Vêm aí campanhas presidenciais “peculiares”. Digital será a aposta, mas não sem custos

Os candidatos para as presidenciais têm pela frente uma campanha diferente, em plena pandemia. Menos eventos presenciais e mais presença digital será a norma, mas não sem algum investimento.

A corrida para o lugar de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém já começa a ganhar forma. São oito os candidatos que anunciaram a decisão de concorrer, numas presidenciais que prometem ser muito diferentes. Em plena pandemia, as campanhas vão ser “peculiares”, com uma aposta mais forte no digital e na comunicação à distância, o que não quer dizer que haja poupança de custos, dizem os especialistas contactados pelo ECO.

“Com a pandemia, será mais difícil reunir multidões para demonstrações de força ou até mostrar os tão famosos ‘afetos'”, aponta Nuno da Silva Jorge, professor de comunicação política na Escola Superior de Comunicação Social, ao ECO. É uma altura em que os meios digitais vão ganhar destaque, permitindo o contacto à distância.

É ainda incerto como se irá desenrolar esta que será uma “aposta incontornável”, já que campanhas políticas nativamente digitais “é algo que não tivemos até agora na democracia portuguesa”, recorda. As plataformas “sempre funcionaram como suporte a uma campanha que decorria no terreno”, pelo que “esta poderá ser uma grande mudança na forma como percecionamos os candidatos”.

Será preciso ter equipas preparadas para estas campanhas, já que há coisas que podem não correr com esperado. Por exemplo, no “comício digital de Joe Biden para as atuais presidenciais americanas, em que se tentou recriar um town hall numa videoconferência alargada e o sistema tecnológico não respondeu como era esperado; não se via nem ouvia bem o que estava a ser dito”, recorda.

Desta forma, os candidatos que já têm uma comunidade online que os segue “partirão em vantagem perante os outros”, sublinha. Luís Santos, professor da Universidade do Minho, também aponta que o “território de combate pode ser digital” e alguns dos candidatos, como Ana Gomes ou André Ventura, já têm uma presença mais forte e apoiantes “efusivos”, que se empenham na difusão da mensagem.

Este contexto digital traz também alguns perigos. Existe a “eventual possibilidade de algumas campanhas ativarem mecanismos automáticos de disseminação de mensagens, como bots“, nota, um fenómeno está a crescer e já se tem verificado em alguns países europeus, nos Estados Unidos e no Brasil. As plataformas digitais “aumentam o risco de contrainformação, que poderá ser uma tentação para certas máquinas de campanha”, corrobora Nuno da Silva Jorge.

Ainda assim, a televisão não será posta de lado, por reunir um número tão alto de portugueses. Os tradicionais debates entre os candidatos, se se realizarem, também poderão “funcionar como momentos pivot de estratégia à distância”, por ser um momento de exposição dos candidatos ao público, aponta Luís Santos.

Noutros países onde se realizaram campanhas já em pandemia também se viu o “ressurgir de técnicas antigas como o cartaz”, que estava a ser passado para o segundo plano, mas “ganha agora outra relevância”. Por cá, os partidos mais pequenos e recentes já têm apostado nesta ferramenta.

Contenção de custos… mas despesa não desaparece

Ao falar destas presidenciais há ainda um ponto de interrogação fulcral: se o atual Presidente se irá recandidatar. Marcelo Rebelo de Sousa já disse que só irá dar a conhecer a decisão após convocar eleições, o que ocorre em novembro. Apesar deste compasso de espera, tudo indica que irá existir uma candidatura, que até já teve um empurrão de António Costa, numa visita de ambos à Autoeuropa, que fez uma alusão à eventual recandidatura do chefe de Estado.

Os seus “elevados níveis de popularidade e, claro, o facto de historicamente os incumbentes tenderem a vencer estas eleições poderiam desencorajar o número de candidatos”, mas tal acabou por não se confirmar, nota Patrícia Silva, investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. Ainda assim, “neste contexto, poderemos ver alguma contenção também nos gastos de campanha eleitoral”.

Até do lado de Marcelo, que já em 2016 “fez uma campanha muito contida em termos de cartazes e de staff dedicado à campanha eleitoral”, deverá continuar com este comportamento “neste contexto de pandemia, de antevisão de uma crise económica e, claro, num contexto em que é esperada a sua reeleição”, aponta.

Existe ainda outro fator que poderá travar os candidatos de abrir demasiado os cordões à bolsa. “Os candidatos seguramente recordam-se das dificuldades por que alguns candidatos passaram após as presidenciais de 2016, quando as candidaturas não obtiveram percentagem de votos suficiente para obter financiamento estatal (subvenção estatal)”, lembrou a investigadora. “Este é uma preocupação particular daqueles candidatos que, à partida, não terão apoio partidário – o que também poderá imprimir uma dinâmica muito própria às campanhas eleitorais”, sublinha.

Para além disso, “em teoria, uma campanha digital poderá ter menos custos do que um evento físico”, aponta Nuno da Silva Jorge. No entanto, esta “está longe de ser gratuita”. “Para fazer uma grande campanha digital é necessário ter uma equipa altamente preparada tecnicamente em várias áreas, ter a infraestrutura tecnológica certa. E isso também custos”, explica.

Eventos? Depende da pandemia e das recomendações da DGS

Arruadas, sardinhadas, visitas a mercados e feiras, beijinhos a bebés. As imagens a que estamos habituados a ver nas campanhas eleitorais vão ser muito diferentes este ano. “Se as circunstâncias se mantiverem as do presente, reuniões controladas em pequena escala poderão acontecer”, nota Luís Santos.

A decisão irá depender das personalidades e da estratégia, bem como das recomendações da Direção-Geral de Saúde. Marisa Matias, por exemplo, “vem de um partido habituado a reuniões com grupos controlados”, nota. No entanto, “cada candidato vai ter de ir pensando quem são os eleitores e se vão querer que faça” estes eventos.

Patrícia Silva também sublinha que “tudo dependerá da evolução da pandemia e da capacidade da DGS em emitir pareceres para este tipo de eventos”, sendo que os partidos/candidatos serão “escrutinados pela comunicação social e cidadãos relativamente aos eventos maiores e ao cumprimento das regras impostas pela DGS a todos os cidadãos”.

Realizou-se recentemente a Festa do Avante, que, por um lado, foi “um exemplo de como a organização de eventos políticos em tempo de pandemia gera polémica”, sendo uma questão de “perceção pública e que ultrapassa as medidas de segurança”, aponta Nuno da Silva Jorge. Já Luís Santos sublinha que, apesar de ter motivado muitas críticas, “teve bastante apoio entre os militantes do partido”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Vêm aí campanhas presidenciais “peculiares”. Digital será a aposta, mas não sem custos

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião