Novo Banco, BCE e até a bitcoin. Os desafios de Centeno no Banco de Portugal

Mário Centeno toma posse como governador do Banco de Portugal esta segunda-feira. O ex-ministro das Finanças já deu pistas para aquilo que vai ser o seu mandato no supervisor da banca.

Apesar da curta distância, a viagem de Mário Centeno do Terreiro do Paço até à Rua do Comércio foi turbulenta. O ex-ministro das Finanças foi “chumbado” numa audição parlamentar em que apenas o PS votou a favor do seu nome. Ainda viu o tribunal recusar uma providência cautelar interposta pela Iniciativa Liberal que podia ter travado a sua designação para o supervisor. Superados todos os obstáculos, chegou finalmente o dia da tomada de posse do novo governador do Banco de Portugal. Mário Centeno já tem uma ideia dos desafios que terá agora pela frente.

“O Banco de Portugal tem de se tornar sinónimo de ação para enfrentar os inúmeros desafios do futuro próximo. Mas não os deve enfrentar numa torre de marfim, mas sim com toda a sociedade portuguesa“, declarou o ex-ministro aos deputados, há cerca de duas semanas, no âmbito da sua nomeação para o supervisor da banca.

Na sua intervenção no Parlamento, Centeno explicou depois que o “papel do Banco de Portugal não se pode caracterizar pelo antagonismo nem pelo isolacionismo, mas antes pela complementaridade com o Governo, os restantes supervisores financeiros e com a comunidade científica, enfim, com a sociedade”.

O ex-ministro elencou os “quatro desafios-chave” daquilo que deverá ser a “intervenção estratégica” do Banco de Portugal no seu mandato:

  1. Assegurar uma supervisão – prudencial e comportamental – eficiente e exigente, que acompanhe o processo de inovação tecnológica;
  2. Participar na condução da política monetária europeia e na sua revisão estratégica;
  3. Definir uma política macroprudencial consonante com os complexos mecanismos de transmissão de risco no sistema financeiro;
  4. Credibilizar o mecanismo e processo de resolução, condição para a estabilidade financeira.

Alguns destes pontos foram mais desenvolvidos do que outros. Por exemplo, no domínio da inovação tecnológica, Mário Centeno sublinhou que o Banco de Portugal “deve apostar no desenvolvimento da sua dimensão digital e no acompanhamento da evolução do negócio bancário e financeiro, num mundo em que a transição digital assume enorme preponderância, que tem hoje como expoentes máximos as designadas fintech e as moedas virtuais”.

Quanto à política monetária europeia, Mário Centeno considerou que o facto de ter sido presidente do Eurogrupo — reunião informal dos ministros das Finanças da Zona Euro — lhe permitiu ganhar “capital político e reputacional” importante para o Banco de Portugal ter mais peso nas reuniões e decisões do Banco Central Europeu (BCE), onde o governador tem assento no conselho de governadores e onde são definidas políticas relacionadas com os estímulos à economia. E isto quando o BCE tem em curso uma revisão da sua estratégia como banco central.

Novo Banco e a concentração

Centeno também deixou a sua visão em relação aos outros desafios, ainda que de forma indireta. Como quando falou da resolução do BES/venda do Novo Banco.

Já se sabe que será um dossiê que Mário Centeno terá de ser obrigado a revisitar no futuro, a ser gerido com pinças não só pela sensibilidade do assunto, mas também porque o próprio interveio decisivamente enquanto ministro das Finanças (e essa foi uma das razões que levaram os deputados a questionar se ia pedir escusa quando a questão do Novo Banco se levantasse).

Sem estabilidade financeira o país não cresce, sem estabilidade financeira os clientes dos bancos não prosperam e sem estabilidade financeira os próprios bancos ficam em situações débeis e muito difíceis.

Mário Centeno

Centeno considera a resolução do BES “a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”. Já sobre as críticas ao processo de venda do Novo Banco ao Fundo de Resolução, preferiu destacar que a operação permitiu ao país assegurar a estabilidade financeira, com ganhos na perceção de risco de Portugal nos investidores e agências de rating. “Foi este caminho que permitiu a redução do pagamento de juros da dívida. E o investimento massivo no SNS”, destacou.

Também foi questionado sobre a concentração bancária. “É uma questão que nos preocupa do ponto de vista da diversificação dos polos de decisão e somos contrários à sua unicidade, em particular se ela estiver fora do país”, disse.

Neste plano, Mário Centeno deixou a sua visão sobre quais as linhas orientadoras que leva para o Banco de Portugal: “Temos de criar condições para a rentabilidade do setor financeiro em Portugal. Uma das razões que motiva uma tendência de concentração é a procura e a necessidade das instituições financeiras de viabilidade, por causa das taxas de juro baixas. A interferência do que é o plano de negócios destas instituições, com o papel importantíssimo que elas têm no futuro do país, é totalmente entendido por mim nesta lógica“.

Isto porque, acrescentou, “sem estabilidade financeira o país não cresce, sem estabilidade financeira os clientes dos bancos não prosperam e sem estabilidade financeira os próprios bancos ficam em situações débeis e muito difíceis”.

Estudos, estatística e literacia

Para lá do papel de polícia dos bancos, Centeno frisou qual o posicionamento que gostaria de ver adotado pelo “Banco de Portugal do século XXI” no que toca ao seu serviço à comunidade.

Aqui destacou três áreas onde as competências da instituição são insubstituíveis: “os estudos económicos e o acompanhamento da economia portuguesa; a produção de informação estatística e a promoção do sistema estatístico nacional; e a literacia financeira, acompanhada da dimensão comportamental na supervisão bancária”.

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