Os (velhos) abacates e a (nova) Arbitragem
Leia aqui o artigo de opinião do Of Counsel da Cardigos Advogados e membro do projeto 100 Oportunidades, Pedro Santos Azevedo, sobre a arbitragem.
Há palavras que, sem que se saiba bem porquê, carregam uma carga positiva que não permite a defesa de nada que as contrarie. Há outras, pelo contrário, que não têm direito a jogar, sequer, num level playing field. Se eu iniciar uma conversa sobre parcerias público-privadas (PPP), por exemplo, há uma grande probabilidade de alguém negar de imediato este modelo na sua globalidade, sem saber ao certo o que ele comporta, suportado pela mera circunstância de carregar consigo a força de todos os headlines e soudbytes que leu e ouviu. Descurará, porventura, que existem diferentes tipos de PPP, ou que uma coisa é uma PPP mal concretizada, outra coisa é o modelo teórico – que não é sequer único – ser errado, por si.
O mesmo acontece, aqui e ali, com tantos e tantos temas, também no sentido inverso: o abacate, por exemplo, é o apogeu e embaixador do trendy chic, que chegou há uns anos e parece vir para ficar. Até se começar a perceber que não só é maioritariamente importado, o que leva ao necessário transporte aéreo com a inerente poluição da atmosfera (além da poluição sonora) como é um dos alimentos que de mais água necessita e com uma maior pegada ecológica. Mas, mais curioso ainda: é dos alimentos consumidos em Portugal com um dos piores rácios valor nutricional/impacto ambiental e, no entanto – e aqui entra a parte curiosa – este facto é maioritariamente desconhecido por quem – e bem – se preocupa com o ambiente. Há, até, um estudo curioso em que o abacate aparece no pódio da maior discrepância entre a pegada ecológica real, efetiva, e aquela que os participantes no mesmo achavam que este tinha. Atenção, não me interpretem mal: eu adoro abacate e até tem aquela bolinha gira no meio que lhe dá mais piada. Mas vamos chamar as coisas pelos nomes: uma t-shirt com um abacate não é, racionalmente, um statement pro-ambiente.
Está, se calhar, na altura de ligar isto tudo à arbitragem. E essa ligação é feita de forma muito simples: tal como o abacate é fruto (no pun intended) do que se chamaria boa imprensa, e as PPP têm, em geral, uma péssima imprensa, a arbitragem, e motivado por alguns tempos menos felizes, ou por um avanço porventura demasiado rápido nalguns pontos, é, ainda, vista com alguma desconfiança. Tem um lastro que não corresponde à realidade. Este label approach, que chega por vezes quase a um negacionismo desta enquanto conceito válido, parte das mesmas premissas falsas que a negação das PPP ou de tantos outros fenómenos que não têm, em si, nada de errado. Ainda assim, critica-se a arbitragem sem conhecimento dos seus modelos, das garantias existentes, dos diversos tipos de arbitragem, enfim: segue-se um soundbyte generalizado que teve, de facto, em determinadas situações, razão de ser, mas que não é um states of affairs infinito e irreversível. Não é, na verdade, sequer correspondente à realidade atual.
E aqui repetiria: não há problema algum em negar algo. Já não me parece justo negar desconhecendo que existem diversas vantagens na mesma. E que, além de todo o trabalho já feito por muitos precursores, há toda uma nova geração que pensa a arbitragem, que conjuga uma cuidada vertente científica com uma abordagem mais prática, focando-se nos problemas reais com a seriedade que estes reclamam: investidores que querem ter a garantia de celeridade nas decisões que os possam afetar, que querem ter a certeza que a resolução de litígios assenta num sistema jurídico no qual podem ter a confiança da boa aplicação do direito e da aplicação de determinadas normas jurídicas consideradas fundamentais, com tudo o que isso traz de bom para um país: a serenidade da justiça, a celeridade da mesma e, acima de tudo, a confiança que esta conjugação traz é o solo perfeito para o bom investimento.
É que – e com isto concluo – a justiça lenta é, em tantos casos, ausência de justiça, e a ausência de justiça é uma self-fulfilling prophecy: se um dos lados está numa situação vantajosa, o outro vê-se perante um dilema – recuperar o que considera que lhe é devido, sabendo que passarão anos até o conseguir, ou resignar-se a evitar ao máximo o litígio ou tentar um acordo que, na verdade, não fará jus àquilo a que legalmente tem direito, fechando-se o círculo com a confirmação da profecia original, de ausência de justiça. Este estado poderia ser mitigado, ou até nem existir, se houvesse, por exemplo, uma convenção arbitral, quebrando porventura a self-fulfilling prophecy. O que existe, no entanto, em quantidade, é uma corrida a, mais do que ter razão, aquilo que no rugby se chama ganhar o espaço: estar do lado certo do ónus da prova, ter o dinheiro em sua posse, etc, etc.. Não digo, naturalmente, que todos os casos devam ser resolvidos pela arbitragem ou que não existiria boa justiça nos tribunais ditos comuns. Digo, meramente, que há casos em que a definição a priori de regras que dão confiança na resolução célere de um litígio pode até evitar… o próprio litígio.
Há uma nova geração que já nasceu e cresceu com a arbitragem. E que acredita que o bom direito não tem de ser cinzento, ou aborrecido. E que não advém daí a nossa credibilidade. Que temos, sim, o dever ser eficazes e de dar credibilidade às soluções que consideramos as melhores. Com a consciência que essa credibilidade advém do trabalho de mulheres e homens normais, que trabalham arduamente para ser excecionais.
*Pedro Santos Azevedo é Of Counsel da Cardigos Advogados e membro do projeto 100 Oportunidades.
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