IVA da luz. Propostas do PS e do PSD desafiam todas as leis de Bruxelas
A análise técnica que Bruxelas está neste momento a elaborar sobre o IVA variável na eletricidade em Portugal corre o risco de cair por terra em função do resultado da votação do OE até quinta-feira.
Indiferente à polémica instalada em Portugal nas últimas semana em torno do IVA da luz, “o Conselho Europeu está neste momento a debater a nível técnico” a proposta já enviada a Bruxelas pelo Governo de António Costa para fazer variar as taxas deste imposto aplicadas em função de um maior ou menor consumo de eletricidade.
A confirmação foi dada ao ECO por fonte de Bruxelas, que tinha já avisado que a resposta final da Comissão Europeia só chegaria a Lisboa já depois da entrada em vigor do Orçamento do Estado para este ano.
Isto porque, disse a mesma fonte ao ECO, “a próxima reunião do Comité do IVA da Comissão Europeia só terá lugar em meados de março”, ou seja, já depois do Orçamento do Estado ser validado na especialidade pelo Parlamento e da sua entrada em vigor que deverá acontecer a 1 de março.
No entanto, a análise técnica que Bruxelas está neste momento a elaborar sobre o IVA variável na eletricidade em Portugal corre sérios riscos de cair por terra em função do resultado da votação do Orçamento do Estado na especialidade, que decorre até quinta-feira no Parlamento.
Na quarta-feira, terceiro dia de debate e votação, o tema da descida do IVA da luz estará em grande destaque no Parlamento, com o PSD, Bloco de Esquerda e PCP a ameaçarem com uma maioria negativa para conseguirem impor a redução do imposto, seja através da proposta dos sociais-democratas (que distingue entre uma taxa de 6% para os consumidores domésticos, já a partir de 1 de julho, e outra de 23% para empresas e indústria) ou da proposta dos bloquistas (baixar o IVA para 13% no segundo semestre de 2020, que cairia depois para 6% em 2022).
Caso um destes dois cenários seja aprovado, o Governo português terá de enviar para Bruxelas um novo pedido de consulta ao Comité do IVA da Comissão Europeia e a análise técnica em curso ao IVA variável do PS ficará pelo caminho.
De acordo com a mesma fonte de Bruxelas, o artigo 102º da Diretiva do IVA especifica que as taxas deste imposto sobre o consumo se devem situar entre um valor mínimo e um valor máximo. No entanto, antes de aplicar as taxas mais reduzidas a certos bens e serviços, como é o caso da eletricidade, do gás natural ou do aquecimento urbano, os Estados-membros “têm de consultar o Comité do IVA. Este processo de consulta é uma formalidade, já que o comité não pode aprovar ou rejeitar a medida proposta” (responsabilidade que cabe à comissão Europeia), podendo no entanto sublinhar “preocupações legais” ao nível do impacto fiscal, decorrentes da alteração.
À luz da lei, e da Diretiva do IVA da União Europeia, a opinião dos fiscalistas divide-se sobre as diferentes hipóteses em cima da mesa para o futuro do IVA da luz em Portugal.
Na visão de Hugo Salgueirinho Maia, especialista em IVA da consultora PwC, fazer variar as taxas em função dos escalões de consumo de eletricidade é “algo completamente inovador no contexto do IVA” e até mesmo “estranho do ponto de vista técnico”, porque “não existe em qualquer outro bem ou serviço”. Na restauração e na hotelaria, por exemplo, diferentes bens e serviços consumidos (desde a dormida, à alimentação e às bebidas) têm taxas de IVA também diferentes, mas na energia elétrica o bem consumido é sempre o mesmo, sublinha Salgueirinho Maia.
“Qualquer que seja a alteração [ao IVA da luz] tem de haver sempre o pedido à Comissão Europeia, via autorização legislativa. Introduzir escalões de consumo pode ser interessante, mas resta saber como se vai fazer na prática e legislar. Pode levantar questões em relação ao princípio da neutralidade fiscal do IVA, já que o consumo de um determinado bem ou serviço não deve ser prejudicado pelo imposto”, explicou o fiscalista ao ECO, sublinhando que a proposta do PS distingue entre “quanta eletricidade é consumida” (mais aceitável do ponto de vista técnico, mas mais discutível a nível social) e a do PSD distingue entre “quem consome”, famílias ou negócios (o que “faz pouco sentido porque o IVA para as empresas é dedutível e nunca é um custo”).
Já Afonso Machado Arnaldo, especialista em IVA da consultora Deloitte, lembra que em 2019 o Comité do IVA deixou passar o modelo de diferentes taxas de IVA em função da potência contratada porque já existia um caso semelhante em França. “O que se está a pedir agora é diferente e coloca o risco de termos taxas indexadas à quantidade do consumo, o que é coisa rara na Diretiva do IVA. É como cobrar 6% de IVA a quem bebe um litro de cerveja e 23% no caso de serem 1,5 litros. Não conheço outra situação em que a taxa de IVA possa variar dentro do mesmo produto consumido”, diz Machado Arnaldo, alertando para os “precedentes” que isto pode abrir para outros produtos (sobretudo alimentares) em que os países não estão obrigados a pedir autorização a Bruxelas.
Ainda que inédita, o fiscalista não rejeita a ideia de “o IVA deixar de ser cego e ganhar olhos”. “Num mundo ideal, quem tem menos posses devia ter uma taxa de IVA reduzida, como já acontece com o IRS. O futuro vai ser esse”, garante. Quanto à distinção entre consumidores domésticos e outros, os mais prejudicados seriam os municípios, bancos e hospitais, entre outros que não podem deduzir o IVA, como as empresas.
Por seu lado, Amílcar Nunes, associate partner da EY, continua a defender a “cegueira” do IVA sob pena de se introduzirem distorções graves na tributação. “Não se pode diferenciar os consumidores de forma artificial. O IVA deve ser cego e tributar apenas o ato de consumo. Com estas alterações o IVA corre o risco de se transformar num imposto especial de consumo, sob a lógica de consumidor/pagador. O IVA não deve ser utilizado como uma ferramenta legislativa, como está a ser”, rematou.
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