Um barbeiro de máscara, um stand vazio e uma livraria aos papéis. Porto já abriu portas ao comércio

Na cidade do Porto, a retoma da atividade económica está a arrancar de forma gradual. Alguns comerciantes defendem que é um recomeço precoce e sentem algum desconforto.

Pequeno comércio, cabeleireiros e livrarias abriram portas esta segunda-feira. Na cidade do Porto, faltava pouco para as dez da manhã e os comerciantes já estavam a postos para a reabertura. As ruas ainda estavam um pouco desertas, o cheiro a lixívia pairava no ar e os olhares cruzavam-se com alguma desconfiança.

Novas rotinas, novos hábitos e uma desinfeção constante, era este o cenário. Após quase dois meses em estado de emergência, as portas começam a abrir-se, perante rostos escondidos e um silêncio que invade aquelas que eram as ruas mais movimentadas da Invicta.

Na barbearia Le Beard, localizada na Rua de Cedofeita, a porta abriu às dez em ponto. Limpeza de material, redução do staff, material descartável, desde penteadores, máscaras, luvas, viseiras, desinfetantes e limpeza extra são algumas das medidas em vigor. A marcação é uma exigência, os clientes têm obrigatoriamente que aguardar à porta e o espaço é todo desinfetado a cada novo corte de cabelo.

Sérgio Nora, barbeiro da Le Beard, está de volta ao ativo. Com máscara, viseira e dois pares de luvas já vai no segundo cliente e o suor é a prova do esforço. Confessa ao ECO que sente alguma dificuldade na arte da manusear a tesoura, mas destaca que tem “que adaptar as técnicas às circunstâncias atuais”.

“Tive mais dificuldade, mas é tudo uma questão de adaptação. Acredito que daqui a uns dias estaremos mais aptos. Cortar um cabelo com uma máscara é um desafio”, conta o barbeiro Nora.

Jorge Leitão foi dos primeiros clientes a marcar presença nesta reabertura e confessa que já ansiava um corte de cabelo. É a favor desta retoma gradual, até porque considera essencial “sentirmos esta sensação que é possível voltar a uma normalidade, mesmo que seja uma normalidade adaptada até para voltar a existir confiança”.

Antes da Covid-19, a equipa da Le Beard contava com três barbeiros e eram feitos cerca de 30 cortes por dia. No pós-Covid-19 estão apenas dois barbeiros ao serviço e pretendem atender aproximadamente entre dez a doze clientes por dia, uma forma de respeitar as medidas e salvaguardar a segurança de todos.

Entre os clientes é feito uma pausa para desinfetar todo o espaço e o material. Face a estas novas rotinas, o tempo do corte é superior. “O corte foi muito mais demorado que o habitual, anteriormente demorava cerca de meia a 45 minutos, hoje precisei de mais de uma hora”, explica o barbeiro Sérgio Nora.

ECO

O proprietário da Le Beard, Joel Rocha, destaca que os custos adjacentes a estas medidas de contingência são significativos: “cerca de metade do custo do corte é para material descartável”, conta.

O proprietário da barbearia Le Beard não concorda com esta reabertura gradual. “Acho que ainda é cedo e existem poucas regras impostas ou pensadas para o setor”. O barbeiro Sérgio Nora corrobora a ideia do proprietário e evidencia que “esta retoma é precipitada, até porque o nosso setor é uma área de contacto, e pedem-nos para evitar o contacto, o que acaba por ser antagónico. Não devíamos retomar já, aguardar mais um pouco pelo evoluir da situação”, refere.

“Ainda é cedo para esta retoma da atividade económica. Existem poucas regras impostas ou pensadas para o setor dos cabeleireiros e barbearias.

Joel Rocha

Proprietário da Barbearia Le Beard

Apesar de não concordarem com esta retoma, elogiam a postura dos clientes e destacam que “estão a tomar medidas e estão a respeitar bastante as medidas de contingência”.

Da barbearia para o stand

No stand de automóveis Armando J. Rodrigues, localizado na Rua de Serpa Pinto, no Porto, o ambiente é diferente da barbearia Le Beard. As portas do stand estão abertas, as viaturas estão expostas, mas ainda não entrou nenhum cliente desde as dez da manhã e a hora de almoço já não tarda.

O stand fechou portas antes de ser declarado estado de emergência e os prejuízos são de grande escala. “Não temos tido vendas e os custos são os mesmos”, conta Pedro Rodrigues.

Com as vendas de carros a registarem uma queda histórica de 84,6%, o stand Armando J. Rodrigues esteve de portas fechadas durante 45 dias. Nesse espaço de tempo, vendeu apenas uma viatura, quando a média, antes do Covid-19, seriam entre 4 a 6 carros por mês. “Nestes 45 dias era suposto vendermos entre seis a dez carros”, explica Pedro Rodrigues.

“Temos contactos telefónicos, mas ainda não recebemos nenhum cliente”, explica o funcionário Pedro Rodrigues. Destaca ainda que “não havia uma expectativa muito grande para a abertura porque os clientes não querem arriscar neste momento porque estão desconfiados em relação ao que vai acontecer“, explica Pedro Rodrigues.

Em relação ao test drive, o cliente pode optar por ir sozinho e tem de obrigatoriamente usar máscara, viseira e luvas e fazer o percurso de vidros abertos. Posteriormente o carro é todo desinfetado. “Temos que transmitir confiança ao cliente”, explica Pedro Rodrigues.

E depois chegámos às livrarias

As livrarias foram outros dos setores a abrir portas nesta primeira fase do plano de desconfinamento. Todavia, é notório que o setor está a arrancar devagar. A livraria mais icónica da cidade do Porto, a livraria Lello ainda está de portas fechadas. Lá dentro estava uma equipa de técnicos a preparar a reabertura. Na Bertrand as portas já estavam abertas, mas o fluxo de pessoas a entrar e a sair é muito reduzido, assim como na livraria Franciscana.

Ao percorrer a conhecida Rua de Cedofeita, no Porto, Luís Moutinho, proprietário da Livraria Candelabro estava a dar os retoques finais para a reabertura já passava das onze da manhã. Luís Moutinho brinca e diz que está a abrir em modo “soft opening”.

A livraria fechou portas mesmo antes de ser declarado estado de emergência e o proprietário destaca que no tempo que esteve fechado não ganhou para as despesas e que os prejuízos foram quase totais. “Não é 100% de prejuízo porque temos uma loja online e as vendas através deste canal dispararam um pouco”, explica Luís Moutinho.

A livraria Candelabro conta com vários capítulos e uma história de 68 anos. Apesar da quebra de receitas, o proprietário da Livraria Candelabro está otimista com esta retoma. “As pessoas estão fartas de crise (…) e acho que há um exagero adjacente. Este vírus vai transformar-se num vírus inofensivo. Até agora morreram menos pessoas de Covid-19 que de gripe todos os anos. Estamos mais a morrer da cura que da doença”, desabafa Moutinho.

Apesar da quebra brutal nas receitas, admite que há sempre quem esteja pior. Explica que os livros não se estragam e está convicto “que com esta reabertura vamos recuperar o tempo perdido”. Diz que estaria pessimista se fosse proprietário de um hotel ou de um restaurante. “O turismo não vai voltar a ser o que era num curto prazo. Portugal vai sofrer muito a esse nível porque estamos muito dependentes do turismo”, conclui o proprietário da Livraria Candelabro.

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