Isabel dos Santos e o milagre das rosas

O Luanda Leaks vem mostrar aquilo que já todos sabiam: Isabel dos Santos não é santa, mas faz milagres. E que os reguladores em Portugal, incompetentes como são, não sabiam da missa a metade.

Na lenda do Milagre das Rosas, a Rainha Santa Isabel tornou-se célebre pela sua imensa bondade. Até que um dia, o rei, já irritado por ela andar sempre com os pobres, proibiu-a de dar mais esmolas. Certo dia, vendo-a sair furtivamente do palácio, foi atrás dela e perguntou o que levava escondido por debaixo do manto. Era pão. Mas ela, aflita por ter desobedecido ao rei, exclamou:

– São rosas, Senhor, são rosas!

– Rosas, em janeiro? Duvidou o rei.

De olhos baixos, a rainha Santa Isabel levantou o manto, e o pão tinha-se transformado em rosas.

Se esta história tivesse acontecido em Angola, o 165.º país mais corrupto do mundo, a rainha seria Isabel dos Santos mulher, não de D. Dinis, mas de D. Dokolo. Ao contrário de Santa Isabel, Isabel dos Santos não deu dinheiro aos pobres; espalhou as esmolas pelas suas contas bancárias na Suíça, Dubai, Malta e outros tantos paraísos… fiscais.

Isabel dos Santos não é Santa, mas faz milagres. Segundo as revelações feitas pelo Luanda Leaks, a empresária não transformou pães em rosas, mas terá transformado comissões em remuneração, dividendos em salários, empréstimos em capital e até dólares em kwanzas.

Estes são os cinco principais milagres revelados pelo Luanda Leaks:

  1. A empresária, já quando estava de saída da presidência da Sonangol, terá aprovado uma transferência de 58 milhões de dólares para uma empresa que era detida e gerida por pessoas que lhe eram próximas;
  2. Na Galp, os documentos mostram que ela pagou parte do capital com um empréstimo da Sonangol, com juros baixos e um período de carência de 11 anos. Depois, quando a própria chegou à presidência da Sonangol, terá aceite que ela (enquanto devedora) pagasse o empréstimo à Sonangol (enquanto credora presidida por Isabel dos Santos) em kwanzas e não em dólares. Não transformou água em vinho, mas transformou dólares em kwanzas;
  3. O negócio dos diamantes é semelhante. O marido de Isabel dos Santos faz uma parceria 50%/50% com a estatal angolana Sodiam que entra com 79 milhões no negócio enquanto ele coloca apenas 4 milhões. E o dinheiro com que a Sodiam entrou no negócio pediu-o emprestado a um banco, de Isabel dos Santos claro está, pelo qual ela cobrou um juro de 9%;
  4. O Luanda Leaks também revela um negócio ruinoso para os angolanos de compra de terrenos com vista para o mar na capital angolana que foram parar às mãos de Isabel dos Santos, graças a um decreto presidencial do pai. Deveria ter pago 96 milhões de dólares, mas aparentemente só desembolsou 5% da verba. As famílias que tinham casas nesses terrenos foram despejadas e, revela a BBC, vivem agora em condições desumanas nos arrabaldes de Luanda;
  5. O último milagre é o da multiplicação. Isabel dos Santos é acionista da Unitel com 25% e criou uma outra empresa ao lado com um nome semelhante, a Unitel International Holdings, da qual é dona. A Unitel emprestou à Unitel International Holdings 350 milhões de dólares, sendo que o documento do empréstimo foi assinado pelo credor (Isabel dos Santos, acionista da Unitel) e pelo devedor (Isabel dos Santos, dona da Unitel International Holdings).

Ao pé destes cinco milagres, transformar pães em rosas é coisa para principiantes. E quem diz que os (Dos) Santos da casa não fazem milagres, engana-se.

Nestes negócios de Isabel dos Santos, muitos milhões passaram por Portugal. Aliás, os tais 58 milhões de dólares que foram transferidos em 24 horas para o Dubai saíram de uma conta da Sonangol no EuroBic, banco liderado por Teixeira dos Santos. Se tudo o que revelam o Luanda Leaks e a Ana Gomes for verdadeiro, o sistema financeiro português funcionou como uma gigantesca máquina de lavar. A passividade dos banqueiros envolvidos e dos reguladores incompetentes foram o detergente e o amaciador que permitiram a Isabel dos Santos passear pelos corredores do poder sem uma única nódoa.

Como é que é possível que a lei de prevenção contra o branqueamento de capitais obrigue a que um cidadão exemplar seja chamado a um banco para dar explicações por ter feito uma transferência de 10 mil euros para a conta do filho que foi estudar no estrangeiro (este caso é verídico) e, no caso de Isabel dos Santos, uma transferência de 58 milhões de dólares em 24 horas, não tenha feito soar um único alarme, nem tenha feito ninguém franzir o sobrolho, seja no EuroBic, seja no Banco de Portugal?

O Banco de Portugal veio dizer que “segue as melhores práticas internacionais no domínio da prevenção do branqueamento de capitais”. Imaginem se não seguisse? O EuroBic, numa tentativa desesperada de não sair mal na fotografia, revela que vai fazer uma auditoria à transferência de dinheiro para o Dubai. Agora? A PWC, que ganhou milhões em trabalhos de consultoria, auditoria e aconselhamento fiscal a empresas de Isabel dos Santos, anuncia que cortou relações com a angolana e que vai fazer uma auditoria interna para perceber o que se passou? Agora? A CMVM, que tem a responsabilidade de avaliar o trabalho das auditoras, está a fazer aquilo que melhor sabe fazer, fingir-se de morta. O advogado Jorge Brito Pereira, sócio da Uría Menéndez de Proença de Carvalho, afirma que se limitou a constituir uma sociedade para onde foram parar os milhões de Isabel dos Santos, mas que não tem nada a ver com o assunto.

Isto sim é um verdadeiro milagre. Ninguém viu nada, ninguém sabe de nada, ninguém teve nada a ver com o assunto.

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