#Episódio 5: Como Rui Pinto tentou extorquir 1 milhão de euros ao CEO da Doyen
O hacker contactou o CEO da Doyen com um nome falso, ameaçou publicar informações sigilosas da empresa e prometeu que não o faria em troca de uma quantia entre 500 mil a um milhão de euros.
A 20 de setembro de 2015 — logo depois de ter “atacado” o Sporting — e a partir da sua casa arrendada de Budapeste, Rui Pinto acedeu ao sistema informático da Doyen Sports Investments Limited.
A empresa — que celebra contratos de financiamento com clubes de futebol e SAD — está sediada em Malta, Rui Pinto estava na Hungria mas o equipamento informático da mesma estava situado em Londres. Rui Pinto começou por tentar aceder ao computador de Doyen Amro Sinjab, funcionário da Doyen. Sem sucesso, tentou então entrar no ambiente de trabalho do computador de Adam Gomes, antigo diretor das áreas da tecnologia de informação da empresa. Desta vez com sucesso. Das 14h43 às 15h54 desse mesmo dia, o hacker português acedeu a documentos referentes à infraestrutura informática da Doyen, onde se encontravam listadas os nomes dos utilizadores e respetivas passwords de todo o sistema da empresa.
Desde essa fase, explorou todos os documentos e conseguiu criar uma ferramenta que desviou automaticamente todas as mensagens de correio eletrónico da Doyen para um e-mail por si criado. Só num dos e-mails a que acedeu estavam cerca de 1.600 contratos da empresa que se dedicava à elaboração de contratos de financiamento com clubes de futebol.
E é a partir do dia 1 de outubro, já com a informação na mão, que o arguido acusado de 90 crimes, começa a divulgar informação no seu blogue Football Leaks. Em quatro publicações distintas:
- 3h24 minutos — Dossiê “Lucas Lima/Santos/Doyen”;
- 3h48 minutos — Dossiê “Defour & Mangala/ FC POrto/Doyen”;
- 5h 24 minutos — Dossiê “O complexo negócio Doyen/Benfica por Ola John”
- 5h31 minutos — Dossiê “Doyen/Vela: Porject Imbula”
Foi também nesta altura que, segundo a tese do Ministério Público, Rui Pinto já tinha um plano de extorsão em mente. Alvo? Nélio Lucas, então CEO da Doyen. “A 25 de setembro de 2015, Rui Pinto criou o endereço de e-mail artem.lobuzov@yandex.kz com o intuito de realizar contactos com terceiros sem ser identificado”, segundo a acusação, a que o ECO teve acesso.
Dois dias depois — a 3 de outubro — o falso Artem Lobuzov, contacta Nélio Lucas, CEO da Doyen admitindo que tem várias informações relativas a contratos celebrados ou em vias de celebração por parte da Doyen e vários clubes de futebol. “A fuga é bem maior do que imaginava”, diz o arguido.
Referindo-se a vários contratos mas também a toda a atividade em curso da empresa, Rui Pinto ameaça: “tudo isto e muito mais pode aparecer online, e logo de seguida em toda a imprensa europeia. Certamente não deve querer isso não é? Mas podemos conversar…”. Depois de Nélio Lucas lhe perguntar o que pretende, o pirata responde, no dia 5 de outubro, que quer “uma doação generosa entre os 500 mil e um milhão de euros”. Mas esclarece: “em troca do dinheiro, eu eliminaria a informação toda. Este assunto pode ser resolvido no maior sigilo possível, entre advogados”.
Dois dias depois deste pedido de “doação” — no dia 7 de outubro — o hacker português justifica-se a Nélio Lucas: “Desde que começámos a conversar deixei de publicar assuntos relativos à Doyen, A única exceção foi a carta enviada pelo Sporting sobre o caso Rojo, só para ir mantendo o circo mediático”. E acrescenta: “Neste momento até lhe fiz um favor, já que o presidente do Sporting [à data Bruno de Carvalho] foi completamente desmascarado e perdeu toda a credibilidade nacional e internacional”.
Ao longo da investigação e na primeira sessão de julgamento, Rui Pinto garantiu que nunca teve intenção de receber qualquer montante, mas apenas perceber que valor Nélio Lucas daria à informação bem como verificar a sua autenticidade. Daí, disse, ter avançado um valor que considerou “irrealista e excessivo”.
Advogado Aníbal Pinto, arguido no processo, entra em cena
E é aqui que entra o segundo arguido neste processo, o advogado Aníbal Pinto, que já tinha representado Rui Pinto num processo em que este retirou 300 mil dólares de um banco sediado nas Ilhas Caimão.
Depois de vários e-mails trocados entre este advogado e o advogado de Nélio Lucas, Pedro Henriques. Aníbal Pinto encontra-se com Nélio Lucas, numa estação de serviço da A5, em Oeiras, a 21 de outubro. Foi nessa altura que foi assumida a identidade de Rui Pinto, o homem por detrás do Football Leaks. Aníbal Pinto disse que os documentos estavam num único disco rígido e queria celebrar um acordo que conciliasse “ambas as partes”.
“O meu cliente estaria disposto a receber a quantia acordada em prestações anuais durante três a cinco anos, assegurando total confidencialidade do acordo”, disse Aníbal Pinto. Nélio Lucas disse não saber como iam conseguir transformar um crime de extorsão num contrato válido. Aníbal Pinto disse-lhe para “não se preocupar com isso” – e pediu “300 mil euros (mais IVA) de honorários”.
Porém, quando Nélio Lucas assumiu que esse negócio não iria acontecer, Aníbal Pinto envia várias mensagens de e-mail ao advogado de Nélio Lucas e ao próprio Rui Pinto para tentar evitar ser responsabilizado criminalmente. Perante este cenário, Rui Pinto, continuou a publicar documentos da Doyen.
Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto, advogado.
Nota: Este artigo faz parte de uma série de episódios da “Novela Rui Pinto”, que foram sendo publicados ao longo da semana, e que contam que informação obteve, afinal, o hacker Rui Pinto, como o conseguiu fazer, quantos advogados foram hackeados e que informação relativa ao Benfica foi acedida. As histórias e os relatos têm por base a informação do despacho de acusação anunciado pelo Ministério Público em setembro de 2020, no âmbito da investigação do processo “Football Leaks”. Este foi o último da série.
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