Frank Rimalovski: “Muito do sucesso de Silicon Valley foi o pequeno espaço entre os negócios e a universidade”

Diretor do NYU Entrepreneurial Institute da Universidade de Iorque, Frank Rimalovski acredita que o empreendedorismo se pode aprender. E isso implica mudar a forma como as coisas sempre foram feitas.

Frank Rimalovski domina as palavras. Tecnologia, empreendedorismo, venture capital, rondas de investimento. Há mais de 25 anos que trabalha junto da indústria tech e conheceu milhares de empreendedores que criaram outros tantos projetos. Atualmente à frente do NYU Entrepreneurial Institute, na Universidade de Nova Iorque, e mentor de centenas de empreendedores do programa de aceleração do Techstars, o especialista em empreendedorismo conhece e partilha da experiência das suas últimas duas décadas de vida.

Em Portugal, para dar formação aos estudantes do curso de empreendedorismo lançado pela FCT Nova, Frank falou sobre os primeiros passos a dar quando há existe uma ideia e, sobretudo, a vontade de criar uma startup.

Podemos ensinar alguém a ser empreendedor, ou nasce-se empreendedor?

Tem algo dos dois. Não posso ensinar alguém a ser o Steve Jobs mas posso ensinar qualquer pessoa a começar algo. O que tiramos de um Steve Jobs, de um Bill Gates ou de um Elon Musk é que eles são únicos por uma variedade de razões. Eles identificaram algo, mas também começaram a construir determinado projeto de massa e ficaram nele até ter uma escala global. E isso é bastante raro, mesmo nas grandes startups, que o fundador seja o CEO da empresa 10 ou 20 anos depois. Um amigo meu um dia disse-me “há três tipos de CEO: o da selva, o da estrada acidentada e o da autoestrada”. O da selva é aquele que vai descalço, que anda na selva com os seus pés. O da estrada é aquele que conduz o jipe que anda instável, de um lado para o outro, a tentar fugir aos buracos. E o da autoestrada, aquele que guia de forma segura durante centenas de quilómetros. São CEO’s para diferentes escalas, e é raro a mesma pessoa ser estas três. O Steve Jobs foi, o Elon Musk e o Bill Gates também.

O nosso trabalho é ajudar a treinar esses CEO da selva, porque eles não precisam de ser o CEO, às vezes só precisam de ser a pessoa mais técnica, e atrair outros para trabalhar com eles. Nem toda a gente quer ser o CEO e nem toda a gente pode ser o CEO. Acredito que podemos ensinar ferramentas para se ser empreendedor a qualquer pessoa, assim como a forma como as startups realmente funcionam: há muita metodologia sobre como as coisas podem realmente funcionar, sobre o valor de cada coisa e sobre como se cria valor, sobre como se levanta dinheiro, etc.. Posso ensinar skills que lhes garantem que saberão gerir o seu negócio daqui a 20 anos? Não posso garantir isso.

Não posso ensinar alguém a ser o Steve Jobs mas posso ensinar qualquer pessoa a começar algo.

Como começou o departamento de empreendedorismo na NYU?

A NYU é uma universidade enorme, mesmo em contexto daquilo que é uma universidade nos Estados Unidos. Temos mais de 55 mil estudantes, 20 diferentes escolas dentro do campus, para níveis diferentes de ensino. Engenharia, artes, política pública, medicina, enfermagem, educação e cultura. É um sítio muito diverso e que também contribui muito para o ecossistema empreendedor: há gente com diferentes skills, áreas distintas de expertise, e essa diversidade cria um ótimo melting pot que coloca diferentes alunos no mesmo espaço.

Também prova o contrário do que muitas pessoas pensam: que os empreendedores tendem a vir de escolas de negócios. Eles podem vir de qualquer escola, de qualquer área da vida, porque qualquer um de nós pode detetar problemas no mundo, todos os dias, na nossa vida pessoal, na vida das outras pessoas, e trazer o insight de que há um problema que precisa de solução. Qualquer pessoa pode fazer isso.

Por definição, trabalhamos com empreendedores de primeira viagem. Trabalhamos ainda com estudantes e com recém-licenciados, entre os 20 e os 30 anos, com pouca experiência de trabalho e de mundo, e a maior parte deles nunca começou numa startup. Fazemos muita promoção, bootcamps, workshops, e qualquer pessoa pode vir. Mas a partir do momento em que alguém tem uma ideia, encorajamos as pessoas a virem e a sentarem-se com alguém da nossa equipa para os ajudarem a perceber o que devem fazer a seguir. Será que devem pensar melhor na ideia? Ir a um workshop? Concorrer a um programa?

Na universidade reunimos dados que mostram que trabalhamos com pessoas de todas as escolas, dentro da universidades, e não só alunos vindos das escolas de engenharia ou negócios. Trabalhamos com todos os estudantes. Então o nosso aproach é um pouco diferente. Mas também somos 100% extra currículo, o que quer dizer que toda a gente que vem ao nosso centro, ou quer aprender sobre startups, ou tem uma ideia de algo que quer desenvolver. Promovemos bastante o empreendedorismo no campus, para atrair gente para o nosso centro. Muitas pessoas podem ter uma ideia mas não pensam nelas como um empreendedor. Por isso queremos encorajar qualquer pessoa a ser: para empoderar mas, mesmo antes disso, para gerar interesse. Para que eles venham e procurem ajuda.

(Os empreendedores) podem vir de qualquer escola, de qualquer área da vida, porque qualquer um de nós pode detetar problemas no mundo, todos os dias, na nossa vida pessoal, na vida das outras pessoas, e trazer o insight de que há um problema que precisa de solução.

Criamos com estes programas uma espécie de funil, e também temos um fundo que investe em alguns destes projetos. Temos neste momento 3,5 milhões de dólares investidos em 21 projetos, tipicamente 100 mil dólares em cada um deles. Estamos a investir em parceria com outros fundos de business angels, em fase seed. São empresas muito pequenas.

E podem também pô-los em contacto com incubadoras ou aceleradoras?

Temos isso, no nosso espaço. Qualquer pessoa da NYU pode ocupar, sentar-se, ir a um workshop, falar com alguém. E depois também temos aquilo a que chamamos um Accelerator Series: programas de dois dias, duas semanas ou um semestre de aceleração, e um acelerador de verão. O de dois dias ajuda as pessoas a testar se são empreendedoras, se gostam da incerteza que lhe está associada, se estão confortáveis a fazer aquilo, a falar com clientes e a sair da zona de conforto. E, depois, se a ideia serve: em dois dias, muitos deles percebem se se trata de uma coisa que é para eles, ou se não. Nem todos vão ser empreendedores, criar unicórnios. Ensinar-lhes algumas ferramentas é possível, mas depende muito deles.

Que tipo de empresas têm em portefólio?

É similar à diversidade da NYU. Temos bens de consumo, cuidados de saúde, medicamentos, equipamentos médicos, meios de diagnóstico, algum software, hardware. Cerca de metade das startups do nosso portefólio têm uma mulher fundadora, o que é único nos Estados Unidos. No nosso programa de aceleração, 2/3 das equipas têm pelo menos uma mulher como fundadora, e isso reflete também a constituição da nossa população académica, em que mais de metade são mulheres.

Porque é que isso acontece?

Não acho que tenham menos capacidades, tenho duas filhas. Pelo menos nos Estados Unidos, os rapazes e as raparigas crescem de forma diferente, há um encorajamento para as mulheres serem mais reservadas e os rapazes mais extrovertidos. E isso faz com que a extroversão possa ser, a médio prazo, uma vantagem. No empreendedorismo temos de arriscar, estar confortáveis com a incerteza e com a possibilidade de sermos julgados.

De nos expormos, de sermos vulneráveis…

Sim, e não gosto muito de entrar na psicologia feminina ou masculina, mas há diferenças. As raparigas são mais espertas do que os rapazes. Mas há este bias que vêm dos dois lados. Originalmente, muitas startups tiveram base tecnológica e não sei este ano mas, na generalidade e, nas universidades norte-americanas dessas áreas, as mulheres estão subrepresentadas. E nem sei se se trata de bias, ou se nem sequer chegam a concorrer para estudar engenharia, ciências computacionais…

Depois há a questão de existir bias nas decisões dos investidores. E muitas pessoas pensam que sim. A maioria dos venture capitalists são homens, e muitos deles falaram de reconhecimento de padrões, do que já foram antes. Poderá haver uma bias inconsciente. Estou orgulhoso dos resultados que temos tido na universidade.

No empreendedorismo temos de arriscar, estar confortáveis com a incerteza e com a possibilidade de sermos julgados.

Quais são as principais diferenças entre os Estados Unidos e o resto do mundo em matéria de empreendedores e das suas características?

Mesmo nos Estados Unidos, muitos dos empreendedores são emigrantes. Não acredito que haja tanto uma diferença entre as pessoas — seguramente haverá diferenças mas, não acho que os norte-americanos sejam mais capazes. Mas, pelo menos nos Estados Unidos, somos empreendedores há muito tempo. E talvez possa estar no DNA mais recente do país, além de existir a cultura de negócios por lá que encoraja isso de certa maneira.

Os impostos e as leis do trabalho incentivam essa realidade, e sei que em algumas partes da Europa o mesmo acontece. Reconhecer que há um problema é o primeiro passo. Em muitos países, por exemplo, é muito difícil despedir trabalhadores e, numa startup, infelizmente, tens de ter essa flexibilidade porque as startups precisam de se mover rapidamente.

Culturalmente, é muito raro uma pessoa da minha idade ter trabalhado para a mesma empresa toda a vida. Entre os mais novos, aos 30 anos, eles já trabalharam para três ou quatro empresas. A geração dos meus pais, o meu padrasto por exemplo, reformou-se da empresa onde tinha começado a trabalhar quando saiu da universidade. Isso está realmente a mudar muito.

E outra coisa que eu considero que encoraja o empreendedorismo, de alguma forma, é que se não há estabilidade de todo, então talvez seja bom tentar fazer a minha cena.

Começar uma startup em Nova Iorque, ou em Boston, ou Silicon Valley é muito diferente de começar uma em Detroit ou Memphis ou noutras cidades. Nos primeiros casos, há um ecossistema mais robusto, com sistemas de apoio. Não só nas universidades mas também na cidade: eles têm as incubadoras, as aceleradoras, os investidores, os programas, os advogados que percebem de startups, bancos que entendem. Eles tiveram de criar políticas que os ajudem a trabalhar de maneira diferente. A comunidade de startups começou talvez nos anos 50, em Silicon Valley, e começámos a ver novas sociedades de advogados a emergir, novos fundos de investimento… tudo para suportar esse ecossistema.

O que podemos aprender de Silicon Valley?

Há muito lá. Podemos aprender a partir de qualquer sítio mas muito do que o sucesso de Silicon Valley foi o pequeno espaço entre a comunidade de negócios e a universidade, particularmente Stanford e Berkeley. E não foi só porque Stanford é uma ótima universidade com alunos muito espertos, mas eles tinham e têm realmente um mindset de startup: eles acreditaram, nos anos 50, que era importante resolver os problemas do mundo real e construir essas conexões, e encorajaram os estudantes a sair e, se não trabalhavam na indústria, a criar os seus próprios negócios. E se Stanford, nessa altura, era uma boa universidade, agora é uma das melhores do mundo. E Silicon Valley é uma das maiores economias startup do mundo: essas duas coisas aconteceram porque houve esta margem mínima de ligação entre as universidades e as empresas. As paredes eram muito finas e as pessoas moviam-se de um lado para o outro.

Tentámos aprender isso na NYU e construir esses links com o ecossistema empreendedor que, francamente, quando eu entrei, a universidade não tinha. Esse é um modelo que creio que qualquer pessoa pode implementar, isso é mais importante do que construir parques industriais ou outras coisas que possam dar impulso económico. Esse sistema top down pode ajudar mas também tem de vir da base.

Nos nossos programas tentamos trazer os empreendedores e os investidores para que os estudantes estejam expostos, para que possam aprender deles e também para que, quando terminam os cursos, já estejam conectados com o ecossistema. Temos pessoas que foram meus alunos há cinco anos e que agora são mentores, e que falam e ajudam. Tentamos manter essas relações que se tornam círculos virtuosos. Acredito que isso faz da NYU uma melhor universidade, e faz de Nova Iorque um melhor ecossistema empreendedor. E também contribui para a economia, em muitos aspetos.

Sabemos que há empresas já estabelecidas que usam o Canvas sempre que pensam numa nova aventura. Porque é muito fácil tomar como garantido o que pensamos que sabemos, o que é um facto do que é uma hipótese, e ajudar escrever todas as vezes que tentamos tomar uma decisão baseada em multivariáveis. É útil escrever porque ajuda as pessoas a organizar-se.

Falou dos principais problemas pelos quais as startups falham. Um deles é o dinheiro acessível e o outro é o market fit ou a falta dele. Isto é baseado numa lógica de fail fast. Como é que os empreendedores podem saltar estas fases quando eles têm medo de falhar?

Acho que a lógica do “falhar rápido” é frequentemente mal entendida mas o tipo de falhanço de que falo é: eu penso que o meu produto é para o cliente x e, antes de eu o acabar de construir, vou e falo com o cliente x e percebo que ele não tem esse problema que eu pensava que ele tinha. Isso é falhar rápido. Falhar rápido não é construir um produto, lançá-lo, tentar vendê-lo e, só depois, perceber que o cliente não o quer. E isso só acontece porque não fomos à procura de ver se o cliente que pensávamos que era o nosso precisava dele. Isso é falhar de maneira difícil. É preferível ter pequenos falhanços, pequenas aprendizagens que tirem esse risco de cima da mesa mais cedo e que constitua aprendizagens.

Falhar rápido não é construir um produto, lançá-lo, tentar vendê-lo e, só depois, perceber que o cliente não o quer.

Invalidar é bom: falar com cinco ou dez clientes e perceber que eles não têm essa necessidade, ou não compram de determinada forma, faz-te parar de perder tempo e pivotar. Se tentas lançar e, depois, falhas, há boas hipóteses de não conseguires reerguer-te: podes ficar sem dinheiro, sem energia, ou o que seja. É nisso que pomos o foco, mais cedo do que tarde. Costumava ser “constrói, testa, vende”, e passámos a dizer “vende, testa, constrói”. Vender não é lançar mas ir procurar clientes, entender do que precisam.

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