Costa quer reatar geringonça. Este é o caderno de encargos da esquerda
Ultrapassada a fase de emergência, o Governo prepara a recuperação económica no OE 2021. As negociações retomam esta sexta-feira com o aviso de Marcelo a ecoar: não contem com uma crise política.
As negociações para o Orçamento do Estado (OE) para 2021 estão prestes a recomeçar e, um dia antes, as movimentações políticas fizeram-se sentir de Belém a São Bento. O Governo fez uma aproximação aos partidos à sua esquerda, em particular ao Bloco de Esquerda, com a eliminação do fator de sustentabilidade para carreiras especiais, uma medida do OE 2020 que ainda não tinha sido cumprida, como alertou Catarina Martins. Horas depois, chegava um aviso: “O Presidente da República não alinha em crises políticas”, disse Marcelo em antecipação do recomeço das discussões entre PS, BE, PCP, PAN e PEV.
Falta um mês e poucos dias para acabar o prazo de entrega do OE 2021 na Assembleia da República (10 de outubro). Após terem arrancado em julho, depois da aprovação do Orçamento Suplementar, as negociações retomam na última semana de agosto com a ideia de que este poderá ser um dos orçamentos mais difíceis dos últimos anos devido à incerteza da crise pandémica a que se junta à inexistência de uma maioria clara no Parlamento, o que coloca em cima da mesa o perigo de uma crise política.
No debate do Estado da Nação, o primeiro-ministro foi claro ao pedir um acordo não só para o OE 2021 como para os seguintes: “Se foi possível antes, certamente será possível agora”, disse ao BE, PCP e PEV, acrescentando o PAN. António Costa dramatizou o “convite” ao dizer que é “indispensável” acordo “duradouro” com a esquerda. Anteriormente, no início da pandemia, tinha dito que ficaria “muito desiludido” se só pudesse “contar com o PCP e com o BE em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer”.
Em resposta, tanto BE como PCP colocaram o ónus no PS por ter de escolher se quer aplicar uma resposta robusta à crise ou optar pela austeridade: “Para ser viabilizado pela esquerda, o Orçamento do Estado para 2021 tem de responder à crise pela esquerda“, resumiu Mariana Mortágua. Além disso, ambos os partidos querem compromissos concretos e a concretização do que já foi acordado no passado.
O Governo deu passos nesse sentido esta quinta-feira ao concretizar uma das medidas do OE 2020, o fim do fator de sustentabilidade para as profissões de desgaste rápido, que foi aprovado no Conselho de Ministros. Este é um pequeno sinal de aproximação entre o Executivo e o BE, apesar de as exigências se manterem elevadas.
Já o PCP continua o caminho de afastamento do PS: após ter votado contra o Orçamento Suplementar, o partido adiou — por motivos de agenda — a reunião sobre o OE 2021. É certo que os comunistas dizem que estão disponíveis para negociar o OE, mas os sinais públicos — até pela recusa em ir à apresentação da visão estratégica do plano de recuperação — tendem a ser mais de afastamento do que aproximação.
E se o PS estivesse preparado para culpar os partidos à esquerda do falhanço das negociações, o Presidente da República veio tomar uma posição para afastar essa “aventura”, “ficção” ou “romance”. “Desenganem-se os que pensam que se não houver um esforço de entendimento que vai haver dissolução do Parlamento no curto espaço de tempo que o Presidente tem para isso que é até ao dia 8 de setembro“, disse Marcelo Rebelo de Sousa esta quinta-feira, apelando aos partidos que dialoguem para chegarem a um OE 2021 que “não é o ideal nem o ótimo para ninguém, mas que seja o possível para o maior número”. “Pluralismo é pluralismo [pelo que] ninguém é obrigado a violar a sua consciência, mas são todos obrigados a pensar no interesse nacional”, concluiu.
Código do Trabalho, produção nacional ou ISP nas prioridades da esquerda
Numa entrevista ao Expresso no sábado, António Costa começou a desvendar o que poderá ser o OE 2021: anunciou que quer criar uma nova prestação social extraordinária (só para a crise pandémica) semelhante ao Rendimento Social de Inserção (RSI) para quem ficou sem rendimentos, abriu a porta a um aumento do salário mínimo (ainda que menor do que o planeado) e prometeu a concretização a descida do IVA da eletricidade consoante o consumo ainda este ano. Porém, também avisou que terá de se adiar a descida do IRS e os aumentos prometidos à função pública.
O novo apoio pode ir ao encontro da prioridade do BE de que ninguém pode ficar abaixo do limiar da pobreza, assim como o reforço dos profissionais de saúde que já está em curso. Soma-se ao fim do fator de sustentabilidade, mas mantém-se o tabu sobre o assunto que levou ao fracasso das negociações no início da legislatura: o BE insiste nas mudanças da lei laboral como algo essencial, desta vez para viabilizar o OE para 2021. Catarina Martins já recordou que “como o primeiro-ministro acabou por reconhecer face à Organização Internacional do Trabalho [OIT], se a desregulação do trabalho é a maior fratura exposta desta crise, então os direitos, a regulação do trabalho deve ser a primeira resposta a esta crise”.
Esta é também uma prioridade do PCP, principalmente perante a crise pandémica, mas não é clara a posição do PS que mostrou abertura, para já, apenas nas questões relativas ao teletrabalho e às plataformas digitais. Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, admitiu que “este é um momento histórico e uma oportunidade para se olhar para as relações laborais e perceber-se o que vai mudar”, mas ficou por perceber o que é que em concreto poderá ser viabilizado quando os partidos à esquerda querem reverter as mudanças feitas no Código do Trabalho durante a troika, nomeadamente nas indemnizações por despedimento.
Do lado do PCP, Jerónimo de Sousa também já elencou as duas prioridades do partido para o Orçamento do Estado para 2021: o reforço da produção nacional para diminuir as importações — o que poderá ir ao encontro das intenções do Governo — e a valorização do trabalho. “Precisamos de produzir daquilo que nos obrigaram a comprar lá fora. E é preciso a valorização do trabalho e dos trabalhadores“, disse o líder do PCP, assinalando que a valorização do trabalho “é uma das medidas que têm que estar colocadas no Orçamento do Estado para 2021”. Em concreto, ainda não se sabe que medidas é que os comunistas exigem.
A somar à geringonça está o PAN, que tem estado ao lado do Governo em vários momentos, nomeadamente no Orçamento Suplementar. O partido avançou com uma reivindicação já antiga de se acabar com a isenção do pagamento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) pelo setor da aviação. Para o partido de André Silva, o aumento da receita fiscal com esta mexida deveria ser utilizada para baixar o IRS já em 2021 em vez de se optar por um adiamento como pretende Costa.
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