“Sou arguido, mas protegido pelo Estado como testemunha”, diz Rui Pinto no início do julgamento

O julgamento do alegado hacker informático, responsável pelo Football Leaks e o Luanda Leaks e acusado de 90 crimes, começa esta sexta-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Rui Pinto, nas suas primeiras declarações perante o coletivo de juízes, sublinhou que está neste processo “numa estranha situação”, já que é “arguido, mas também testemunha protegido pelo Estado”. Numa curta declaração feita com papel na mão e em pé, o alegado hacker assume-se não como um pirata informático mas sim “um whistleblower” que agiu no interesse público e “nunca por dinheiro”.

“Sou um denunciante, não um hacker, sou sim um whistleblower que divulgou informação com interesse público”, disse perante o tribunal. Mas assume que o seu “trabalho de whistleblower está terminado” e garante que não o fez “nunca por dinheiro”.

O julgamento, que começou esta sexta-feira no Campus de Justiça, em Lisboa, tem apenas dez lugares disponíveis para o público, seis dos quais destinados a jornalistas e quatro para familiares dos arguidos. Os restantes puderam assistir noutra sala do mesmo tribunal, por sistema de videoconferência.

O arguido, de 32 anos, que disse ao tribunal ser “desempregado”, assumiu ainda que ficou “indignado” com tudo o que descobriu. “Fui incentivado, aliás, por várias organizações internacionais e jornalistas a divulgar essa informação”. Assumindo-se como uma espécie de herói nacional, o arguido disse ainda que foi “ameaçado, caluniado” e que o período de sete meses em que esteve preso, em isolamento total, não foram tempos fáceis”.

O criador do Football Leaks é acusado de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

O hacker foi recentemente libertado após ter estado mais de um ano em prisão preventiva e quatro meses em domiciliária. O criador da plataforma Football Leaks — através da qual divulgou milhares de documentos confidenciais do mundo do futebol e alegados esquemas de evasão fiscal em diversos países — voltou a ter acesso à internet, após o mesmo lhe ter sido proibido pela juíza de instrução criminal Cláudia Pina. Rui Pinto tem a obrigação de se apresentar uma vez por semana na PJ.

O advogado Aníbal Pinto, também arguido neste processo, pelo crime de extorsão na forma tentada defendeu que vai desmontar a acusação do Ministério Público (MP) ponto por ponto. Na sessão, durante mais de quatro horas, com intervalo para almoço, o advogado avisou que vai “esclarecer tudo” ao tribunal. “A minha estratégia de defesa é muito simples: dizer a verdade e tudo o que digo está documentado. O Ministério Público tem de ler os documentos”.

Aníbal Pinto, que representava Rui Pinto na alegada tentativa de extorsão à Doyen, em 2015, sublinhou ter agido apenas “enquanto advogado”, declarando-se “absolutamente tranquilo” sobre a sua conduta e o desenrolar do julgamento, presidido pela juíza Margarida Alves.

Rui Pinto, que está em liberdade e, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial, admite sentir-se “um pouco triste porque o Football Leaks não atingiu tudo o que esperava no início”.

“Para os denunciantes, o mundo do futebol não é o sítio mais fácil para entrar. Creio que o Football Leaks foi uma das mais perigosas fugas de informação. Os denunciantes do futebol correm muito mais perigo do que os de outros negócios, como os dos Panama Papers ou dos LuxLeaks”, disse.

Também responsável pelo processo Luanda Leaks, Rui Pinto considera que as denuncias que envolvem Isabel dos Santos mudaram a sua imagem perante a opinião pública.

“Houve uma mudança na imprensa relativamente a mim: alguns jornalistas que me chamavam sempre pirata ou hacker ou espião informático agora chamam-me whistleblower. Antes, todos tratavam o Football Leaks como uma guerra tonta entre clubes de futebol. Mas, quando apareceu o Luanda Leaks, todos perceberam que havia muito mais que isso. Até os procuradores acabaram por perceber que isto era maior do que o que esperavam. Este projeto acabou por me ajudar a finalmente sair da prisão”, refere.

A defesa de Rui Pinto considerou, na contestação apresentada junto do Tribunal Central Criminal de Lisboa, que é “inadmissível” que o hacker esteja a ser acusado por 90 crimes, ao invés de dez que foram identificados no mandato de detenção europeu e no seu posterior alargamento.

Entre as 45 testemunhas arroladas pelo arguido estão a antiga eurodeputada Ana Gomes, o diretor nacional da PJ Luís Neves, o antigo administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional (CIA) dos Estados Unidos Edward Snowden, o ex-ministro Miguel Poiares Maduro, o ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho, o treinador do Benfica Jorge Jesus, e Octávio Machado.

O advogado e arguido Aníbal Pinto disse ainda que Rui Pinto ter-lhe-á ligado a garantir que o objetivo não era “cometer ilegalidades” mas que precisasva da sua ajuda. O arguido terá dito apenas ao advogado que a Doyen tinha sido “atacada” e queria contratá-lo e queria a sua ajuda para fazer o contrato. Aníbal Pinto diz que não pôs sequer “em causa que fosse Rui Pinto a atacar a Doyen”, mas sim que o ataque tivesse sido feito por outra pessoa desconhecida. Mas, porém, o advogado admitiu que achou estranho o comportamento e por isso foi cauteloso.

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