João Vieira Lopes não ficou surpreendido com os atrasos no pagamento dos apoios do lay-off. Diz que o calendário anunciado originalmente pelo Governo era "impossível" de concretizar.
Os apoios prometidos às empresas que recorreram ao lay-off não chegaram a tempo do pagamento dos salários e nem as linhas de crédito serviram de boia de salvação. Resultado? Em alguns casos, os ordenados não foram pagos e noutros foi paga apenas a parte devida pelo empregador, conta o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Em entrevista ao ECO, João Vieira Lopes assegura que os prazos inicialmente anunciados pelo Governo eram “impossíveis” de concretizar, razão pela qual não ficou surpreendido quando o Executivo veio anunciar um novo calendário, admitindo mesmo que tinha defraudado as expectativas dos empresários.
Numa nota mais positiva, o líder da CCP adianta que a fatia de pedidos de lay-off recusados está agora nos 16%, número que compara com os cerca de 40% adiantados pelo Ministério do Trabalho, no fim de abril.
E num momento em que gradualmente as empresas começam a retomar a sua atividade, ainda nada se sabe sobre o prometido apoio ao pós lay-off simplificado — de 635 euros por posto de trabalho mantido. João Vieira Lopes diz que o Governo garante estar a trabalhar para a curto prazo regulamentar esse incentivo. A que prazo concreto? “Ficamos com a ideia de que seria até ao fim do mês”.
Os estabelecimentos estão gradualmente a retomar a sua atividade. Entre eles, estão alguns que recorreram ao lay-off simplificado. Considera que esses estabelecimentos têm condições para trazer agora todos os seus trabalhadores de regresso ao trabalho?
A maior parte das empresas vai retirando os trabalhadores de lay-off a pouco e pouco. Vê-se isso no comércio, na reparação automóvel e em vários outros setores. À medida que o volume de negócios aumentar é que as pessoas terão condições de retirar toda a gente do lay-off. Por isso mesmo é que nós propusemos o prolongamento do lay-off por mais três meses. Pensamos que será um período em que será possível ter uma ideia melhor da recuperação possível, nestes diversos setores.
E um alargamento de três meses será suficiente?
Têm de ser definidas regras gerais. Esta crise é tão inesperada e a sua evolução é tão inesperada que, às vezes, é difícil tomar medidas a longo prazo. Nesta fase, nós pensamos que esses três meses serão necessários. Se falar connosco daqui a dois meses… não temos uma posição fechada.
Repare no que se passou em relação ao arrendamento. Inicialmente, o que se propunha era o diferimento do pagamento de rendas e depois pagar as rendas atrasadas num período de 12 meses. Neste momento, verificamos que não há condições de negócio para a maior parte das empresas pagar as rendas do período em que não funcionaram. Avançamos com duas propostas [nesse sentido]: uma para o comércio de rua e outra para os centros comerciais. Isto prolongou-se muito mais do que estava previsto. Por isso digo que esta proposta [do prolongamento do lay-off], daqui a dois meses, provavelmente repensaremos se é suficiente ou não.
Quando fala em prolongamento do lay-off, fala do prazo máximo da prorrogação do regime para cada empresa ou do período em que o regime está disponível?
Para todas. Temos de funcionar de uma forma aberta. Há empresas que pensaram que não necessitavam [de recorrer ao lay-off] e que, começando em junho, se virem que o negócio não tem viabilidade em termos de volume e que têm de manter o pessoal reduzido, também poderão entrar [no regime]. Temos de ter uma mentalidade aberta, porque o comportamento dos consumidores é uma variável difícil de conseguir prever de uma forma exata.
A ministra do Trabalho informou-nos que, neste momento, o nível de recusas [dos pedidos de lay-off] anda pelos 16%. Aqui há uns quinze dias, falava-se em 40%.
No que diz respeito ao lay-off, este mês e meio foi marcado por alguma confusão e atrasos. Considera que a Segurança Social falhou ou deve ser o Governo a ser responsabilizado?
Fomos muitos claros. Compreendemos que, se havia 100 pedidos de lay-off por mês, e apareceram agora 60 mil ou 70 mil, dificilmente, em Portugal ou noutro país qualquer, a máquina da Segurança Social podia dar uma resposta completamente imediata. A principal crítica que fazemos ao Governo é que não se devia ter comprometido com prazos que eram impossíveis. Não havia possibilidade, em termos humanos, de responder à situação. Isto teve de ser feito através de um conjunto de processos automáticos, envolvendo inteligência artificial e robótica. E esse tipo de respostas são cegas. Se alguém não meteu uma vírgula, o pedido vem automaticamente para trás.
Na reunião desta sexta-feira da Concertação Social, a ministra do Trabalho informou-nos que, neste momento, o nível de recusas anda pelos 16%. Aqui há uns 15 dias, falava-se em 40%. Portanto, foram corrigidas uma série de situações. Nós sempre perguntámos e nunca nos foi respondido quantos pedidos, desses 40%, voltaram para trás por problemas burocráticos e quantos por as empresas não serem elegíveis: por terem dívidas ao Estado, à Segurança Social e ao Fisco. Se se confirmar este número [os 16%], começamos a pensar que pode ter um desempenho razoável.
Mas já teve uma consequência muito negativa, que foi as empresas não terem liquidez para pagar os salários no fim de abril, conjugado com o atraso nas linhas de financiamento. Sob esse ponto de vista, foi negativo. E por isso é que dissemos ao Governo que as empresas, mesmo que não conseguissem pagar salários, não deviam ser penalizadas. Conhecemos empresas que não conseguiram pagar salários e ficaram à espera de receber o dinheiro da Segurança Social; outras pagaram só a parte correspondente à empresa e a outra parte do salário só será paga à medida que a Segurança Social for satisfazendo as suas obrigações. A informação que nos foi dada é que todos os pedidos que entraram até ao fim de abril foram pagos até esta sexta-feira.
Portanto, sempre pensou que os pagamentos prometidos para dia 28 não iriam ser concretizados? Quando o Governo anunciou essa data, não tomou o calendário com certeza?
Pensamos que o Governo não devia ter feito esta promessa. Com o conhecimento que nós temos, ao longo dos anos, da Segurança Social, passar de 100 para 60 ou 70 mil, já se sabia que era impossível, mesmo com os processos automáticos.
Como o Governo se atrasou na questão das linhas para os outros setores, o que acontece é que as linhas só começaram a chegar à banca na semana a seguir à Páscoa. Contávamos que tivessem chegado mais cedo e tivessem dado alguma tesouraria às empresas, o que poderia ter resolvido o problema dos salários. Isso não sucedeu.
Concluo que não ficou surpreendido quando o Governo anunciou um novo calendário e assumiu os atrasos.
Não me surpreendeu e nós alertamos que, para as empresas poderem pagar salários, o Governo devia ter antecipado — e aí também há responsabilidade do Governo — as linhas de financiamento. O Governo fez umas linhas iniciais de três mil milhões de euros só para o setor do turismo e para alguns setores da indústria, que representavam mais ou menos 20% do PIB. Os outros setores que representavam 80% ficaram fora.
Como o Governo se atrasou nessa questão das linhas para os outros setores, o que acontece é que as linhas só começaram a chegar à banca na semana a seguir à Páscoa. Contávamos que tivessem chegado mais cedo e tivessem dado alguma tesouraria às empresas, o que poderia ter resolvido o problema dos salários. Isso não sucedeu.
A abertura ao comércio e aos serviços da Linha de Apoio à Economia chegou, portanto, tarde demais.
Éramos da opinião que a primeira linha que o Governo estabeleceu devia ter sido para toda a gente e que, à medida que fosse esgotada, ia sendo atualizada.
Achamos que é melhor aumentar já o plafond da linha de 6,2 mil milhões de euros para dez mil milhões euros ou mesmo para os 13 mil milhões de euros, porque vai ser necessário e quando mais depressa for feito melhor.
E como é que vê agora a decisão do Governo de ainda não ter reforçado as linhas, que já estão praticamente esgotadas, apesar de ter “luz verde” de Bruxelas para o fazer?
Bruxelas deu um plafond de 13 mil milhões de euros. As linhas de seis mil milhões de euros já foram ultrapassadas. Neste momento, anda entre os nove e os dez mil milhões de euros o crédito requerido, se bem que haja situações que são difíceis de controlar. Por exemplo, se uma empresa fez o mesmo pedido a três bancos para escolher o melhor, aparece em triplicado. Portanto, provavelmente esses dez mil milhões de euros estão um bocadinho empolados. Mas o site do IAPMEI diz que as linhas estão esgotadas, os bancos a nós dizem que as linhas estão esgotadas. O Governo informou-nos que já estão aprovados, dessas linhas, 4,7 mil milhões de euros, mas só chegaram às empresas até agora 636 milhões de euros.
Para não se repetir tudo isso, achamos que é melhor aumentar já o plafond dos 6,2 mil milhões de euros para dez mil milhões euros ou mesmo para os 13 mil milhões de euros, porque vai ser necessário e quando mais depressa for feito melhor.
E o Governo deu sinais nesse sentido, de que vai fazer esse reforço em breve?
Sobre estas propostas, o Governo não se pronunciou, na reunião de sexta-feira. Disse-nos que está à espera de ver o que é que a União Europeia definirá em termos de apoios aos diversos países e que parte é que será como empréstimo e que parte é que será a fundo perdido ou em empréstimo a longo prazo para tomar mais decisões. Por outro lado, ficou de analisar as propostas apresentadas e ficámos de reunir, daqui a 15 dias, a Concertação Social sobre estes temas.
No diploma do lay-off estava também incluído um apoio extraordinário à retoma da atividade, de 635 euros por posto de trabalho mantido. Ainda nada se sabe sobre esse apoio. Já questionaram o Governo sobre esta matéria?
Colocámos a questão na Concertação Social e, em relação a esse ponto, o Governo respondeu que está a trabalhar para regulamentar isso a curto prazo.
Mas avançou algum prazo?
Não, não se comprometeu com prazos. Ficamos com a ideia de que seria até ao fim do mês, mas isso não nos foi dito explicitamente.
E parece-lhe que esse prazo seria razoável? Ou já chegará tarde?
Se for até ao fim do mês, penso que é razoável. Há já empresas que terminaram o lay-off. Não houve muitas entre as que abriram no dia 4 de maio, haverá mais entre as que abrem agora no dia 18. Se o Governo, até ao fim do mês, resolver isso, penso que é um prazo razoável.
Não há que ter ilusões de que as empresas vão começar a pagar em julho as obrigações fiscais [diferidas], até porque a retoma vai ser lenta.
Que outras medidas acha que têm de ser urgentemente postas em prática, neste momento para assegurar a viabilidade das empresas e a proteção dos postos de trabalho?
Há uma questão básica que é o diferimento das obrigações fiscais. Não há que ter ilusões de que as empresas vão começar a pagar em julho essas obrigações, até porque a retoma vai ser lenta. Por isso, propusemos que todas essas obrigações fiscais — incluindo a suspensão dos processos de execução fiscal — fossem diferidas para o último trimestre.
O Governo arrancou esta legislatura com um meta para o salário mínimo: chegar a 750 euros em 2023. Neste momento, esse objetivo é uma utopia ou ainda há condições para continuar a pensar nisso?
Não vale a pena estarmos a especular sobre o salário mínimo. As situações do país podem ser muito diferentes. Por exemplo, se houver uma nova vaga da pandemia ou se não houver, dá logo uma situação completamente diferente. A seu tempo pensaremos nisto [no salário mínimo]. Antes disso, não vale a pena. Qual é o nível de recuperação que conseguiremos até aí? Esses objetivos tinham um conjunto de pressupostos de evolução económica que, neste momento, se alteraram.
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João Vieira Lopes sobre lay-off: “Governo não se devia ter comprometido com prazos impossíveis”
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