Uma aula remota de oito horas? Uma experiência remota(mente) interessante

  • Mário Ceitil
  • 1 Abril 2020

Contar a experiência de “dar uma aula” universitária com a duração de oito horas quase seguidas (das 9h às 13h e das 14h às 18h), em registo remoto e...ao sábado.

Foi um desafio perante o qual hesitei em responder favoravelmente. Primeiro, por se tratar de abordar um tema relacionado diretamente com uma experiência pessoal; depois, por nela eu ser parte totalmente comprometida e interessada; por fim, mas não menos importante, porque envolve também pessoas e instituições que não devo nomear por razões de sigilo profissional e cujo veredicto formalizado (que não possuo) seria da maior relevância para de tal experiência se poder fazer um balanço avaliativo minimamente objetivo e fiável.

Refiro-me especificamente ao desafio que me fizeram para fazer um pequeno texto de reflexão sobre uma experiência pedagógica em que me envolvi recentemente: em concreto, “dar uma aula” em contexto universitário com a duração de praticamente oito horas seguidas (das 9h às 13h e das 14h às 18h), com um intervalo de cerca de uma hora para almoço), em registo remoto… ao sábado.

Como é óbvio, aulas dadas em registo não presencial — que já não eram uma novidade na “era pré-corona” — estão hoje completamente generalizadas em praticamente todos os níveis de ensino e em todas as modalidades de aprendizagem, formais e não formais; aliás, nestes tempos conturbados em que vivemos, já nem sequer são uma opção mas uma inevitabilidade.

No entanto, essa generalização de novas ferramentas e práticas pedagógicas, forçada pelo atual contexto que nos impõe o distanciamento social como parte essencial de um kit de proteção antivírus, tem suscitado desafios complexos, para os quais muitos de nós não estávamos adequadamente preparados.

Por isso, julgo que, na comunidade de todos quantos fazem do ensino e da formação a sua área dominante de atividade profissional ou simplesmente um campo eletivo de interesse, é importante refletirmos em conjunto sobre os nossos problemas, dúvidas e dificuldades, mas também partilharmos as experiências que vamos tendo, para delas podermos retirar colaborativamente ideias e sugestões para futuras melhores práticas.

É para esse objetivo, em concreto, que aqui deixo a minha contribuição.

Da experiência realizada, faço a seguir uma pequena síntese sobre os aspetos que me parecem de maior relevância:

A presença física perante um ecrã é uma coisa que, obviamente, cansa: cansa fisicamente, como é bem evidente através das movimentações dos participantes, que mudam frequentemente de posição; cansa sensorialmente, pela sujeição continuada a estímulos visuais agressivos e cansa cognitivamente, sobretudo se os trechos comunicacionais do emissor (professor ou formador) forem ritmados de uma forma homogénea, eventualmente monótona e longa. Esse cansaço, à semelhança, aliás, com o que ocorre na formação presencial, provoca défices na capacidade de atenção e concentração, gerando consequentes limitações na aprendizagem. De salientar, aqui, que o registo digital permite ao participante “escapar-se” mais facilmente do “proscénio pedagógico”, podendo mesmo “apagar”, literalmente, a sua imagem, por vezes invocando razões de natureza técnica (tipo, “falhas na net”).

Deixo por isso algumas ideias de práticas possíveis para contornar esta tendência de “escapismo”:

  • Ser “dramáticos”, tanto no tema quanto na forma de transmitir as mensagens;
  • Fazer modulações de voz, contar pequenas histórias e dar muitos exemplos práticos;
  • Preferencialmente, aproximar a figura da câmara, ter o cuidado de olhar diretamente para ela (a câmara, entenda-se…) e não para a sua própria imagem refletida no ecrã;
  • Gerir com grande parcimónia as apresentações de slides;
  • Personalizar a relação com o aluno/participante, designadamente através de uma interpelação direta, embora cordial, sem nunca ser impositivo. Esta interpelação deverá também ter em conta a atitude específica de cada participante, agindo sobre aqueles que vão evidenciando sinais de desligamento ou de estarem a iniciar uma “reflexão profunda”, e demasiado “introspetiva”…
  • Valorizar as questões colocadas;
  • Manter o “chat”;
  • Em, determinados momentos, introduzir curtas pausar para permitir aos participantes fazerem algum “stretching”;
  • Gerir os chamados “exercícios práticos” igualmente com alguma parcimónia. Se mantivermos os alunos/participantes demasiado tempo desconectados, mesmo em exercícios de grupo, poderemos correr o risco de fazer “esfriar” a relação, com os consequentes e tendenciais desvios de atenção concentrada.

Em suma, e como mensagem final, dessa experiência, e de outras que já tenho tido em registo remoto, o que extraio é uma conclusão, afinal muito pouco inovadora: o melhor mesmo é aplicarmos mais ou menos os mesmos princípios que são sugeridos na relação face-a-face, ou seja, personalizar a relação, deixar fluir emoção, provocar surpresa, dar protagonismo aos participantes e manter o foco com flexibilidade à dimensão humana.

De resto, e porque me assumo inequivocamente como um “homem da palavra”, seja em registo presencial como em registo remoto, o que é essencial é sermos capazes de fazer de uma possível “teoria chata”, uma história bem contada.

Se o consegui, ou não, é outra questão. Como é óbvio, o melhor é perguntar a quem esteve “do outro lado”.

*Mário Ceitil é presidente da APG.

  • Mário Ceitil

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