Bares e discotecas não querem ser pastelarias. Medida do Governo sem adesão

  • Lusa
  • 7 Agosto 2020

Uma semana depois da entrada em vigor da nova regra que permite às discotecas funcionarem como pastelarias ou cafés, os empresários de diversão noturna reiteram a inviabilidade da alternativa.

Uma semana depois da entrada em vigor da nova regra que permite às discotecas funcionarem como pastelarias ou cafés, os empresários de diversão noturna reiteram a inviabilidade da alternativa e alertam para o colapso do setor.

“Isto não vem resolver nada. É uma não resposta e faz com que permaneçam os mesmos problemas no setor. O que diz é que as discotecas têm de continuar fechadas”, afirma à Lusa José Gouveia, da Associação Nacional de Discotecas.

Em 30 de julho, após a reunião semanal do Conselho de Ministros, a ministra de Estado e da Presidência explicou que, no contexto da “situação epidemiológica do país mais controlada”, foi determinada “a possibilidade de os estabelecimentos que são bares na sua origem funcionarem enquanto pastelarias e cafés, seguindo as mesmas regras de distanciamento que estas instituições têm”.

A ministra esclareceu que os bares e discotecas continuam encerrados, permitindo-se apenas que os que queiram funcionar como cafés e pastelarias o possam fazer “sem alterar a sua atividade” oficialmente, como estava a acontecer. Estes estabelecimentos estão encerrados desde março.

Os bares e discotecas que optem por esta possibilidade podem funcionar até às 20h00 na Área Metropolitana de Lisboa e até às 01h00 (com limite de entrada às 24h00) no resto do território continental, como a restauração. “Quem achou que o podia fazer já o fez ainda antes desta determinação, mas insisto que no caso das discotecas, pelas suas características, é totalmente inviável. Aquilo que precisamos é de um apoio porque a nossa situação está insustentável”, sublinhou José Gouveia, também presidente da Associação de Discotecas de Lisboa.

No mesmo sentido, o empresário João Fernandes, que integra o grupo de trabalho constituído com a tutela sobre esta matéria, assegura que “está fora de questão” uma readaptação de uma discoteca a uma pastelaria ou café”. “O foco de qualquer discoteca é entre a 01h00 e as 05h00. Não há nenhuma discoteca que consiga funcionar até às 20h00”, diz, afirmando que esta medida serviu apenas para “atirar areia para os olhos da comunicação social”.

Nesse sentido, João Fernandes, que é proprietário de três estabelecimentos de diversão noturna em Lisboa, ressalva que na capital apenas se concretizou a readaptação de alguns bares, que ajustaram a sua atividade para poder fazer venda de rua, situação que fica agora mais facilitada com o diploma do Governo.

A nova possibilidade não é só a questão do horário [limitado até à 01h00], é a limitação de dizer que tem de por mesas na pista. Por amor de Deus, uma discoteca é uma discoteca. As mesas não dançam, nem consomem, nem faturam.

João Fernandes

Membro do grupo de trabalho constituído com a tutela e proprietário de três bares

Mais a norte, na cidade do Porto, a situação é semelhante e, segundo disseram à Lusa associações do setor, nenhuma discoteca reabriu nos moldes de pastelaria ou café. “A nova possibilidade não é só a questão do horário [limitado até à 01h00], é a limitação de dizer que tem de por mesas na pista. Por amor de Deus, uma discoteca é uma discoteca. As mesas não dançam, nem consomem, nem faturam”, afirmou à Lusa o presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, António Fonseca.

O empresário, que classificou as regras como “ridículas”, indicou que não abriu nenhuma das discotecas da zona histórica da cidade, nomeadamente o Indústria, o Pérola Negra, a Boîte e o Plano B. António Fonseca adiantou ainda que a associação a que preside enviou na quinta-feira uma proposta ao Governo para a abertura das discotecas além da 01h00, após parecer favorável da Direção-Geral da Saúde.

“A Associação vai propor que se avance com uma abertura das discotecas em função das condições que cada uma oferece, ou seja, a abertura durante o período da pandemia só poderá acontecer com um parecer da Direção-Geral da Saúde (DGS), o qual terá de ser elaborado após visita in loco aos estabelecimentos que tenham formalizado um pedido”, explicou.

Na região do Algarve, também não se verificou qualquer adesão à possibilidade deixada em aberto pelo Governo para transformar discotecas em cafés ou pastelarias, segundo referiu o presidente da Associação de Discotecas do Sul e Algarve (ADSA). “Ninguém aderiu a isso porque as discotecas têm como horário de abertura o horário que nos foi dado para o encerramento. Já foi o tempo, nos anos 1980, que abria a discoteca às 22h00. Agora não, agora temos as discotecas a abrir às 00h00 ou à 01h00, aliás as pessoas só vão para a discoteca depois de estarem nos bares e os bares agora também têm um horário mais alargado”, justificou Liberto Mealha.

Ninguém aderiu a isso porque as discotecas têm como horário de abertura o horário que nos foi dado para o encerramento. Já foi o tempo, nos anos 1980, que abria a discoteca às 22h00. Agora não, agora temos as discotecas a abrir às 00h00 ou à 01h00.

Liberto Mealha

Presidente da Associação de Discotecas do Sul e Algarve (ADSA)

O dirigente da ADSA considerou que “esta solução não interessa” às discotecas e previu que “não haverá negócio nenhum” durante todo este ano e início do próximo.

Apesar de predominar o pessimismo junto dos empresários do setor, existem exemplos de negócios que se conseguiram “reinventar”, ainda que antes e não nos moldes preconizados há uma semana pelo Governo. Um deles foi o clube noturno Lust In Rio, situado no Cais do Sodré, em Lisboa, que aproveitou há dois meses a sua “ampla esplanada”, com 1.400 metros para converter o espaço num restaurante e poder funcionar até à 01h00.

“Assim que nós percebemos que o setor estava a ser completamente desprezado pelo Governo e como tínhamos CAE (Código de Atividade Económica) da restauração, e porque o espaço assim o permite, transformámos em restaurante”, contou à Lusa o proprietário do espaço, Samuel Lopes.

A criação de espaço de restaurante, que já estava prevista num projeto futuro, representou um investimento de 300 mil euros, mas, segundo o empresário, foi “essencial para “não cair no esquecimento”. “Fizemos isto na base de não perder marca, de não perdermos clientes, de não ficarmos esquecidos. O grande problema que está aqui é também ficar esquecidos. Eu não conheço quem consiga estar cinco meses sem trabalhar que consiga sobreviver”, sublinhou, lamentando que o setor esteja a ser “posto de lado”.

A Lusa questionou os ministérios das Finanças e da Justiça sobre o número de empresas de diversão noturna que tinham solicitado a mudança de atividade, mas não obteve resposta até ao momento.

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