Quem se mete com o Facebook, leva
O Facebook deixou de aceitar dinheiro para promover mensagens de ódio. Fê-lo durante mais de uma década, o que ajudou a firmar a sua dominância no mercado. Hoje, quem se mete com o Facebook, leva.
O Facebook deixou de admitir anúncios pagos com mensagens de ódio. A “novidade” foi anunciada em direto por Mark Zuckerberg na sexta-feira. Importa, pois, assegurar aos caros leitores de que estamos mesmo em 2020, não em 2007.
Eu explico. Foi em novembro desse ano que a empresa lançou o que viria a ser um dois maiores negócios de publicidade na internet a nível global (o outro é o da Google). Dois anos depois, a máquina já gerava uns surpreendentes 764 milhões de dólares. Avançando mais dez anos, os anúncios renderam à empresa quase 69,7 mil milhões em 2019.
A explicar este crescimento estratosférico está o algoritmo que permite à empresa cobrar mais pela publicidade. Em vez de mostrar campanhas indiscriminadas às massas, o Facebook é capaz de ultra-segmentar os anúncios, exibindo-os a públicos muito específicos.
Para funcionar, a máquina só precisa de um combustível: a montanha infindável de dados pessoais que cerca de 30% da população mundial lá mete a troco de nada.
Voltemos então à novidade anunciada há uma semana: o Facebook deixou de permitir anúncios pagos com mensagens de ódio. Repito: anúncios; pagos; com mensagens de ódio. É autoexplicativo. Estamos a falar de uma das maiores empresas do mundo.
A conclusão é a de que não será, por isso, errado atribuir uma parte desse crescimento à disseminação de ódio na plataforma. Uma tarefa hedionda, sim, mas que só foi travada pela empresa 13 anos depois de ter passado a permitir que se pague para promover publicações.
Sim, durante mais de uma década, o Facebook aceitou dinheiro a troco de injetar ódio na sociedade. E sim, estamos mesmo em 2020. Não em 2007.
O Facebook tem-se desdobrado em comunicados para garantir que este é um sinal de que agora é que é, e para negar que beneficie da disseminação de ódio na rede social. Afinal, a empresa parece estar finalmente a fazer um esforço para “limpar” a plataforma.
Mas é uma ideia errada por três motivos:
- O Facebook não pode esperar aplausos por ter feito uma coisa bem depois de ter estado longos anos a insistir em fazer uma coisa mal, como argumentou a jornalista Kara Swisher esta semana. Eu recordo: neste plano, foram 13 anos a aceitar dinheiro de escroques.
- O Facebook não pode exigir reconhecimento por fazer o que está certo. Sobretudo sendo uma empresa dominante, com mais de 2,6 mil milhões de utilizadores, cerca de 48.200 trabalhadores e milhões de acionistas.
- Esta alteração na política da empresa não surgiu do nada. Acontece numa altura em que centenas de anunciantes de peso se juntaram para pressionar a rede social a mudar de atitude, incluindo as gigantes Unilever, Coca-Cola, Starbucks e muitas outras. Estas empresas decidiram boicotar o Facebook, suspendendo as campanhas na rede social. A principal exigência é – adivinhou – que o Facebook aperte o cerco ao discurso de ódio na plataforma. É esclarecedor, se dúvidas havia sobre o que faz Mark Zuckerberg mexer.
A somar a tudo isto, a Columbia Journalism Review publicou esta semana uma reportagem incrível que denuncia corajosamente como o Facebook tenta manipular e pressionar jornalistas. A peça conta mesmo situações em que assessores de imprensa do Facebook mentiram on the record, ou tentaram desdizer coisas que tinham sido ditas em on, já depois de terem sido publicadas.
Estas situações levaram a revista a declarar: “O Facebook opera com o secretismo de uma agência de serviços secretos, e com a autoridade de um governo de um país.” Quem se mete com o Facebook, leva.
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