Sociedades multidisciplinares, segredo profissional e transparência fiscal

  • Bruno Santiago
  • 2 Dezembro 2020

Muitas são as razões que militam contra a inserção dos advogados em sociedades multidisciplinares. Admito, contudo, que seja possível obter alguma flexibilidade.

Temos vindo a assistir nas últimas semanas ao ressurgir do debate sobre a possibilidade da existência de sociedades multidisciplinares em resultado do mote lançado pelo Governo, tema este que é particularmente caro à nossa classe quando se pretenda abarcar a advocacia na dita multidisciplinaridade. A última invetiva, lançada em 2013 pelo Governo anterior, foi rechaçada com sucesso. Veremos como será desta.

Muitas são as razões que militam contra a inserção dos advogados em sociedades multidisciplinares. Admito, contudo, que seja possível obter alguma flexibilidade, sobretudo se a dita multidisciplinaridade, quando envolva a advocacia, for restrita, acessória e devidamente balizada, com sujeição às regras estatutárias dos advogados. Todos queremos servir bem os clientes que nos procuram, e não obstante considere que um cliente que necessite num único momento de diferentes valências, cobertas por profissões diferentes, fique mais bem servido se, relativamente a cada uma das valências, procurar os respetivos profissionais, em vez de uma única sociedade que reúna as diferentes valências, admito que haja outros que defendam diferente opinião.

Para alguns o lançamento desta iniciativa legislativa sobre a multidisciplinariedade visa agradar às grandes consultoras multinacionais a operar em Portugal e ao poder de influência que exercem junto do poder político. Não sei se é o caso. Sei que foi esse o caso num outro tema que tem passado mais ou menos despercebido à generalidade da profissão pois é sobretudo do interesse dos que cultivam de forma mais exclusiva os meandros do Direito Fiscal. Refiro-me à Lei n.º 26/2020 que transpõe para a ordem jurídica interna uma diretiva europeia conhecida como DAC 6 relativa à obrigação de comunicação à AT, nomeadamente por advogados, de esquemas de planeamento fiscal. No caso dos profissionais que estão sujeitos a segredo profissional, o legislador arranjou uma solução coxa que consiste em fazer recair o dever de comunicação desses esquemas no próprio cliente e apenas subsidiariamente, em caso de incumprimento pelo cliente, no profissional. Mas se esta solução legal é má, péssima mesmo foi a equiparação destes profissionais sujeitos a segredo profissional, como os advogados, àqueles prestadores de serviços não abrangidos por tal dever mas que contratualmente se vinculam perante os seus clientes a um dever de sigilo, passando aos olhos desta lei a estar abrangidos pelo mesmo regime.

Os dois temas acima referidos, cuja consagração é sustentada em razões de concorrência, reconduzem-nos ao último tema que queríamos abordar: a transparência fiscal a que estão sujeitas as sociedades de advogados. Com efeito, de concorrência desleal pode-se falar, isso sim, relativamente à situação das sociedades de advogados que têm de competir com outros prestadores de serviços no mercado, mas estando sujeitas a um regime fiscal muito mais penalizador da sociedade (ao desincentivar a constituição de reservas) e dos seus sócios (ao serem tributados como se fossem empresas) do que os restantes profissionais liberais. A falta de vontade política para pôr cobro a esta iniquidade é mais um dos equilíbrios desequilibrados da famosa geringonça política que nos governa e que, para além da injustiça que ostenta na comparação com outros profissionais liberais, se revela também injusta no interior da própria advocacia ao prejudicar as sociedades de advogados portuguesas face às suas congéneres europeias a operar em Portugal.

  • Bruno Santiago
  • Sócio de fiscal da Morais Leitão

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