Os problemas do Adicional ao IMI (ou “Imposto Mortágua”)

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 5 Maio 2020

Espera-se que os sujeitos passivos possam socorrer-se de teses argumentativas disruptivas e devidamente adequadas à natureza do AIMI.

O Adicional ao IMI (“AIMI”) – recorrentemente designado por “Imposto Mortágua” – foi introduzido no sistema fiscal português por via da Lei do Orçamento do Estado para 2017, encontrando-se a respetiva receita consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Ao nível da respetiva estrutura de incidência, o AIMI incide sobre um valor agregado: a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios situados em território português, de que um determinado sujeito passivo seja titular (à exceção dos prédios urbanos classificados como afetos a “comércio, indústria, ou serviços” e “outros”).

Nessa medida, o AIMI convive lado a lado com a tributação estática do património que já ocorre em sede de IMI.

Em termos um pouco mais concretos, o AIMI incide apenas sobre os montantes superiores a €600.000 (para solteiros) ou €1.200.000 de valor patrimonial tributário (para casados e unidos de facto).

Pese embora a indiscutível necessidade de reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e necessária reponderação da sua trajetória de sustentabilidade, não é possível afirmar que toda e qualquer opção de política fiscal criada para o efeito pelo legislador é tecnicamente idónea e, como tal, legítima.

Justifica-se, por isso, aludir a alguns dos problemas sobre os quais repousa o regime do AIMI.

  • O AIMI não é um mero adicional, mas um verdadeiro imposto especial sobre o património

Da aplicação de uma taxa de imposto à respetiva matéria coletável resulta uma coleta principal.

Caso sobre esta última coleta incida uma nova taxa de imposto teremos uma coleta adicional.

Ora, apenas neste último caso existirá um verdadeiro imposto adicional, na medida em que a sua taxa é ou funciona como um verdadeiro complemento face à coleta principal do imposto de que serve como adicional.

Em face do exposto, facilmente se verifica que não é essa a realidade subjacente ao caso do AIMI.

As taxas de AIMI aplicáveis (variáveis consoante o sujeito passivo seja pessoa singular ou coletiva, existindo ainda uma taxa agravada para entidades sediadas em paraísos fiscais) não funcionam como qualquer tipo de complemento ou adicional face à coleta de IMI do mesmo sujeito passivo.

Pelo contrário, as taxas de AIMI incidem sobre uma coleta autónoma, composta pela soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular, consoante essa soma seja superior a €600.000 ou €1.200.000, mais uma vez consoante o caso.

Verifica-se, por isso, que a arrumação do AIMI dentro do Código do IMI é meramente formal, servindo o propósito de atenuar aquela que é a sua inevitável autonomia, enquanto imposto especial sobre o património imobiliário.

  • O AIMI é um mecanismo de tributação antecipada de mais-valias imobiliárias latentes e, nesse sentido, apresenta uma duvidosa conformidade constitucional

Tratando-se o AIMI de um imposto, afigura-se igualmente necessária a respetiva parametrização à luz do regime constitucional dos impostos.

E é justamente a este nível que o AIMI volta a denunciar uma grave antinomia, desta vez com prejuízo para a sua subsistência no sistema fiscal português.

Ao incidir sobre uma matéria coletável composta pela soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios na sua totalidade, a estrutura de incidência do AIMI presume a existência de uma capacidade contributiva onde, em boa parte dos casos, se encontra apenas uma mera deslocação de rendimento entre os portfólios dos sujeitos passivos e a sua conversão numa forma jurídica distinta, o património imobiliário.

Nesse sentido, é nosso entendimento que o real propósito inerente ao AIMI é o de onerar especialmente os sujeitos passivos que, em especial numa conjuntura de inflação imobiliária, sejam titulares de mais-valias latentes de valor elevado.

E tal sucede essencialmente porque, tanto em sede de IRS e IRC, as mais-valias (incluindo as imobiliárias) apenas são tributadas aquando da respetiva realização, ou seja, no exercício correspondente à alienação.

Perante esta limitação imposta pelo princípio da realização, ao qual se subordinam os dois impostos sobre o rendimento vigentes (IRS e IRC), o legislador optou por um modelo de tributação em que, por intermédio de um imposto especial sobre património imobiliário é antecipada a tributação das referidas mais valias-latentes, com uma frustração que se antevê especialmente grave do princípio do rendimento líquido – um dois mais importantes corolários, senão mesmo o mais importante, do princípio da capacidade contributiva.

Bastará que exista um caso em que o AIMI incida sobre património ao qual não equivalha qualquer acréscimo patrimonial líquido para o sujeito passivo – conforme entendemos que facilmente sucede – e a sua legitimidade constitucional, como imposto especial sobre o património, fica irremediavelmente comprometida.

Espera-se, por isso, que mais tarde ou mais cedo, os sujeitos passivos possam socorrer-se de teses argumentativas disruptivas e devidamente adequadas à natureza do AIMI, suscitando os vícios de inconstitucionalidade que antevemos em relação ao respetivo regime e que refletem uma total desadequação deste imposto especial sobre o património imobiliário a alguns dos pressupostos estruturantes do Estado Fiscal.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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