Pagar para vender o Novo Banco

O sistema de incentivos que tem motivado o recurso ao dinheiro dos contribuintes foi criado pelo Governo PS, que em 2017 aceitou a venda do NB, sob proposta do Banco de Portugal.

O reiterado e sistemático recurso do Novo Banco (NB) ao “mecanismo de capital contingente” (MCC), uma espécie de garantia atribuída pelo Estado português ao comprador do NB, até um máximo de 3,9 mil milhões de euros, é na minha opinião prova suficiente para concluir que a avaliação pré-venda dos “activos não produtivos”, que serviu de base à venda de 2017, foi mal feita. Não é a primeira vez que o afirmo. Já o tinha feito em Abril de 2018, num artigo publicado aqui no ECO sob o título de “NB: ainda a pagar a resolução” no qual questionei a desvalorização dos referidos activos num curto espaço de tempo imediatamente após a venda. Mas a referida avaliação não resultou apenas incompetente, resultou em pagar para vender o NB.

Recorde-se que em 2017 Portugal estava ainda na corda bamba orçamental e, para além do Novo Banco, havia que lidar também com o aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Assumir o custo de ambos, por inteiro e no mesmo ano, destruiria as contas públicas. Neste contexto, o Governo optou primeiro, ainda em 2016, pela recapitalização da CGD que acabou por concretizar em 2017. Quanto ao NB, os termos iniciais da venda foram anunciados em Março de 2017, mas os termos finais só foram concluídos em Outubro desse ano. O MCC foi então apresentado pelo Governo como sendo de utilização esporádica e apenas aplicável a situações muito específicas.

O MCC permitiu ao Governo adiar o impacto orçamental da venda que acabara de concretizar. E assim tem vindo a suceder desde 2018, desde a primeira transferência do Orçamento do Estado para o Fundo de Resolução (FdR), que ficou responsável pela boa utilização do MCC, e daí para o NB. Ano após ano, o Governo tem adiado parte do impacto orçamental da venda, sendo que é hoje consensual entre a opinião pública que os 3,9 mil milhões de euros serão mesmo esgotados. Pelo meio, o Governo também aplacou a banca, adiando para as calendas o reembolso dos “empréstimos” realizados pelo Tesouro ao FdR (que “é” suportado pela banca), reduzindo o valor actual do capital a recuperar pelos contribuintes no longínquo ano de 2046.

Ora, as últimas notícias sobre a utilização do MCC por parte do NB mostram como os incentivos associados à existência do MCC, acrescidos de compromissos temporalmente definidos junto da Comissão Europeia para a alienação de determinados activos do NB, só poderiam conduzir a maus resultados. Mas, mais do que isso, a notícia referente à alienação da GNB Vida surpreende, não pelo “fait divers” em redor do comprador final – uma matéria que foi mal tratada pelo jornal Público e que já foi desmentida pelas partes envolvidas incluindo o próprio regulador sectorial –, mas sim pela inclusão de um activo solvente no perímetro do MCC, que terá sido estabelecido para lidar com activos insolventes (na gíria financeira, os activos não produtivos).

Nas últimas semanas intensificou-se o escrutínio sobre a gestão do NB após a venda de 2017. Como o banco tem beneficiado repetidamente do MCC parece-me muito bem que assim seja e, no caso da polémica mais recente, o NB e o FdR deveriam tornar públicas todas as propostas que receberam no decurso do processo de venda (“aberto e competitivo”) da GNB Vida. O NB e o FdR deveriam também tornar públicos os pareceres dos órgãos executivos e de fiscalização que tenham tido intervenção no processo (mormente o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal do NB, a Comissão de Acompanhamento e o Conselho Directivo do FdR, e/ou outros).

Porém, sem prejuízo do escrutínio sobre o NB, há uma responsabilidade que não podemos perder de vista: o sistema de incentivos que tem motivado o recurso ao dinheiro dos contribuintes foi criado pelo Governo PS, que em 2017 aceitou a venda do NB, sob proposta do Banco de Portugal. A opção implícita foi pagar para vender. A alternativa teria sido um embate com a Comissão Europeia, como mais tarde Itália fez, ou a liquidação do NB. Mas nenhuma teria sido politicamente conveniente. Por isso, chancelaram-se activos a valer no papel aquilo que não valiam em mercado, como a experiência tem revelado. Tivesse isto acontecido com vendedores do sector privado e não teria sido (nem estaria a ser) tolerado.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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