O regime europeu dos auxílios de Estado – um desconhecimento que pode sair caro
Leia aqui o artigo de opinião do professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, Manuel Fontaine Campos, sobre o regime europeu dos auxílios de Estado.
Foi há meses notícia uma comunicação da Comissão Europeia, a propósito da Zona Franca da Madeira, da qual resultava a existência de indícios sérios de violação do regime europeu dos auxílios de Estado. Milhares de empresas terão obtido benefícios fiscais que, de acordo com a avaliação preliminar da Comissão, constituem auxílios de Estado ilegais. Como consequência, as empresas beneficiadas poderão ter de devolver, com juros, os montantes relativos às ajudas de que beneficiaram.
Esta notícia é demonstrativa de, pelo menos, duas coisas: por um lado, o empenho da Comissão Europeia em utilizar o regime dos auxílios de Estado para controlar as políticas e legislações fiscais dos Estados-membros; por outro lado, o generalizado desconhecimento, no nosso país, da sujeição das entidades públicas e das empresas privadas ao regime europeu de controlo dos auxílios de Estado.
Relembre-se, para ilustrar esta última conclusão, o “caso” dos auxílios aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Depois de a Comissão Europeia ter concluído que tinham sido concedidos 290 milhões de euros em auxílios ilegais, o Estado, dada a impossibilidade de devolução desse montante por parte da icónica empresa pública, viu-se forçado a liquidá-la.
Os auxílios de Estado consistem em vantagens especiais, atribuídas pelo Estado ou outras entidades públicas, a determinadas empresas ou setores económicos. Por esta definição ampla já se percebe que abrangem, para além dos subsídios ou subvenções, ainda um conjunto vasto de outras medidas. É o caso das isenções fiscais, das entradas no capital das empresas, das garantias e dos empréstimos em condições mais favoráveis do que as do mercado, da bonificação de juros, da doação de terrenos e de edifícios ou da sua venda com condições especialmente favoráveis, do fornecimento de bens e serviços em condições preferenciais, entre outras circunstâncias.
Para poderem ser atribuídos, e para garantia da sã concorrência entre empresas e da não distorção das trocas comerciais no mercado interno europeu, estes auxílios têm, por regra, de ser notificados à Comissão Europeia. Esta avaliará a sua compatibilidade com o mercado comum, para decidir se as autoriza, ou não.
Quando os auxílios são concedidos sem autorização da Comissão são automaticamente ilegais. Significa isto que a Comissão Europeia, se tiver notícia da sua atribuição (através de uma queixa, por exemplo), pode desencadear um inquérito e impor a devolução de todos os montantes recebidos, ao que acrescem juros.
Mais, qualquer empresa concorrente da empresa beneficiária pode impugnar num tribunal nacional o auxílio de Estado. Assim, aos tribunais portugueses caberá apenas verificar se o auxílio não foi autorizado pela Comissão Europeia e se não estamos perante exceções, em que essa autorização não é necessária. Se a resposta for negativa, os tribunais têm de impor à empresa beneficiária a devolução de todos os auxílios ilegais.
Sucede que, fruto do referido desconhecimento, não se duvida existirem em Portugal muitos casos de auxílios concedidos sem a devida autorização. Repare-se que podem ter sido concedidos por qualquer entidade pública, incluindo municípios, institutos públicos, empresas públicas ou regiões autónomas, entre outras. Não é preciso grande imaginação para concluir como o desconhecimento deste regime ainda pode vir a sair caro a muitas empresas do nosso país. O que, apesar de tudo, ainda lhes vai valendo é que esse desconhecimento parece estar equitativamente disseminado entre as empresas concorrentes…
*Manuel Fontaine Campos é professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto e investigador em auxílios de Estado.
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