Telescola está de volta. Ensino igual para todos é um desafio

É já na próxima semana que arrancam as aulas via telescola para alunos até ao 9.º. Governo quer que blocos transmitidos na RTP Memória sejam "reforço". Flexibilidade curricular é desafio.

Eram 20 e tal alunos, todos do mesmo ano, na sala. A acompanhá-los, um professor, que com eles assistia à aula transmitida na televisão. Depois da parte teórica — que demorava cerca de 15 minutos — dada pelo professor habitual da disciplina, que os alunos já conheciam da televisão, o professor da sala complementava: distribuía fichas de seguida, vindas do Ministério da Educação, e que podiam ser corrigidas in loco ou, posteriormente, pelo professor no local.

“Tenho muito boas recordações da telescola. Era um processo muito disciplinado e as fichas eram uma forma de auto-regularmos a aprendizagem: conseguíamos saber o que tínhamos errado ou não”, explica a professora Paula Henriques, em conversa com o ECO.

Em Santa Catarina, uma vila do concelho de Caldas da Rainha, as aulas eram encaradas com entusiasmo nesses primeiros tempos dos anos 80, quando Paula Henriques tinha 11 ou 12 anos e frequentava os primeiros anos do que agora é o 2.º ciclo do ensino básico.

Tenho muito boas recordações da telescola. Era um processo muito disciplinado e as fichas eram uma forma de auto-regularmos a aprendizagem.

Paula Henriques

Professora

Na próxima semana, milhares de alunos — como esta professora, na época –, vão passar a ter aulas usando uma lógica semelhante, decisão tomada pelo Governo como medida de conter o coronavírus, mantendo as escolas fechadas até ao final do ano letivo. O que se sabe, para já, é que o ensino pré-escolar não tem data definida para retomar a atividade. Já os estudantes até ao 10.º ano continuam em regime de ensino à distância e, apenas os alunos do 11º e 12º ano poderão, eventualmente, voltar à escola.

A ideia é manter as aulas diárias (de segunda a sexta) como já acontecia nas escolas, mas através do canal de televisão RTP Memória, cujo acesso é gratuito. Milhares de alunos estão desde 16 de março em casa, depois de o Governo ter encerrado todas as escolas devido à pandemia da Covid-19, e desde esse dia o ensino mudou-se das salas de aula para espaços online, mas nem todos os estudantes têm acesso aos meios digitais para acompanhar as atividades.

O Governo anunciou, na semana passada, que até ao 9.º ano, o ensino à distância será reforçado através da transmissão diária de conteúdos pedagógicos pela RTP Memória, transmissão que arranca a 20 de abril. As emissões serão feitas por blocos, divididos por anos de escolaridades, sendo que começarão pelos alunos mais jovens, terminando nos estudantes do 9.º ano. Estes conteúdos servirão apenas de complemento às matérias lecionadas pelos professores.

Para a professora, exigir a alunos muito novos que se mantenham em frente a uma televisão a ouvir o conteúdo ministrado por um professor que nunca viram vai ser um desafio. “Durante 15 minutos, sabíamos que tínhamos de estar atentos porque disso dependia o nosso sucesso nas fichas que se seguiam”, alerta Paula Henriques.

Entre as principais debilidades da telescola do início dos anos 80 estava, detalha a professora, o facto de ser “um ensino igual para todos, embora o ritmo da realização das tarefas pudesse ficar dependente de cada aluno”, coisa muito diferente da realidade que atualmente se vive na educação em Portugal, caracterizada por defender uma flexibilidade curricular e pela autonomia das escolas.

“O que está hoje a chamar-se de telescola, não faz sentido nenhum atendendo à flexibilidade curricular e à autonomia das escolas. Se localmente — em escolas de cada concelho — já há diferenças, imagine-se a nível nacional. Não faz qualquer sentido e considero-a uma decisão política”, explica, detalhando que os professores são “chamados” a ganhar um extra e a dar aulas de uma forma “totalmente fria e impessoal”, o que pode dificultar o processo. “Como não se criam vínculos com os alunos, os professores têm de ver as aulas e, depois, criar soluções que possam avaliar depois”, avalia.

A pouca literacia de uma grande parte dos pais e encarregados de educação é outro fator que condiciona o trabalho dos professores. “Há neste modelo uma componente prática que não está assegurada. Ser professor não é ir para a televisão e, durante 20 minutos ou meia hora, falar sobre os Lusíadas. Ser professor é dar informação e criar maneira de a avaliar”, explica, sugerindo que, ainda assim, as coisas têm funcionado melhor com alunos mais velhos e, por isso, mais habituados ao uso de ferramentas de partilha de informação via internet.

Quase metade dos alunos com idades entre 6 e 10 anos não tiveram qualquer tipo de ensino formal entre 16 de março e os dias 6 a 9 de abril, segundo uma sondagem feita para o Público e para a RTP.

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