Teletrabalho fez aumentar procura de casas mais amplas e com espaços exteriores. Mercado residencial continuará a crescer.
Terraços, varandas, pequenos jardins e outros espaços interiores. Uma divisão extra para montar um home office ou uma divisão maior para caber uma secretária e outros elementos que ajudem a criar um ambiente propício ao teletrabalho. A pandemia veio acelerar a prática de teletrabalho e, também, a procura de casas que permitam novas lógicas de organização e de vivência desse espaço.
A alteração das rotinas de trabalho e de vida em geral levaram a um aumento de cerca de 80% da procura de casas com espaços exteriores, adiantou a JLL na apresentação do estudo “Remotework em Portugal“, divulgado a semana passada. “A casa passou a ser, além do espaço onde vivemos com a família, um sítio onde precisamos de ter um espaço de trabalho com o mínimo de interrupções. Daí a procura de casas com mais uma divisão e com espaço exterior para estar ao ar livre, pelo aumento da ‘necessidade de respirar'”, detalha Patrícia Barão, head of residential da JLL, na apresentação do estudo.
“A casa ganhou uma importância redobrada e passou a ser encarada como o refúgio de cada um. Notamos que a dimensão e o conforto das casas são elementos ainda mais valorizados”, aponta Miguel Poisson, diretor-geral em Portugal da Sotheby’s International Realty.
Com o mercado “congelado no que diz respeito a transações” devido ao “medo que surgiu no início da pandemia” e decorrente da “dificuldade de fazer visitas virtuais aos imóveis” e do “fecho das fronteiras”, a Sotheby’s retoma, tal como o mercado em geral, a normalidade. Ou melhor, entra no “novo normal”.
De volta à atividade desde 4 de maio — depois de um período de teletrabalho desde 13 de março, data de encerramento das lojas –, Miguel Poisson adianta que o “arranque foi positivo” e que o mercado dá, “novamente, sinais de dinamismo e de retoma”. “A procura nacional e internacional está a aumentar todos os dias apesar das limitações nas viagens áreas e terrestres. As pessoas voltam a tomar decisões para a sua vida e dão agora ainda mais importância à sua casa, estando disponíveis para dar um valor superior pelos imóveis para garantir nomeadamente que têm um espaço adequado e confortável para trabalhar. Também são mais valorizados os jardins e as piscinas sobretudo na segunda habitação”, explica ao ECO o diretor-geral da Sotheby’s International Realty.
Depois de uma quebra muito acentuada em termos de contactos e pedidos de informação, o tráfego no site e app da Century 21 começou a recuperar na última semana de março. “Em maio, a média semanal de tráfego e contactos registados foi a mais alta do ano. Com os dados atuais, comprova-se que durante o período de maior confinamento houve uma suspensão da procura, mas a maioria dos consumidores que tinham necessidade de habitação regressaram agora ao mercado”, explica Ricardo Sousa, CEO da imobiliária.
A casa passou a ser, além do espaço onde vivemos com a família, um sítio onde precisamos de ter um espaço de trabalho com o mínimo de interrupções.
Também a ERA nota, depois de uma descida repentina “na compra/aluguer de casa ou apartamento assim que o surto de Covid-19 chegou a Portugal”, uma retoma da atividade no mercado a partir de abril. A procura por imóveis e os pedidos de informação têm aumentado “substancialmente” e com um novo padrão. “O aumento da procura por moradias em detrimento de apartamentos, uma procura que continua a aumentar de forma substancial“, assinala Rui Torgal, diretor-geral da ERA Portugal.
Entre 16 de março e 22 de abril, o site da ERA registou 1,8 milhões de pesquisas por moradias enquanto, no período de 7 de fevereiro a 15 de março, esse valor tinha sido de cerca de 1,6 milhões de pesquisas pelo mesmo tipo de imóvel. Rui Torgal aponta duas razões que podem explicar este aumento: a primeira, a expectativa de clientes compradores “face a uma descida de preços originada pela crise sanitária” e, por outro lado, “pela situação de confinamento social e que pode estar a contribuir para um aumento da opção por espaços maiores e com uma maior liberdade de movimentação e espaços exteriores, como é o caso das moradias”.
Mário Resina, operating principal da Keller Williams, nota “uma ligeira descida na procura, perfeitamente em linha com a situação atual que se vive”. “Se olharmos para os indicadores das últimas semanas e para o feedback dos nossos associados sentimos um aumento dos contactos e interesse, quer de clientes compradores, quer de proprietários motivados a vender”, assinala, ao ECO. A RE/MAX nota o mesmo. “Em termos de tipos e tipologias, a única certeza registada foi a diminuição da atividade do setor, afetando indistintamente apartamentos, terrenos, moradias, lojas e todos os outros tipos de imóveis. Alguns especialistas referem o facto de haver hoje em dia um relativo aumento do interesse por moradias, sobretudo situadas em zonas mistas, semi-urbanas, motivada pela necessidade de distanciamento social e confinamento que todos devemos respeitar, mas essa flutuação tem sido sobretudo pontual, localizada”.
“Novas” casas
Ao mesmo tempo que o mercado retoma a sua atividade depois de alguns meses em queda, tanto na procura como em transações, há mudanças a assinalar também no que toca à tipologia das buscas. “Neste momento regista-se uma maior apetência por moradias, apartamentos com áreas maiores, e há uma crescente valorização de outros critérios na procura de habitações, como por exemplo, maior exposição solar, luminosidade e terraços”, descreve Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal.
“Com o confinamento, tivemos mais tempo para viver as casas. É muito diferente do que estávamos habituados a ter na nossa vida em que, mesmo ao fim de semana, vivíamos rodeados de estímulos. Estamos obrigados a viver as nossas casas e isso inclui termos um espaço para trabalhar e espaço para viver“, explicava Patrícia Barão, head of residential da JLL.
Também por isso “o trabalho a partir de casa levou à valorização de ter mais uma divisão, que poderá servir como escritório”, concorda Miguel Poisson. “Por outro lado, a necessidade de proteção e isolamento levou a um aumento na procura pela segunda habitação, em muitos casos um refúgio no campo ou na praia próximo da cidade”, exemplifica o diretor-geral da Sotheby’s. O setor ganha, assim, uma nova perspetiva, com a “tomada de consciência de que o imobiliário é o ativo mais interessante para investir, quando comparado retorno versus risco. (…) As taxas de juro, que vão continuar baixas, vão manter o imobiliário em alta nos próximos tempos”, antecipa Miguel Poisson.
As taxas de juro, que vão continuar baixas, vão manter o imobiliário em alta nos próximos tempos.
Por outro lado, Ricardo Sousa aponta um detalhe: o facto de esta busca ser “aspiracional”. “São necessidades e motivações geradas pelo efeito do confinamento, mas quando reunimos com os clientes verificamos que a realidade possível é limitada pelo poder de compra das famílias. Consideramos, por isso, precipitado assumir que estes fatores, para já, possam indiciar uma verdadeira tendência de mercado”, assinala.
Repensar negócios e investimento
Numa altura em que o teletrabalho passou a fazer parte da rotina de cada vez mais trabalhadores, os investidores também repensam os seus investimentos. Assim, em vez dos tradicionais espaços comerciais e escritórios, Miguel Poisson aponta a tendência de “olhar para o mercado imobiliário residencial ainda com maior interesse por ser um investimento mais seguro”.
“Esta crise fará com que muitos espaços comerciais não reabram, perspetivando-se um aumento na oferta deste tipo de ativos com alguma probabilidade dos preços baixarem, o que é menos provável na área residencial”, descreve. É, por isso, expectável alguma redução de preços no mercado de comércio e de escritórios, “pelo crescimento da oferta, e uma tendência de redução na procura ao nível de escritórios, pelo crescimento do trabalho remoto”, explica. “Várias empresas estão, de facto, a repensar a dimensão dos seus escritórios, no contexto da possível adoção de sistemas rotativos em que, por exemplo, não há lugares marcados e há sempre um conjunto de trabalhadores em casa”, detalha.
No que respeita à procura internacional — que representa metade da carteira de clientes da imobiliária –, o responsável assinala que se mantém com “menos visitas físicas por condicionantes nas deslocações”. Ainda assim, este será um fator temporal que tenderá a desaparecer. “A pandemia não retirou os fatores distintivos de Portugal: o clima, a segurança, as infraestruturas, a gastronomia, a hospitalidade e os benefícios fiscais. Além disso, a boa resposta de Portugal no combate a esta pandemia tem levado a que investidores que tradicionalmente se focavam em Espanha, Itália, França e Reino Unido, olhem agora para Portugal com outros olhos”.
A pandemia foi também uma oportunidade para as imobiliárias repensarem, de alguma forma, o seu modelo de negócio. A aposta no online foi uma das maiores manifestações desse processo.
No caso da Keller Williams, a empresa notou, pelo contrário, um aumento do número de proprietários de apartamentos de tipologia T0. “No comparativo de abril versus março, existem mais clientes proprietários de apartamentos de tipologia T0 que nos confiaram os seus imóveis para venda”, refere. Já os preços, “têm-se mantido estáveis, quer do lado do valor a que é feita a angariação, como do lado do valor a que se fecham negócios”, refere Mário Resina. “Verificamos o aparecimento de imóveis diferenciadores e exclusivos, ao nível das moradias, que fizeram com que aumentasse em 200% o valor médio das moradias angariadas em abril quando comparado com março deste ano. Sentimos que existe agora uma maior disponibilidade para a comercialização deste tipo de imóveis por parte dos seus proprietários para, eventualmente, reinvestirem em tipologias mais pequenas”, sublinha o operating principal da Keller Williams.
Verificamos o aparecimento de imóveis diferenciadores e exclusivos, ao nível das moradias, que fizeram com que aumentasse em 200% o valor médio das moradias angariadas em abril quando comparado com março deste ano.
A Sotheby’s reforçou a dimensão tecnológica mas, também, se tornou mais ágil no desenvolvimento e implementação de projetos. “Adaptámos todo o nosso modelo de negócio para um maior foco no canal online, implementando novas práticas ao longo de todo o processo: desde identificação de potenciais clientes online, passando por visitas virtuais a imóveis, reuniões com clientes por videoconferência, avaliações bancárias sem implicar visita presencial aos imóveis, até à formalização de escrituras através de assinaturas digitais ou através de advogados”, assinala Miguel Poisson.
No caso da RE/MAX Portugal, a pandemia veio estimular ainda mais as “visitas virtuais de imóveis” assim como as “reuniões diárias de trabalho em videoconferência”. “Complementarmente, a aposta no desenvolvimento de conteúdos para formação online foi algo natural, quase automática. A RE/MAX tem vindo a estimular uma certa reaprendizagem da profissão, através de novas formas de criar rapport por videochamada ou de novos métodos de prospeção”, explica a empresa por email.
Na ERA, a Covid-19 trouxe também uma aposta em ferramentas tecnológicas e plataformas digitais. “Uma das ferramentas mais utilizadas pelos colaboradores da rede ERA foi o software G.ERA, que permite gerir toda a mecânica de trabalho, desde o registo de um imóvel ao acompanhamento de um cliente comprador até ao momento da escritura do imóvel”, explica Rui Torgal. Agora, de regresso à rotina, os cerca de 2.500 trabalhadores da empresa estudam e implementam as medidas de segurança que constam do Guia de Boas Práticas. É que o “novo normal” inclui, ali, a oferta de máscaras a clientes e a parceiros que não levem estes instrumentos de proteção individual.
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Com divisões extra para escritório e espaço exterior. Procura de casas maiores aumenta com a pandemia
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