“Precisamos de parceiros para o offshore. No resto já somos líderes”

EDP e Engie juntaram-se para apostar na energia eólica offshore, um mercado que vai ter um forte crescimento. A joint-venture permitirá a escala necessária para atacar novos projetos a nível global.

A joint venture para a energia eólica offshore, anunciada há meses, está fechada. EDP e a Engie “casaram” o negócio de energia a partir do vento, mas com turbinas “plantadas” no mar, ficando com 50% cada uma. É um negócio em partes iguais, comandado pelos portugueses. Em entrevista ao ECO a publicar na íntegra na próxima segunda-feira, 27 de janeiro, António Mexia explica que só com esta parceria será possível ganhar escala nestas renováveis offshore, segmento em que espera chegar, “no mínimo, ao top 5 mundial”.

A EDP, através da EDP Renováveis, da qual controla 82,5% do capital, e a Engie vão combinar ativos eólicos offshore e projetos em desenvolvimento na nova entidade, começando com um total de 1,5 gigawatts (GW) em construção e 3,7 GW em desenvolvimento. É “parceria natural porque muitos dos projetos que tínhamos já eram em conjunto”, diz o CEO da elétrica. E é uma parceria necessária, tendo em conta a dimensão dos projetos offshore.

“Nem no solar nem no onshore [eólico], eu preciso” de parcerias. “Para o offshore precisamos de uma coisa que não precisamos para o resto [que é a escala]. Não preciso para o resto. O resto já eu sou líder”, atira Mexia.

É uma aposta forte, acreditando num retorno também ele elevado, sendo que a meta é estar, a prazo, entre os cinco maiores deste negócio. “O offshore pode até ter mais peso [no crescimento da EDP] que o onshore, em termos de crescimento futuro”, remata.

Que parceria é esta com a Engie?

É uma parceria, exclusivamente, para o offshore, que é muito importante no contexto de aquilo que é esta visão global que temos para a entrega dos nossos compromissos na área das renováveis. Já cumprimos 77% dos nossos objetivos até 2022. Em março estávamos à volta dos 40% e poucos, portanto, diria que estes últimos nove meses foram nove meses extraordinários naquilo que é a capacidade de entrega da EDP. Com crescimento fortíssimo nos EUA, mas também na Colômbia, Brasil e Grécia. Um crescimento multi-geografia, multi-continente e também multi-tecnologia: onshore, mas também o solar. O solar vai ter um papel de liderança no nosso crescimento nos EUA.

 

A questão das renováveis é a seguinte: sempre fomos grandes no onshore. Confirmámos que temos esta capacidade de desenvolvimento e crescimento no solar. Capacidade de desenvolvimento e crescimento, que é importante. Desenvolver e não…

António Mexia, CEO da EDP, em entrevista ao ECO - 22JAN20
Hugo Amaral/ECO

Estamos a falar da Galp, que acabou de comprar uma empresa de energia solar em Espanha por 450 milhões?

Não… Apenas de desenvolvimento e crescimento… E era muito importante uma área que acreditamos que vai ser absolutamente crítica que é o offshore. Porquê? Questões ambientais, dificuldade em encontrar sítios onshore, mas também por aquilo que tem sido a sua curva de aprendizagem, brutal. Tivemos o caso inglês em que há quatro anos estávamos perante números [preços] de três dígitos. Depois caíram dos cento e tal para os 70 e no último leilão ficaram abaixo das 40 libras. Isto mostra — obviamente que há o contexto de taxas de juro — aquilo que é a competitividade, a curva de aprendizagem no offshore que acho que foi muito significativa.

O offshore pode ter tanto peso como o onshore?

Sim. O offshore pode até ter mais peso que o onshore, no crescimento futuro. Há países que poderão só ter isso. Por exemplo, no Japão. Haverá um conjunto de países que, por razões óbvias, terão enormes dificuldades em fazer [produção de energia eólica] onshore. E muitas vezes o offshore, como é o caso dos EUA, tem uma vantagem sobre o onshore que é que está mais perto dos lugares de consumo. Foi o que aconteceu no caso deste projeto grande que ganhámos nos EUA, de 800 MW, em Massachusetts. Em vez de trazer [a energia produzida pelo] vento de longe, trago-o de perto com o offshore porque o que eu poupo pela distância, mais do que compensa o custo mais elevado de investimento no offshore.

Qual é a diferença do offshore face ao onshore em termos de investimento?

Ao contrário do onshore, mas também do solar, é a escala dos projetos. São projetos de grande escala. Não estamos a falar nunca de 1 MW, nem de 10 MW. São projetos de grande escala. Sempre! Havendo o sítio, havendo a capacidade de ligação, temos o mar. Depois, do lado dos fornecedores, há uma grande concentração, o que faz com que do lado dos players seja preciso que sejam grandes. Grandes para terem capacidade de abordar projetos grandes. Tem que se ser relevante. E nós queremos ser, no mínimo, top 5 no mundo.

Com esta nova empresa…

Sim, nesta nova empresa [uma joint-venture com a Engie]. É uma empresa que começa com 1,5 GW em construção e 3,7 GW em desenvolvimento. Estamos a falar de cerca de 5 GW, 5.000 MW. E em conjunto [com a Engie], vamos abordar novos mercados. É uma parceria que nos dá escala e é uma parceria natural porque muitos dos projetos que tínhamos já eram em conjunto.

Mas, porquê a Engie?

Porque muitos dos projetos que tínhamos já eram em conjunto. Já estávamos juntos em França. As equipas já trabalhavam em conjunto. E isto tem outra coisa. Nós no offshore, ao contrário dos outros projetos, nunca se quer, “ao fim do dia”, consolidar [nas contas]. Com um parceiro consegue-se mais facilmente ter o controlo sem necessariamente ter de consolidar. O modo de funcionamento, a escala, o poder de negociação e o modo de desenvolvimento são radicalmente distintos do resto das renováveis.

Pela dimensão…

É muito maior. Só se consegue [competir neste mercado] com muita capacidade financeira. Obviamente gostamos de desenvolver e, depois, vender uma parte [dos projetos], mas aqui [no offshore], temos mais poder de fogo. As equipas vão ser muito maiores, temos mais gente, em mais países.

Vamos abordar também o Japão, a Coreia do Sul, ou seja, mercados que são mais difíceis. Assim também há diversificação do risco, isto porque podemos ir a mais mercados.

A Engie dá escala nos EUA. E os franceses ganham acesso a este mercado em que não estavam presentes.

Claro. Mas nós também ganhamos acesso a mercados onde não estávamos como era o caso dos offshores onde eles já estavam na Europa. E vamos em conjunto para novos mercados. A ideia é: para o offshore precisamos de uma coisa que não precisamos para o resto [que é a escala]. Não preciso para o resto. O resto já eu sou líder.

Como é que vai ser a liderança da nova empresa?

Nós iremos ter a liderança executiva. É natural. Nós começámos isto primeiro. E a sede será em Madrid, o que quer dizer muito [já que a sede da EDP Renováveis é na capital espanhola]…

Hoje temos uma EDP, uma EDP Renováveis e, agora, uma EDP Renováveis offshore…

…tal como tenho, em muitos dossiês, parceiros. Aliás, isto não muda nada porque eu já os tinha. Caso a caso, já andava à procura de parceiros, pela dimensão e pela necessidade de fazer o de-risking [redução do risco] das operações. Aliás, em França, já estava com eles [Engie], em Inglaterra já tinha procurado outros parceiros, obviamente pela escala dos processos. Agora, esta joint-venture dá-me um pouco mais de velocidade…

Mas não é difícil gerir parceiros como os chineses, os franceses… Como é que os investidores olham para estas parcerias?

O mercado gosta… basta ver o que tem acontecido às ações da EDP. Em março, dissemos ao que vínhamos, quando ainda estava viva a OPA da CTG, e comprometemo-nos com objetivos. Temos muito mais crescimento do que estava prometido nas renováveis, temos mais farm downs e com melhores spreads do que era esperado, e conseguimos dar visibilidade ao processo de alienação de ativos da Península Ibérica. Em nove meses, entregámos os principais pilares que os investidores queriam ver entregues, ou seja, crescimento, rebalanceamento dos ativos e, aqui, nesta operação, vêm o desenvolvimento de projetos que serão mais importantes até para o pós-2022. Estamos a lançar as bases de crescimento, que considerámos exponencial, no offshore para além desse plano.

Em nove meses, entregámos os principais pilares que os investidores queriam ver entregues, ou seja, crescimento, rebalanceamento dos ativos e, aqui, nesta operação, vêm o desenvolvimento de projetos que serão mais importantes até para o pós-2022.

António Mexia

Presidente executivo da EDP

No mundo de hoje, as parcerias são essenciais, e em tudo, aliás. Ou seja, a mudança de modelos de negócio, como se captura valor é muito diferente do passado e toda esta revolução de descentralização, de sistema centrado nos consumidores, em que componente digital é fundamental — e vai desde a gestão de manutenção de parques, passando pela gestão das pessoas, e alterações importantes no storage, na mobilidade elétrica, nas redes, tudo isto exige parceiros totalmente diferentes. O modelo de “fazemos sozinhos e fazemos para fora” acabou.

Por exemplo, como é que se estrutura o negócio da mobilidade? O digital? Temos de ter parcerias, e parcerias abertas. Obviamente, isto não é um mercado aberto, não é um food court, mas tenho de perceber que competências temos de ter, porque os mercados são hoje completamente diferentes. O mundo mudou.

A grande vantagem da EDP, que já demonstrou no passado, é que antecipou as renováveis e só isso é que permitiu que uma companhia baseada em Lisboa se tenha tornado líder mundial. Ajuda que os outros estejam distraídos, que nós não estejamos e que os outros estejam. Ajuda… Agora, toda a gente tem uma palavra na boca: renováveis. Mas ter uma palavra na boca não custa nada, a questão é saber como se cria valor e o que é que isso implica.

Os investidores antecipam, com este acordo, que a EDP está a fazer um casamento com outro parceiro, a Engie. A CGT, quando entrou no capital da EDP, anunciou também uma parceria estratégica…

A CTG também é nossa parceira no offshore, mas também tem projetos offshore na Alemanha…

António Mexia, CEO da EDP, em entrevista ao ECO - 22JAN20

Então, esta nova empresa não pode ir para a Alemanha?

O nosso objetivo não é esse, poderemos sempre coordenar… O que é claro é que estas duas companhias conseguem uma coisa que eu dificilmente conseguiria com outras. Consigo coordenar esforços. Como esta parceria se restringe ao offshore e como a CTG tem parques offshore em que não somos sócios, isto gere-se com naturalidade, sabendo-se sempre que os parceiros, quando fazem parcerias, é porque alguma coisa é boa, neste caso para a EDP.

"A grande vantagem da EDP, que já demonstrou no passado, é que antecipou as renováveis e só isso é que permitiu que uma companhia baseada em Lisboa se tenha tornado líder mundial.”

António Mexia

Presidente executivo da EDP

As petrolíferas estão a apostar nas renováveis, têm dinheiro. Poderiam ser parceiros mais interessantes do que a Engie, porque dependeriam mais da EDP e das suas competências?

A Engie permite precisamente ter o upside da parceria sem ter nenhum problema da sua gestão a médio e longo prazo, e não ter ao meu lado uma empresa com uma capitalização de mercado dez ou vinte vezes superior ao nosso. Cada vez que fazemos propostas para um projeto, temos de saber como é que o vamos gerir, que níveis de risco e de retorno é que queremos. É bom que, nestes projetos muito grandes, estejamos com um parceiro que tenha a mesma filosofia.

E defrontar gigantes como a BP e ou Shell… Há “poder de fogo”?

Estamos a concorrer, por isso é que ganhámos escala. A EDP tinha a dimensão que tinha e tornámo-nos líderes mundiais nas renováveis. Não basta ter “poder de fogo”, é preciso saber fazer. Não tenho dúvidas que a nossa equipa de renováveis é reconhecida no mundo como uma das melhores developers e é capaz de entregar o que se compromete. Mesmo a vitória nos EUA [no projeto de Massachusetts] mostra como num mercado onde já estavam outros grandes jogadores, conseguimos ser competitivos, e esta é uma coisa que não se consegue apenas a atirar dinheiro para os projetos. A complexidade do mundo de hoje ajuda quem consegue estruturar projetos no meio desta complexidade. Quando as coisas são postas de forma mais óbvia, à vista de todos, e só dependem de quem dá mais ou cobra menos, são sempre mais difíceis. No negócio das renováveis, as companhias líderes também são capazes de estruturar as coisas de forma diferente.

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