Como Carlos Alexandre justificou a suspensão de Mexia em 1.094 páginas

Num despacho de 1.094 páginas, o juiz explica a suspensão de António Mexia e Manso Neto, chegando a falar de perigo de fuga e perturbação de inquérito, num processo que começou há 8 anos.

No total, são 1.094 páginas de despacho, assinado por Carlos Alexandre, o juiz de instrução criminal responsável pelo processo EDP, mas em que só mesmo no final do documento é explicada a medida de coação mais grave aplicada a António Mexia e João Manso Neto: a suspensão das suas funções. Suspensão essa que será extinta daqui a oito meses, mesmo que o inquérito ainda não esteja concluído.

O despacho do juiz fala de “perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito” — exatamente o mesmo argumento jurídico usado pelo Ministério Público para invocar essa suspensão de funções, nomeadamente por haver o risco de ambos os arguidos condicionarem o depoimento de colaboradores das respetivas empresas. O juiz chega a dizer que acredita que pode haver perigo de fuga por parte dos arguidos.

Diz também que pode haver hipótese de suborno por parte dos arguidos para com os funcionários da elétrica, caso não tivesse sido aplicada a suspensão de funções.

”Após maturada reflexão, que desconsidera toda a espuma dos dias, das constantes junções de artigos jornalísticos, todos eles muito brilhantes, somos levados a concluir que os perigos invocados pelo Ministério Público e que se reconhecem não são adequada e proporcionalmente acautelados sem a imposição dessa medida de afastamento”, afirma o juiz referindo-se a Mexia e a Manso Neto. “Depois dos ‘sistemas de contactos’ terem atuado há que evitar que prossigam”, defende o magistrado que ‘herdou’ de Ivo Rosa a instrução deste processo, depois do sorteio do processo da Operação Marquês ter ficado nas mãos de Rosa, em exclusividade há mais de um ano.

São páginas e páginas e páginas de citações e fundamentos do próprio Ministério Público (MP) — como é apanágio do juiz de instrução — que se justifica dizendo que “não é por seguidismo” que o faz. Recados a jornalistas, a advogados e até a Mário Centeno e a sua nomeação para Governador do Banco de Portugal (BdP).

Referindo-se à nomeação de João Conceição para a REN, Carlos Alexandre chama este exemplo como mais um caso de “Pactos da Granja” — a colocação e disponibilização de “expertos” (num trocadilho com as palavras espertos e experts) “como lhes apelidou o indigitado novo Governador do BdP para ajudar a clarificar, aplassar dificuldades práticas com tradução legislativa”, diz o magistrado. “Esta figura do ‘Pacto da Granja’ reeditado em múltiplos setores da nossa sociedade foi ensinada ao signatário há quinze anos”. Sendo o signatário, ele próprio.

Além do MP, o magistrado cita também a defesas dos três arguidos — o advogado João Medeiros, da VdA e Rui Patrício, da Morais Leitão — e repesca citações de acórdãos e de doutrina de alguns juristas ilustres da praça. No final, para tudo ficar praticamente igual ao que a acusação pediu, à exceção das cauções de Mexia e Manso Neto um milhão para cada um, a ser paga no prazo de 15 dias — e não os dois milhões por arguido, propostos pelos magistrados.

Os dois ficam ainda proibidos de contactar, por qualquer meio, com vários arguidos e testemunhas do caso e de entrar em todos os edifícios da EDP. O juiz de instrução criminal chega a sugerir que os vários seguranças dos vários edifícios EDP, “em todos os seus acessos”, sejam alertados para não deixarem entrar António Mexia. Ficam ainda proibidos de viajar para o estrangeiro, ficando com a obrigação de entregarem o passaporte. A suspensão decretada aos dois executivos abrange “qualquer cargo de gestão/administração em empresas do grupo EDP, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro”, pode ler-se no despacho.

Já para João Conceição, o administrador da REN (Redes Energéticas Nacionais) e antigo consultor de Manuel Pinho, o juiz Carlos Alexandre não determinou a suspensão de funções mas sim a aplicação de uma caução de 500 mil euros, que os procuradores admitiam ser uma solução se o gestor se mantivesse em funções. Fica ainda proibido de contactar com vários arguidos. E apelida o currículo de Conceição constante da REN como “ridiculamente lacónico para a importância do cargo que exerce”.

Carlos Alexandre faz várias referências ao facto dos dois arguidos terem optado por não prestar declarações no interrogatório judicial que se realizou no início de Junho. “O que aqui foi ponderado foi a natureza altamente complexa dos factos indiciados e a circunstância do arguido ter exercido o direito ao silêncio e, portanto, de não ter feito constar dos autos a sua versão dos acontecimentos e com ela, dessa forma, se comprometendo, para daí indeferir que, o total descomprometimento para si resultante daquele exercício, iria facilitar a intensificação da pressuposta atividade criminosa”, diz o juiz de instrução, ipsis verbis. “Daqui resulta que, objetivamente, o exercício do direito não prejudicou o arguido. Mas também não o beneficia”, referindo-se a Mexia.

Já relativamente a João Conceição, o juiz garante que não optou pela suspensão porque as restantes medidas eram “adequadas, proporcionais e suficientes”, negando que a decisão esteja ligada a um acórdão invocado pela defesa.

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