#Episódio 1. O que sacou Rui Pinto à PGR? O próprio processo que o investigava

Tancos, BES, Operação Marquês e até informação contra si próprio. Foi tudo e mais ainda o que o hacker Rui Pinto conseguir extrair do sistema informático do Ministério Público em apenas dois meses.

Foi a Polícia Judiciária (PJ) que avisou a Procuradoria-Geral da República (PGR) de que os seus servidores tinham sido alvo de um ataque informático. E foi através do email de Amadeu Guerra, ex-diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que Rui Pinto “abriu a porta” da estrutura informática da justiça.

Com perícia tal e sem dar qualquer alerta ao utilizador, fosse ele um funcionário da PGR, um magistrado ou a própria PGR, Rui Pinto — arguido do processo “Football Leaks”, cujo julgamento já vai na décima sessão — responde por um total de 90 crimes, a maioria visando alegados ataques informáticos ao Sporting, ao fundo Doyen, ao maior escritório de advogados português (PLMJ), à Federação Portuguesa de Futebol e à PGR.

“Na posse das credenciais de acesso de funcionário da PGR, o arguido Rui Pinto conseguiu aceder ao Programa Check Point Endpoint Security, por via do qual passou a ter acesso remoto a toda a infraestrutura da rede da PGR, de forma anonimizada, incluindo pastas partilhadas em servidores internos” do Ministério Público (MP), lê-se na acusação, a que o ECO teve acesso.

Através do seu apartamento em Bucareste, na Hungria, Rui Pinto conseguiu recolher todo o tipo de documentos, até os que diziam respeito à investigação na qual era suspeito, e que agora o coloca no banco dos arguidos. Nas buscas feitas à sua casa pela PJ, foram encontrados vários. Desde um requerimento do fundo de jogadores Doyen enviado ao processo “Football Leaks” a um relatório forense feito pela própria empresa à invasão do seu sistema informático; passando por um despacho da diretora do DIAP de Lisboa, Fernanda Pêgo, à correspondência trocada entre o advogado de Nélio Lucas e a PJ, incluindo mesmo informação da Europol sobre si mesmo.

Segundo a acusação do MP, o hacker teve acesso ao sistema da PGR através de uma VPN (Virtual Private Network), conseguindo um total de 307 acessos e copiando desde documentos do Conselho Superior do Ministério Público — como o currículo do atual diretor do DCIAP, Albano Pinto, a processos disciplinares relativos a magistrados, passando por informações práticas para magistrados e correspondência trocada entre magistrados do MP, até elementos concretos de processos-crime ainda em curso.

No seu apartamento, a PJ encontrou ainda cópias dos processos da Operação Marquês, Tancos e mesmo do Banco Espírito Santo, assim como várias atas das reuniões da equipa de magistrados que está a investigar crimes ligados ao futebol, nomeadamente ao Benfica.

Nas dezenas de acessos que fez ao sistema da PGR — datados entre o dia 8 de novembro de 2018 pelas 2h44 da manhã, e o dia 7 de janeiro de 2019, pelas 3h48 , o arguido fez “exaustivas pesquisas e consultas em diretorias e ficheiros da PGR”.

O arguido Rui Pinto

Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo contra o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol e a Procuradoria-Geral da República, e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada.

O criador do “Football Leaks” encontra-se em liberdade desde 7 de agosto, “devido à sua colaboração” com a PJ e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

Rui Pinto assume-se como um whistleblower, fazendo a apologia do interesse público para justificar a divulgação de material que envolveu altas esferas do mundo do futebol, advogados e questões relativas ao caso Luanda Leaks, que implicou Isabel dos Santos. Recusa, no entanto, que tenha recebido dinheiro ao divulgar estas informações.

Sob o pseudónimo ‘John’, divulgou informações a partir de Budapeste, na Hungria, país no qual foi detido em 16 de janeiro de 2019, no âmbito de um Mandado de Detenção Europeu.

Rui Pinto arrolou 45 testemunhas para deporem no julgamento, entre as quais estão personalidades do desporto e da política. A antiga eurodeputada Ana Gomes — e agora candidata a Belém —, que sempre defendeu Rui Pinto, é a primeira da lista de testemunhas, que tem ainda nomes como o do ex-coordenador do Bloco de Esquerda Francisco Louçã, e o ex-ministro Miguel Poiares Maduro, ou o do ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho, do treinador do Benfica, Jorge Jesus, e de Octávio Machado.

O diretor nacional da PJ, Luís Neves, e Edward Snowden, antigo administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, que revelou, em 2013, informações confidenciais e programas ilegais de espionagem, são outras das testemunhas arroladas pelo hacker português.

Bruno de Carvalho, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol Fernando Gomes, e o advogado Nuno Morais Sarmento, também vice-presidente do PSD, estão entre as 71 testemunhas arroladas pelo Ministério Público na acusação contra Rui Pinto.

O hacker, nas suas primeiras declarações perante o coletivo de juízes, sublinhou que está neste processo “numa estranha situação”, já que é “arguido, mas também testemunha protegida pelo Estado”. Numa curta declaração feita de papel na mão e em pé, o alegado hacker assume-se não como um pirata informático, mas sim “um whistleblower que agiu no interesse público e “nunca por dinheiro”.

Nota: Este artigo faz parte de uma série de episódios da “Novela Rui Pinto”, que irão ser publicados ao longo da semana, e que contam que informação obteve, afinal, o hacker Rui Pinto, como o conseguiu fazer, quantos advogados foram hackeados e que informação relativa ao Benfica foi acedida. As histórias e os relatos têm por base a informação do despacho de acusação anunciado pelo Ministério Público em setembro de 2020, no âmbito da investigação do processo “Football Leaks”.

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