É lay-off ou é lei-off?

Num dia o ministério da Segurança Social diz uma coisa sobre o lay-off, e no dia seguinte diz o seu contrário.

O estadista Otto von Bismarck dizia que “se os homens soubessem como são feitas as leis e as salsichas, não respeitariam as primeiras e não comeriam as segundas”.

A ministra Ana Mendes Godinho e o Ministério da Segurança Social estão a fazer leis em cima do joelho, sem respeito pelos trabalhadores e pelas empresas que estão numa situação de grande fragilidade e que, nesta altura, dispensavam ter de juntar a insegurança jurídica à insegurança económica.

Um bom exemplo é o decreto-lei 20/2020 que permite às pessoas que pertencem a grupos de risco poderem pedir um atestado médico e faltar ao trabalho. Este decreto-lei foi publicado numa sexta-feira e incluía diabéticos e hipertensos. Na segunda-feira seguinte foi republicado, e dele desapareceram os diabéticos e os hipertensos. Assim, de chofre, sem nenhuma justificação.

No regime do chamado lay-off simplificado, já perdemos a conta ao número de vezes que o decreto foi alterado e corrigido. Pior do que fazer leis em cima do joelho, é interpretá-las com uma grande leviandade. Senão vejamos este exemplo.

No passado dia 2 de abril, o Ministério da Segurança Social garantia ao Dinheiro Vivo que as empresas que decidissem pagar aos trabalhadores em lay-off acima da remuneração máxima permitida (1.905 euros) “não terão direito à isenção contributiva nessa parcela”. A própria Direção-Geral do Emprego, que é tutelada pelo ministério, corroborava no seu site que “o valor pago acima da compensação retributiva não está isento de contribuições para a Segurança Social”.

Entretanto esta frase desapareceu do site (assim de repente, sem explicação) e, esta terça-feira, em declarações ao Jornal de Negócios, o mesmo ministério veio dizer que afinal as empresas que pagam acima do valor do lay-off têm direito à isenção total das contribuições. A lei nem sequer mudou neste caso, apenas mudou a interpretação que o ministério faz do decreto que o próprio ministério fez. Isto é patético.

Isto é fazer leis em cima joelho, é fazer mudanças de decretos com os pés, é empurrar as dúvidas com a barriga e é interpretar a legislação com a cabeça fora do lugar. É a anatomia de um ministério sem liderança.

Já nem se exige que a ministra seja competente e perceba dos temas de Segurança Social; bastava contratar advogados de direito laboral — que há muitos e bons em Portugal — para ajudar a fazer leis que dessem alguma segurança jurídica às empresas.

Não faz sentido que há quase dois meses empresas com dificuldades de tesouraria estejam a pagar contribuições para a Segurança Social que afinal nem sequer são devidas.

Este disparate no lay-off não é um caso isolado. O Ministério da Segurança Social já tinha falhado os prazos com que se comprometeu a pagar o lay-off, levando o ministro Siza Vieira, numa atitude de humildade, a reconhecer que as expectativas dos empresários tinham sido frustradas.

Como se não bastasse não pagar a horas, muitas empresas viram o seu processo rejeitado pela Segurança Social por falhas não das empresas, mas dos serviços da própria Segurança Social. A outras empresas foi-lhes rejeitado o apoio por falta do IBAN e mais tarde veio a descobrir-se que afinal os serviços já tinham o IBAN. Já para não falar de empresas que ficaram sem apoios porque tinham pagamentos em atraso à Segurança Social, quando foi a própria Segurança Social a adiar os prazos de pagamento das contribuições.

Esta quarta-feira, a ministra do Trabalho e da Segurança Social vai ao Parlamento a pedido do PAN para tentar explicar todas estas trapalhadas. Ficava-lhe bem um pedido de desculpas aos diabéticos, aos hipertensos, aos milhares de portugueses em lay-off e às empresas em dificuldades que, além da incerteza em relação ao futuro, ainda têm de lidar com as incertezas da ministra.

Nesta altura de crise, até podemos desconfiar das nossas salsichas, mas não devíamos ter de desconfiar das nossas leis, dos decretos do Governo e dos seus ministros.

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