume-se que quem vai fazer essa avaliação, tomando as decisões consequentes, é o acionista. Mas na verdade, uma coisa não dispensa a outra e o conselho de administração tem de fazer este exercício. O caminho tem de se fazer”, sublinhou Maia.

É esta uma das novas recomendações do código do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), que em janeiro de 2018 substituiu o código de governo das sociedades da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Há muitas semelhanças, mas este é mais extenso e, por isso, os resultados da primeira monitorização não são comparáveis com os anteriores relatórios do supervisor dos mercados.

Na prática, a mudança implicou que a CMVM mantém responsabilidades pela supervisão do cumprimento da hard law, ou seja, regras obrigatórias que estão sobretudo plasmadas no Código de Valores Mobiliários, como o dever de divulgação de informação correta por parte dos emitentes, por exemplo. Mas a monitorização do cumprimento de recomendações de boas práticas na gestão de empresas (soft law) passou para o IPCG.

32 emitentes adotaram novo código. Cumprimento ascende a 78%

A adesão ao código é voluntária e, em cinco dezenas de cotadas na bolsa de Lisboa, 32 foram incluídas no relatório. Foram excluídas as sociedades anónimas desportivas (SAD) porque têm exercícios com tempos diferentes e as empresas que decidiram não adotar o novo código. Entre as 18 que compõem o PSI-20, todas o fizeram.

O cumprimento médio das recomendações ascendeu a 78% no total e a 84% no caso apenas do PSI-20. “As empresas tiveram um desafio que foi o facto de, na verdade, não terem conhecido o código para 2018 antes do próprio ano, o que explica que esperemos que no próximo ano o nível de adoção seja maior”, afirmou Maia, sublinhando que o resultado é já “francamente bom” e que não é expectável que o cumprimento atinja 100%.

O presidente da Comissão de Acompanhamento e Monitorização refere que os resultados mostram que o mercado não é homogéneo, sendo que é “visível” que as empresas do PSI-20 são mais cumpridoras.

Entre as políticas que revelarem níveis mais elevados de adoção estão o whistleblowing (91%), para efeitos de deteção e prevenção de irregularidades. No mesmo nível (90%), destaca-se a concentração de poderes nos órgãos de administração, no que diz respeito à definição da estratégia e principais políticas da sociedade e, nos 72%, os indicadores relativos à gestão de risco como a correta identificação, fixação de objetivos e concretização.

"Os indicadores revelados por este relatório demonstram uma evidente adesão das empresas emitentes ao código e o seu alinhamento com as melhores práticas internacionais de governo societário.”

Pedro Maia

Comissão de Acompanhamento e Monitorização do CGS 2018

Em sentido contrário, apenas 50% dos órgãos de fiscalização avalia o cumprimento dos planos estratégicos determinados e 48% das sociedades analisadas tem um número de administradores independentes aquém do recomendado, ou seja, não totalizam, pelo menos, um terço dos administradores executivos.

Pedro Maia explica que, além do pouco tempo que limitou a adoção das recomendações (associado a casos particulares em que as cotadas se preparam para eleger novos mandatos dos órgãos sociais), há ainda a questão de esperarem uma nova lei. A transposição da segunda diretiva europeia dos acionistas para a legislação portuguesa está ainda por terminar.

A diretiva vai alterar essencialmente temas como as partes interessadas e remuneração dos órgãos sociais pelo que a comissão considerou que as cotadas poderão ter decidido não adotar as mudanças introduzidas no código para fazerem todas as alterações juntas.

Acrescentou que há ainda temas “a que vamos chegar, mas que ainda estamos a caminhar” como é o caso do órgão de fiscalização e dos independentes e não executivos, que dada a concentração do capital num acionista, vê como percetível que as empresas, que não são obrigadas a fazê-lo, escolham não eleger uma elevada percentagem de administradores independentes e não executivos. “Já era assim. Não é uma situação nova deste código”.

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