Dos patrões aos adeptos das touradas. Ninguém gosta deste Orçamento
Partidos, patrões, sindicatos, imobiliário, automóvel, adeptos das touradas e até fornecedores de equipamentos médicos. Todos criticam a proposta de Orçamento do Estado de 2020.
Pouco mais de 48 horas após a entrega na Assembleia da República da proposta de Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), são muitas as críticas ao documento. O grosso dos partidos ainda não manifestou qual será o seu sentido de voto ao documento que irá reger a vida dos portugueses ao longo do próximo ano, mas falam em “pequenas medidas”, “insuficiências”, criticam o excessivo foco no excedente orçamental, ao mesmo tempo que atiram ainda contra a pesada carga fiscal. Os patrões e os sindicatos também não poupam a proposta apresentada pelo ministro das Finanças, Mário Centeno.
Do lado das empresas, imperam as críticas à falta de estímulos, enquanto os sindicatos falam em perda de poder de compra devido aos magros aumentos da Função Pública. Mas há vários setores de atividade a lançarem “farpas” à proposta de orçamento. Imobiliário, automóvel, fornecedores de equipamentos médicos e defensores das touradas queixam-se sobretudo de mais impostos.
Partidos dizem que proposta é “insuficiente”
O grosso dos partidos ainda não manifestou o seu sentido de voto, mas as críticas à proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano são transversais à esquerda e à direita. O Bloco de Esquerda diz que o Orçamento é “insuficiente”, com Mariana Mortágua a criticar o excedente e a dizer que com esta opção o Governo “compromete os investimentos que podem fazer poupanças seguras e que podem ajudar a reforçar os serviços públicos”. Já o PCP diz que a proposta tem de “ser aprofundada” e afirma ainda ser lamentável que o “Governo opta por anunciar intenções em vez de concretizar os avanços que a realidade reclama”. Por sua vez, o PAN refere que o OE2020 é “pouco ambicioso” e que os problemas do país “não se resumem à tauromaquia“.
À direita, o PSD declara que orçamento é “de continuidade por más razões”, assegurando que o seu caminho deveria ser de redução da carga fiscal. “Este orçamento é claramente um orçamento de continuidade como disse o primeiro-ministro e bem: continuidade na carga fiscal, que aumenta mais uma vez. É um erro, um caminho diferente do que nós seguiríamos”, afirmou Afonso Oliveira, deputado social-democrata. A elevada carga fiscal é também o foco principal das críticas tanto do CDS como do Iniciativa Liberal.
Patrões queixam-se de falta de estímulos
Do lado dos patrões, o coro de vozes não está em sintonia com a proposta de Orçamento do Estado, onde sobressaem as queixas de falta de estímulos às empresas. O presidente da CIP, António Saraiva, considera que o documento poderia ter sido “um pouco mais ambicioso” e ter “ido mais além” nesse campo. Reclama que “não houve qualquer evolução na redução progressiva do IRC”, embora reconheça “melhorias de forma pouco ambiciosa”, nomeadamente em matéria de lucros retidos e reinvestidos e nas tributações autónomas. A Associação Empresarial de Portugal (AEP), por sua vez, fala em falta de “estratégia clara e integrada” no documento com vista à melhoria da competitividade das empresas, queixando-se que, nas opções apresentadas, “mais uma vez a evolução positiva das contas públicas continuar a não ser suficientemente partilhada com as empresas”.
Já os patrões do setor do comércio, representados pela Confederação do Comércio de Portugal (CCP), dizem que o Governo “acena com algumas medidas avulsas” quanto à fiscalidade que recai sobre as empresas, mas acrescentando que tal é feito de “forma tímida e insuficiente e sem impacto decisivo” nas condições de competitividade.
Sindicatos criticam “obsessão com o défice”
O aumento de 0,3% dos salários dos funcionários públicos e o aumento de pensões até 0,7% destacam-se nas críticas dos sindicatos que falam em perda de poder de compra para os trabalhadores.
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, considerou que a proposta do OE2020 ficou aquém das expectativas, não corresponde às necessidades dos trabalhadores e vai diminuir o poder de compra das pessoas. “Não conseguimos entender que o OE não tenha efetivamente um valor para aumentos salariais depois de dez anos ininterruptos sem aumentos salariais para a administração pública”, disse Carlos Silva. O secretário-geral da UGT considera assim que OE2020 “é miserabilista e pouco ambicioso”. Manda ainda uma farpa ao Governo relativamente ao excedente. “É mais importante apresentar 0,2 de superavit no Orçamento do que dar uma partilha desse superavit para quem trabalha arduamente, nomeadamente nos serviços públicos”, disse.
Também Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, destaca a “obsessão pelo excedente” orçamental, classificando a proposta de Orçamento de “completamente desequilibrada e contraditória” e que está a “oferecer aos trabalhadores da administração pública uma atualização salarial que os leva a perder poder de compra”. No entendimento do secretário-geral da CGTP, as propostas continuam a “não responder a um problema de fundo que os desempregados têm, ou seja, que mais de metade não tem qualquer proteção social”.
Entretanto, os sindicatos já estão a posicionar-se no sentido de assumirem ações de protesto mais duras. Depois de a Frente Comum (afeta à CGTP) ter anunciado esta quinta-feira que vai fazer uma manifestação nacional da Administração Pública a 31 de janeiro, a Fesap (afeta à UGT) estará a prepara-se para anunciar uma greve nacional da Função Pública para o mesmo dia.
Imobiliário. “Atentado” e “dúvidas”
O agravamento da taxa de IMT — Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis — é uma das principais novidades do Orçamento do próximo ano no setor do imobiliário. Em causa está o pagamento de uma taxa de 7,5% nas transações de imóveis de valor superior a um milhão de euros, medida que merece críticas. “Mais um atentado ao imobiliário”, foi como o presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI) classificou a medida, considerando que irá provocar o aumento do preço das casas e uma “maior propensão para a evasão fiscal”, lembrando que a fiscalidade sobre o setor imobiliário já representa mais de 30% do preço final das casas.
Já no segmento do arrendamento, proprietários e inquilinos dizem ter “dúvidas” sobre aquele que será o impacto da isenção de tributação dos rendimentos prediais em sede de IRS e IRC de programas municipais de renda acessível. O presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, lembra as “dificuldades de implementação” do Programa de Arrendamento acessível. Por sua vez, o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, apoia a proposta, dizendo ser “uma forma, também, de dinamizar o mercado de arrendamento”, mas lembra o Governo de que tem de “calcular melhor o que é uma renda acessível”, advertindo que a atual fórmula de cálculo impede a maior parte das famílias de concorrer às casas do Programa de Arrendamento Acessível.
O Governo também pretende isentar de mais-valias as casas que abandonem o regime de Alojamento Local e sejam colocadas no arrendamento habitacional por cinco anos consecutivos. Contudo, a Associação de Alojamento Local (ALEP) considera que a medida poderá ter o efeito contrário ao desejado. “Os programas de incentivo à migração para o arrendamento devem ser feitos pela positiva, sem condições injustificadas e, acima de tudo, devem procurar conquistar a confiança dos agentes que estão cansados das constantes mudanças das regras do jogo”, reclama Eduardo Miranda, presidente da ALEP.
Já os representantes do setor da hotelaria e restauração estão insatisfeitos com a medida incluída no OE2020 que agrava a tributação para os estabelecimentos de alojamento local em zonas de contenção. A AHRESP diz que esse agravamento fiscal é “totalmente despropositado, discricionário e penalizador” para uma atividade económica “da maior relevância na recuperação económica”.
Automóvel? “Pretexto ambiental para mais receita”
O Governo decidiu rever as tabelas de Imposto Sobre Veículos (ISV) na proposta de OE2020. Atualizou à taxa de inflação tanto as componentes da motorização como a ambiental, sendo que introduziu algumas alterações que vão, de acordo com o Automóvel Club de Portugal (ACP), agravar o imposto sobre a generalidade dos modelos em comercialização no mercado nacional. “O ISV regista aumentos muito superiores à inflação, sendo novamente penalizador da renovação de um dos mais envelhecidos e poluentes parques automóveis da União Europeia“, reagiu o ACP.
Além dos encargos com o ISV, o ACP critica também as mexidas no Imposto Único de Circulação. Na proposta de Orçamento do Estado para 2020, o Governo decidiu atualizar as tabelas de imposto à inflação, agravando os custos para os donos desses veículos. Ao mesmo tempo, manteve o adicional ao IUC que recai sobre os automóveis com motores a diesel. Diz que “se regista um aumento encapotado“, isto porque aos “0,3% da inflação, soma-se a componente ambiental que faz manter a penalização nas viaturas a gasóleo, prejudicadas fiscalmente por emitirem menos CO2”. “Assiste-se a um pretexto ambiental para mais uma receita fiscal imediata e fácil”, complementou o ACP.
O agravamento de 10% no imposto de selo no crédito ao consumo — única via para muitas famílias poderem adquirir viatura própria — também mereceu a crítica da entidade liderada por Carlos Barbosa.
Touradas a pagar mais IVA? É “um assalto fiscal”
Uma das medidas previstas pela proposta do OE2020 é a subida do IVA nas touradas, da atual taxa mínima de 6% para 23%. Não tardaram a surgir as críticas à medida. A Federação Portuguesa de Tauromaquia – Protoiro considerou que essa subida do IVA nas touradas é “um ato de censura, inconstitucional e ilegal” e “um assalto fiscal”, acrescentando que “o Governo socialista não quer saber verdadeiramente do tema do IVA — a agenda oculta é tentar proibir a tauromaquia, mas não há coragem política de o admitir”.
Quem também já veio a público criticar a medida foi o histórico socialista Manuel Alegre. “Trata-se de impor uma ditadura de algum modo e eu sou contra todo o tipo de ditaduras, estou sempre a favor da liberdade. O PS, ao estar do lado do PAN e do BE, não está do lado da cultura e de uma tradição nacional e ibérica”, afirmou ao Expresso. Disse ainda que “com medidas como esta, o PS faz um favor à extrema-direita”, classificando a decisão de “enorme erro político”.
Contribuição extra aos dispositivos médicos ameaça qualidade
À semelhança da banca e do setor da energia, o Governo também propõe no Orçamento para o próximo ano a introdução de uma contribuição extraordinária a aplicar aos fornecedores de dispositivos médicos para o Serviço Nacional e Saúde (SNS). E o setor não tardou a reagir. “Se avançar, este novo imposto levará à descontinuação de um grande numero de produtos, à diminuição da qualidade e da quantidade de serviços e de suporte técnico prestados e à certa disrupção de fornecimento de dispositivos médicos ao SNS com o respetivo impacto preocupante e negativo para o doente, para os profissionais de saúde e com impacto na saúde pública”, alertou João Gonçalves, secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Dispositivos Médicos (APORMED).
A entidade disse ainda não se responsabilizar por possíveis falhas no SNS que sejam consequência direta desta contribuição extraordinária, “aplicada a um setor que, nos últimos anos, foi severamente castigado por medidas administrativas desta natureza que têm conduzido a uma degradação das condições de fornecimento de dispositivos médicos”.
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