“Investimento público será o coração do plano de recuperação”, diz Nelson Souza

"Recursos financeiros importantes" não vão dispensar uma "análise criteriosa dos investimentos, da sua viabilidade e, do contributo que para a estratégia de retoma", avisa Nelson Souza.

Quais as linhas incontornáveis e que tecem o coração do novo plano de recuperação? “Mais investimento, mais investimento, mais investimento”. O ministro do Planeamento explica que o novo plano — que deverá ser gizado com o consenso político mais alargado possível, como pedia o primeiro-ministro no debate quinzenal desta quarta-feira — passa por mais investimento público, a par do privado, mas também por melhorar a qualidade dos serviços públicos e do funcionamento do próprio Estado.

Mas no caderno de encargos está também uma mudança estrutural do perfil de especialização do tecido produtivo nacional, porque é necessário garantir uma maior independência em termos de produções estratégicas. Durante a pandemia do coronavírus foram máscaras, batas ou álcool gel, mas na próxima crise podem ser outros. O desafio não é só de Portugal, mas de toda a Europa.

Em entrevista ao ECO, Nelson Souza deixa um alerta: apesar da forte aposta do plano de recuperação no investimento público isso não significa dispensar uma “análise criteriosa dos investimentos, da sua viabilidade e, do contributo que para a estratégia de retoma”. Ainda assim, tendo em conta as dificuldades com que o Governo se tem confrontado para lançar obras públicas, o ministro do Planeamento reconhece que para acelerar a capacidade de concretizar os projetos vai ser necessário rever “as condições, muitas delas legais, em que o investimento público tem de ser operado e concretizado”.

O plano de recuperação que o Governo está a desenhar passa por tornar Portugal menos dependente de algum tipo de importações como máscaras, batas, ventiladores ou outras estejam identificadas como necessárias?

O plano e o fundo de recuperação terá de ter, necessariamente, dois tempos: o primeiro, que será ainda de emergência, de cuidar de pôr o tecido produtivo e social em condições de recomeçar a sua função de produção, o mais normalizadas possível. Já sabemos que a normalidade vai ser sempre uma nova normalidade. Mas vai ser absolutamente necessário olharmos para os setores que temos, os mais afetados, como por exemplo o turismo, a restauração, o comércio, as micro e pequenas empresas, mas também todo um setor industrial — o tradicional e não só. Temos de nos dedicar a repor as nossas cadeias de valor e de produção.

Mas logo a seguir, a Europa, e nós próprios, temos de retomar os nossos desafios estratégicos e estruturais: tudo aquilo que tem a ver com a descarbonização e as alterações climáticas. Retomar a agenda do crescimento verde e da transição digital. Mas a esses dois desafios que já eram prioridades para nós agora, emergiu agora um terceiro: olhar para a nossa base industrial, de forma a garantir para a Europa uma maior independência de todo um conjunto de produtos e produções estratégicas do ponto de vista de assegurarmos uma resposta à crise. Agora foi relativamente a equipamentos médicos, mas, de hoje para amanhã, pode ser relativamente a muitas outras produções de bens e até de serviços que são essenciais para que espaço social e económico mantenha condições de sobreviver em situações de crise que, provavelmente, se irão repetir noutros cenários e noutros contextos. Assegurar bases industriais e científicas que garantam produções próprias para enfrentar períodos de crise é uma questão essencial e foi bem sentida por nós todos.

Esta terceira questão não é só nossa e vai desde assegurar produções relativamente simples como máscaras e batas até produtos bem mais sofisticados como a biomedicina, a questão digital ou de outras tecnologias mais evoluídas. Portugal, neste plano de recuperação, vai ter de aproveitar a oportunidade para evoluir nesta área, procurar mudar e alterar o nosso tecido produtivo para que responda a este tipo de desafios. Será uma tarefa quer deste programa de recuperação quer do futuro quadro comunitário de apoio que vai continuar, de uma forma articulada, com as suas agendas estratégicas.

Portugal, neste plano de recuperação, vai ter de aproveitar a oportunidade para evoluir nesta área, procurar mudar e alterar o nosso tecido produtivo para que responsa a este tipo de desafios.

Crescimento verde e agenda digital não são conceitos demasiado vagos para a dimensão da crise que a Europa atravessa?

Se tivermos uma aproximação real para aquilo que são estes desafios percebemos que não há contradição nenhuma entre continuarmos a prosseguir estes desafios estruturais e encontrar mecanismos de dinamização das nossas atividades, mesmo algumas daquelas consideradas tradicionais. Há que aproveitar as oportunidades geradas quer pela digitalização quer pela adoção de uma estratégia consistente de descarbonização e do crescimento verde, nomeadamente através da abertura de novos mercados. Portanto, uma coisa não é contraditória com outra. Aquilo que estamos a fazer é posicionarmo-nos em cadeias de valor com mais futuro e que, como tal, permitirão gerar mais valor acrescentado permitindo um perfil de especialização mais seguro e que nos proteja melhor destas crises externas que afetam particularmente alguns setores onde a especialização é feita com base em fatores indiferenciados.

A aposta nas grandes obras públicas para aproveitar esta possibilidade de haver subsídios a fundo perdido para as financiar é uma solução para o plano de recuperação?

Será certamente. O investimento público será certamente um dos grandes instrumentos do plano de recuperação. O investimento público, a par do investimento privado, serão os dois grandes vetores da recuperação do país e da geração de novos empregos e da manutenção dos postos de trabalho existentes. Mais investimento, mais investimento, mais investimento… será, certamente, o grande objetivo do fundo de recuperação. Estará aí a chave de colocar a economia a funcionar e a ter um conjunto de estímulos para que mais rapidamente possa sair da crise. E ao mesmo tempo que procede à mudança estrutural do perfil de especialização. Para isso é importante o próprio investimento das empresas, o investimento público qualificando, melhorando e disponibilizando as infraestruturas. Temos aí dois grandes desafios que naturalmente também terão de ser acompanhados pela melhoria da qualidade dos serviços públicos e do funcionamento do próprio Estado. Essas serão as linhas gerais do plano de recuperação. Mas, para além de linhas gerais, diria linhas incontornáveis e que constituirão o coração deste novo plano.

É desta que vamos ter um TGV ou redes transeuropeias de energia?

O facto de virmos a dispor, assim o esperamos, de recursos financeiros importantes não nos vai, certamente, dispensar de fazer uma análise criteriosa dos investimentos, da sua viabilidade e, sobretudo do contributo que virão a dar para esta estratégia de retoma e crescimento da economia portuguesa. Será absolutamente prematuro começarmos agora a anunciar grandes projetos de investimento sem previamente proceder a essa seleção. O que tem de ser feito é não perder muito tempo a decidir. E uma vez decididos, concretizá-los, porque o tempo urge. O tempo de execução e de levar ao terreno a obra pública também é muito importante na execução deste plano de recuperação.

Esse é um dos problemas que temos assistido, nomeadamente ao nível da Ferrovia 2020, onde as obras até estão decididas e haver consenso sobre elas, mas a execução demora muito.

Vamos ter de resolver e acelerar a nossa capacidade de concretizar os projetos de investimento público revendo muitas das condições, muitas delas legais, em que o investimento público tem de ser operado e concretizado. São medidas que, com certeza, vão acelerar a execução deste fundo de recuperação.

Vamos ter de resolver e acelerar a nossa capacidade de concretizar os projetos de investimento público revendo muitas das condições, muitas delas legais, em que o investimento público tem de ser operado e concretizado.

Portugal está a usar parte dos fundos do Portugal 2020 nas empresas que se estão a reconverter para fabricar álcool gel, batas, máscaras, etc. Em causa estava um montante em torno de 500 milhões de euros. O valor já está fechado?

Estamos à espera da definição de todo este pacote europeu para ver como vamos distribuir o esforço entre a reprogramação — que conta com uma capacidade limitada, nesta altura da sua execução, já que estamos mesmo no final da execução do Portugal 2020 — e a possibilidade de recurso a esses instrumentos. Estamos só a aguardar isso e proximamente daremos notícias sobre o que viermos a decidir sobre esta matéria.

E em termos de Portugal 2020, há mais apoios pensados além dos já anunciados?

Vamos continuar a apoiar as empresas nesta difícil conjuntura. É natural que agora tenhamos um foco diferente, mas assim que houver condições para relançar o investimento privado, aí estaremos nós com os instrumentos e com esta vontade de modificar e idealizar novos instrumentos ou instrumentos que mesmo sendo antigos possam ser decididos e gerir a uma velocidade e em tempos completamente diferentes daqueles que eram habituais. O novo concurso que abrimos esta segunda-feira aponta para um a redução drástica, com decisões em 10 dias que constituem um enorme desafio para a nossa máquina de gestão de fundos estruturais que também constituem ensaios para o novo quadro e também para os novos esquemas que devemos adotar no fundo de recuperação.

Uma das coisas que as empresas se têm queixado, nomeadamente no âmbito das linhas de crédito lançadas com garantia de Estado, é que o dinheiro não está a chegar à economia e o Estado leva muito tempo a decidir.

Sobre essa matéria quem se tem pronunciado é o ministro da Economia e não tenho informação suficiente.

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