BPN já custou 5.000 milhões aos contribuintes. Fatura ainda vai subir

Morreu esta segunda-feira Oliveira e Costa, presidente do BPN, aos 84 anos. O banco foi nacionalizado em 2008 e já custou 5.000 milhões aos contribuintes. Estado ficou com obras de arte.

Oliveira e Costa descartava em 2009 responsabilidades pelas perdas do BPN, nacionalizado um ano antes: “Ninguém pode culpar-me por perdas de um cêntimo que seja. Fui vítima de uma armadilha”, disse o ex-banqueiro aos deputados durante primeira das duas comissões de inquérito no Parlamento por causa do BPN — a segunda comissão analisou a venda do banco ao BIC, em 2012, por 40 milhões. “Nunca fiz um único movimento, nem um”, assegurou então.

Mais cêntimo menos cêntimo, as perdas para o Estado com o BPN ascendiam 5.000 milhões de euros no final de 2018. Ainda hoje os contribuintes portugueses estão a pagar a nacionalização do banco feita há mais de dez anos. Os veículos criados para ficar com os ativos da instituição — Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas — apresentavam uma insuficiência de capitais próprios de cerca de 1.028 milhões no final daquele ano, o que quer dizer que não há património suficiente para fazer face a todas as responsabilidades e o Estado terá de assumir mais encargos.

O BPN foi nacionalizado em novembro de 2008 pelo Governo de José Sócrates, a pedido do Banco de Portugal (era Vítor Constâncio o governador). Acabava de ser descoberto um buraco de 700 milhões de euros, ocultado durante anos através do Banco Insular de Cabo Verde, uma instituição comprada em 2002 sem que o supervisor tivesse conhecimento até então.

O BPN estava em risco, sem liquidez, e representava uma ameaça para todo o sistema.

Negócios ruinosos e escondidos (incluindo da Sociedade Lusa de Negócios, a holding que detinha o banco e outras participações não financeiras do grupo), offshores, operações suspeitas, empréstimos mal concedidos, ocultação de prejuízos… tudo isto criou um enorme buraco que levou o banco ao colapso ao mesmo tempo que o mundo se deparava com uma das maiores crises financeiras de sempre.

Teixeira dos Santos, ministro das Finanças da altura da nacionalização, já explicou várias vezes o que levou o Executivo a nacionalizar o banco. “O BPN não era propriamente um daqueles bancos too big to fail. Mas no ambiente que se vivia após a falência do Lehman Brothers, podia ser uma fagulha que, num ambiente carregado de combustível, podia provocar um incêndio de proporções maiores”, disse o ex-ministro ao ECO há dois anos.

Encargos do Estado com BPN

Fonte: Tribunal de Contas (valores cumulativos)

“Ter pegado no BPN foi uma tragédia”

Oliveira e Costa faleceu esta segunda-feira, aos 84 anos, vítima de doença prolongada. Já se encontrava doente quando, por causa das irregularidades no BPN, foi condenado a 15 anos de cadeia por vários crimes: abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, infidelidade, aquisição ilícita de ações e fraude fiscal.

Inicialmente, o tribunal condenou o ex-secretário de Estado do Governo de Cavaco Silva a 14 anos, mas tinha-se esquecido de fixar a condenação por um dos crimes, o que lhe valeu mais um ano de pena.

Na altura, o presidente do coletivo de juízes considerou o caso BPN a “maior burla da história da Justiça portuguesa”. O tribunal culpou Oliveira e Costa por ter sido responsável por um esquema fraudulento que envolveu outras personalidades como Luís Caprichoso (responsável pela área financeira da SLN), José Vaz Mascarenhas (ex-presidente do Banco Insular) e Francisco Sanches (ex-administrador do BPN). Os quatro assumiram responsabilidade central no desvio de nove mil milhões de euros do grupo, considerou o tribunal.

Oliveira e Costa chegou ao BPN em 1998. Vinha do Finibanco, onde foi presidente do conselho de administração, já depois das passagens pelo Governo de Cavaco Silva e, antes, pelo Banco de Portugal. Em 2009, com a nacionalização do banco a ser discutida no Parlamento, reconheceu junto dos deputados que “ter pegado no BPN foi uma tragédia”.

Agência do Banco Português de Negócios, Porto, 19 de janeiro de 2011. José Coelho/LUSA

Dos negócios suspeitos às obras de Miró

Entre 1998 e o colapso, o banco fez várias aquisições e entrou em novos negócios em várias geografias, complexificou a estrutura do grupo (com a qual conseguiu esconder o esquema) e criou uma importante rede de contactos.

Contam-se as aquisições do Banco Efisa (atualmente nas mãos da Parvalorem, e prestes a ser vendido a um grupo árabe) e da corretora Fincor em 2002, assim como o Banco Insular, em Cabo Verde; entrou no Brasil através da aquisição da Itauvest, criando depois o BPN Brasil, por exemplo.

Na SLN, a aquisição de participadas era feita “ao sabor dos interesses dos acionistas”, como reconheceram antigos colaboradores do grupo ao Jornal de Negócios (acesso livre) em 2008. Em 2002, comprou Plêiade, uma empresa de José Roquette e onde Dias Loureiro — administrador da SLN entre 2001 e 2005 — tinha uma quota de 15%, e cujo principal ativo era o facto de ter ganho a construção da rede de saneamento básico de Rabat, Marrocos — a empreitada foi vendida, nesse mesmo ano, à Général des Eaux. Do portefólio da SLN fizeram ainda parte uma cimenteira, um negócio de castanhas, a Murganheira e as Caves Raposeira…

O grupo também ficou com algumas centenas de obras de arte. No caso dos 82 quadros do pintor espanhol, Juan Miró, terão chegado à SLN por via de um empréstimo ruinoso dado a Alejandro Agad, genro do ex-primeiro-ministro espanhol José María Aznar e que tinha sido contratado para responsável do BPN em Madrid. Em 2018, a coleção saltou da Parups para o Estado por 54,4 milhões de euros. Estão expostas (e por lá ficarão durante 25 anos) na Fundação Serralves, no Porto.

Outra parte da coleção do BPN com cerca de 200 obras de autores como Souza-Cardoso, Vieira da Silva e Paula Rego foi adquirida mais recentemente pelo Estado por cerca de cinco milhões de euros, tendo sido integradas na coleção do Estado. Esta coleção será colocada em Coimbra, onde se criará um novo polo de arte contemporânea portuguesa.

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