O que une e divide o Conselho Europeu sobre o plano de recuperação?

Esta foi uma reunião que ficou marcada “por convergência nos pontos de vista”, disse Costa. Ainda assim, as divergências dentro da União Europeia não desapareceram. O "diabo" está nos detalhes.

O Conselho Europeu, o órgão que reúne os líderes europeus, mandatou esta quinta-feira a Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, para desenhar um fundo de recuperação, dentro do orçamento comunitário, que permita à economia europeia reerguer-se das cinzas da pandemia. O plano será conhecido a 6 de maio, mas as declarações no final do encontro já mostraram o que une e o que separa os 27 Estados-membros.

Nas últimas semanas, os governos já tinham chegado à conclusão de que seria necessário um fundo de recuperação pelo que o resultado da reunião pode ser resumido numa frase: houve unanimidade na forma de financiamento, mas divergência no método de distribuição do dinheiro.

Afastada a ideia das coronabonds que incendiou o debate no início da pandemia, os chefes de Estado e de Governo concordaram que deverá ser a Comissão Europeia a endividar-se, com base em garantias dos países, para alavancar dinheiro que voltará para os Estados. Esse financiamento dará corpo ao fundo de recuperação económica, o qual deverá estar incluído no Quadro Financeiro Plurianual (QFP 2021-2027), ou seja, implicará um redesenho do orçamento comunitário que tinha vindo a ser discutido entre os Estados-membros e as instituições europeias.

Ultrapassado o obstáculo de saber como é se financia o fundo, é preciso decidir como será distribuído. É aqui que regressam as divisões entre os países “frugais” e os mais endividados. A maioria dos países, segundo disse o primeiro-ministro português, querem que seja sob a forma de subvenções, isto é, a fundo perdido. Alguns países, onde se inclui a Alemanha, preferem uma solução mista entre subvenções e empréstimos. Já uma “pequena minoria”, de acordo com António Costa, quer apenas empréstimos, o que contaria para o rácio de dívida pública dos países.

No meio deverá estar a resposta, segundo as palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, que se comprometeu a apresentar uma proposta a 6 de maio que equilibre as duas componentes. Um documento de trabalho da Comissão Europeia que tem circulado na imprensa internacional aponta para uma emissão de dívida por parte de Bruxelas, ao abrigo do Artigo 122 dos tratados europeus (à semelhança do SURE), num total de 320 mil milhões de euros, sendo que metade é distribuída em forma de subvenção e a outra metade por empréstimo.

A chanceler alemã, Angela Merkel, deu a entender que concorda com a posição equilibrada da Comissão Europeia — apesar de ter dito na reunião, segundo o Financial Times, que há “limites” para as ajudas e que estas terão de ser reembolsadas de alguma forma. Mas para o Presidente francês, Emmanuel Macron, como voz dos países mais endividados, obrigar os países a endividarem-se mostrará que a Europa “não estará à altura do que é necessário” nesta crise. Já o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, abriu a porta a subvenções através dos instrumentos do QFP, como os fundos estruturais, mas disse que o fundo de recuperação teria de ser “principalmente um instrumento de empréstimos”.

De qualquer forma, estes fundos terão sempre um caráter temporário, sendo usados nos próximos dois a três anos, e será preciso definir a sua maturidade assim como a taxa de juro a ser paga pelos Estados que a estes recorrem. Essas condições irão determinar, na opinião de António Costa, se esta resposta europeia pós-pandemia é uma “bazuca” ou uma “pressão de ar”. Certo é que, perante o acordado nesta reunião do Conselho Europeu, não estamos perante uma “fisga”.

Von der Leyen quer aumentar margem para UE se financiar

A forma como os fundos devem ser distribuídos é o novo “diabo” dos pormenores desta resposta europeia, mas há mais detalhes que ainda levantam dúvidas. Desde logo, a Comissão Europeia precisa de ter fundos e garantias dos Estados para conseguir endividar-se para ter o dinheiro suficiente para o QFP 21-27 — cujas negociações estavam num impasse há vários meses — e o fundo de recuperação.

Uma sugestão feita por Ursula Von der Leyen para ter maior capacidade de endividamento passa pelo aumento do “tecto” dos recursos próprios da UE dos atuais 1,2% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para 2%, pelo menos durante dois a três anos, o que permitirá aumentar a garantia implícita do orçamento da UE. Questionada pelos jornalistas, a presidente da Comissão Europeia evitou falar em mais números, remetendo para mais pormenores para 6 de maio, consoante a evolução da negociação com os Estados-membros.

Além dos recursos próprios, poderá também haver um aumento das contribuições dos Estados. Esta tem sido uma das polémicas que tem deixado a negociação do QFP paralisada, mas agora até Angela Merkel abriu a porta a dar um maior contributo para o orçamento comunitário. Contudo, o documento de trabalho da Comissão Europeia referia que os Estados não teriam de avançar com mais dinheiro (pelo contrário, até baixaria a contribuição proposta anteriormente), tal como noticiou o Público.

A capacidade de endividamento da Comissão Europeia condicionará certamente o montante total do QFP e do fundo de recuperação. Segundo o mesmo documento de trabalho já citado, o conjunto de todas as verbas que serão mobilizadas para a reconstrução da economia europeia poderão chegar aos dois biliões de euros, tal como noticiou o Expresso. Anteriormente, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, tinha falado de 1,5 biliões de euros. Von der Leyen assegurou que estaria na casa dos biliões e não dos mil milhões, mas a palavra final será sempre do Conselho Europeu e também aqui poderá haver divergências entre os países.

Outro detalhe importante sobre o qual poderá haver divergência é o momento em que este dinheiro estará disponível. Com vários países europeus já a reverterem algumas das medidas de contenção, a “urgência” (palavra repetida por todos os responsáveis europeus) de ter uma estratégia de recuperação é cada vez mais. O problema coloca-se também porque o próximo orçamento comunitário só entrará em vigor a 1 de janeiro de 2021 e até lá deverá ser necessário começar a estimular a economia europeia, ainda que a partir de 1 de junho os países já devam ter acesso ao que foi aprovado pelo Eurogrupo e retificado pelo Conselho Europeu.

Ursula Von der Leyen e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, querem uma resposta rápida, mas a discussão entre as capitais europeias poderá atrasar o processo. A expectativa do Governo português é que este verão haja um “acordo político sobre o QFP e o fundo de recuperação”. “Há uma vontade política de todos de não frustrar aquilo que é a exigência de todos os europeus”, disse António Costa. Deverá ser no Conselho Europeu de 18 e 19 de junho que uma decisão final terá de ser tomada.

Discutido e decidido tudo isto, também se colocará outra questão: para que áreas irá este dinheiro? Aí parece já haver acordo no Conselho Europeu, apesar das dificuldades que poderá depois existir em específico em cada instrumento ou programa. Os líderes europeus decidiram dar aval às prioridades do executivo comunitário: investir no combate às alterações climáticas, na transição digital e na autonomia industrial do bloco europeu, assim como na construção de uma resposta europeia rápida para situações de urgência, fragilidades que vieram ao de cima com a situação provocada pelo coronavírus.

“Tudo isto é sobre proteger a integridade do nosso mercado único e da nossa união, pelo que se o fizermos bem, e houver sucesso, então todos os investimentos terão valido todos os cêntimos que vamos gastar neles”, resumiu Ursula Von der Leyen na conferência de imprensa.

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