O que vou contar aos meus netos?
O mercado de trabalho, como o conhecemos hoje, não vai existir mais. O covid-19, e o seu impacto na vida das pessoas, será a história que vou contar aos meus netos.
As minhas memórias estão povoadas de histórias. O meu bisavô Avelino contava histórias na eira. Adorava falar sobre a Batalha do Bussaco, travada durante a terceira Invasão Francesa. Descrevia os canhões e as fardas dos militares, detalhava as parcerias entre países envolvidos no conflito. Adorava falar da valentia das gentes do Bussaco, seus conterrâneos. Estávamos, netos e bisnetos, a ouvir histórias que nos faziam sonhar sem nunca nos cansarmos.
E, apesar de aquelas histórias terem sempre muitas mortes, elas acabavam sempre bem.
A minha avó Beatriz contava mil histórias de uma menina, com muitos irmãos, que morava na aldeia. Das peripécias para ir à escola, escondida pelos campos, porque naquele tempo as meninas não iam à escola.
Era especialista em lengalengas, provérbios e histórias tradicionais. As suas histórias eram sempre romantizadas e as personagens más nunca tinham culpa de ser más. Fazia perguntas ao longo das histórias que me faziam pensar. E, no fim, havia sempre uma moral e tudo acabava bem.
Umas histórias e outras eram de tempos difíceis. E numas e noutras as pessoas conseguiram encontrar formas de viver e serem felizes.
A memória das coisas é muito importante, ajuda-nos a perceber que sempre houve dificuldades e a humanidade sempre foi capaz de encontrar novas respostas para os novos desafios.
Nesta época de crise, só temos de perceber se vamos ficar a chorar, à espera que a crise passe, ou se vamos vender lenços de papel. Será que toda esta turbulência não pode ser transformada numa oportunidade? Não há dúvidas sobre o impacto da pandemia na economia, nas empresas, nos trabalhadores e na sociedade em geral.
Mas não podemos ficar à espera de que sejam os outros a resolver a crise. O desafio é mesmo descobrir o que cada um de nós pode fazer para ajudar a ultrapassar este período, com o menor impacto possível na sua vida.
Passamos a vida a dizer que não temos tempo e que o tempo é o bem mais precioso que existe. Agora, temos tempo. Tempo para melhorar o autoconhecimento, para identificar objetivos, para compreender o nosso propósito. Tempo para atualizar, qualificar e requalificar competências.
Temos a possibilidade de pensar processos, procedimentos, formas de atuar. “Otimizar” será uma palavra-chave.
A criatividade vai ser uma característica fundamental para nos ajudar a encontrar soluções. Requer uma mente aberta e disposição para enfrentar as convenções, quebrar regras e assumir alguns riscos. A criatividade acrescenta valor ao desempenho. Vamos ter de mudar porque tudo vai mudar.
Há sete passos que me parecem fundamentais neste processo:
- Ter um Plano.
É muito importante definir o caminho a seguir e como o percorrer. - Manter o foco.
As constantes alterações provocadas pela crise podem levar a duvidas e incertezas. É importante ser disciplinado e determinado no cumprimento do plano definido. - Atualizar os contactos.
Cuidar do Networking. Não é preciso saber tudo mas é importante ter o número de telefone de quem sabe. - Diferenciar-se
É necessário definir muito bem a sua proposta de valor. - Ser rápido
Tudo está a mudar muito depressa. - Trabalhar mais.
Tempos exigentes requerem mais dedicação e empenho - Ter atenção as oportunidades
Em todo este caminho urge manter elevados níveis de motivação para nunca equacionar desistir.
Depois da quarentena, o trabalho vai exigir novas performances e disponibilidade para aprendizagem contínua, fazendo com que todos tenham de aprender a aprender. É importante desenvolver novas habilidades, mas é imprescindível mudar de perspetiva e alterar o mindset.
O mercado de trabalho, como o conhecemos hoje, não vai existir mais.
O covid-19, e o seu impacto na vida das pessoas, será a história que vou contar aos meus netos. Vou explicar-lhes como vencemos o vírus, orgulhosa dos meus compatriotas, tal como o meu bisavô Avelino um dia fez comigo. Vai ser uma história romantizada, como fazia a minha avó Beatriz, porque há sempre lições bonitas nos tempos difíceis.
E terá, com certeza, uma grande moral: somos um povo que consegue superar dificuldades e sair fortalecido dos grandes desafios.
*Paula Rocha é membro da direção da APG.
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